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Comportamento

Do Líbano a Campo Grande, José ganhou fama como maior doador de sangue do mundo

Das suas veias até 1984 saíram mais de 1,8 mil litros de sangue

Thailla Torres | 23/03/2018 07:41
José Scaff chegou a doar mais de 1,8 mil litros de sangue durante 43 anos de vida. (Foto: Arquivo Pessoal)
José Scaff chegou a doar mais de 1,8 mil litros de sangue durante 43 anos de vida. (Foto: Arquivo Pessoal)

Muita coisa ficou da trajetória de José Scaff, mas a fama mesmo veio como o homem que, de 1943 a 1984, foi considerado o maior doador de sangue do mundo. Conhecido como Zecão em Campo Grande, a história dele ganhou a imprensa da época e a admiração de muitos que tiveram suas vidas salvas, graças ao sangue do libanês.

Das suas veias até 1984 saíram mais de 1,8 mil litros de sangue. Um número que teria sido maior, não fosse a saúde fragilizada com a idade. "Tenho certeza que ele não pararia nunca. A vida dele era ajudar as pessoas. Meu pai era um homem da família, deu o sangue pelas pessoas da época", começa o filho Maurício Scaff, ao mostrar algumas das recordações de José que ele guarda em casa.

O pai nasceu na cidade de Zahlé, no Líbano, e veio para Campo Grande com nove meses de idade, ao lado dos pais Chaadi Scaff e Mani Scaff. Cresceu, casou-se e teve 7 filhos. A vida como doador de sangue começou lá em 1943, para salvar a vida de um irmão. "Ele levou um tiro e precisou de uma transfusão de sangue. Foi a primeira doação do meu pai e ao ver todo sofrimento da família, prometeu que nunca mais deixaria de doar". 

José, em São Paulo, quando foi entrevistado por Hebe Camargo. (Foto: Arquivo Pessoal)
José, em São Paulo, quando foi entrevistado por Hebe Camargo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Nas recordações de Maurício estão diversos prêmios, fotografias de José em momentos importantes, um deles quando chegou a ser entrevistado por Hebe Camargo, na década de 1970. Na época, a imprensa nacional destacou em inúmeras manchetes o nome de José que também ganhou título de cidadão campo-grandense.

"Apesar da fama, ela continuava um homem simples, não gostava muito de propaganda. Mas era impossível ninguém falar dele, ninguém tinha doado tanto sangue assim na época. E tudo em Campo Grande". Maurício conta que até hoje sente os efeitos da ação voluntária do pai. "Muita gente já me parou cumprimentando por ser o filho do Zecão, porque alguém na cidade tem ou já teve história com o sangue dele".

Não é à toa que o Hemosul de Campo Grande levou o nome do libanês, que em 1951 ganhou o título de comendador Ordem Hereditária de São Bernardo, homenagem concedida à nobreza e pessoas que prestavam grandes serviços. José também ganhou a "Medalha de Sangue" do Governo Federal.

Um dos filhos, Maurício Scaff, também guarda todas as recordações do pai. (Foto: Thailla Torres)
Um dos filhos, Maurício Scaff, também guarda todas as recordações do pai. (Foto: Thailla Torres)

Em uma das cartas recebidas em agradecimento, de 1948, um pai expressa toda admiração por José ter doado sangue ao seu filho, que diante de ferimentos graves, não resistiu mesmo com a transfusão. "Amigo José Scaff. Esta carta eu lhe escrevo para expressar toda gratidão que trago no coração. Meu filho está morto, mas eu nunca hei de esquecer que foi você uma das pessoas que mais se empenhou em salvar-lhe a vida", diz um trecho da carta assinada por Pedro Araújo.

José sempre foi um homem ativo, trabalhador e dedicado à família, lembra Maurício. Em Campo Grande, foi comerciante durante anos, com uma fábrica referência na produção de ladrilhos hidráulicos. "A loja dele era na rua Antônio Maria Coelho, entre Rui Barbosa e Pedro Celestino, do lado direito. Eram feitos ladrilhos muito lindos, de um jeito rústico, mas bem trabalhados. Lembro que tinha umas 10 mangueiras no fundo e todos os ladrilhos eram colocados lá para secar".

A vida dedicada ao trabalho e à família fez José imaginar que viveria muito tempo, por isso, pouco ensinou aos filhos sobre a administração da empresa. "Depois que ele faleceu, a gente não soube como administrar, acabamos vendendo e hoje o terreno ocupa um prédio de um órgão público. Cada filho seguiu um caminho diferente", conta Maurício.

Apesar da saúde admirável, "ele fumava muito", lembra o filho. No fim da década de 1980 José sofreu um derrame, ficou com um lado do corpo paralisado. O diabetes avançou e o doador teve que amputar as duas pernas.

Uma das cartas que fala da gratidão de um pai por José. (Foto: Arquivo Pessoal)
Uma das cartas que fala da gratidão de um pai por José. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em uma das fotografias que Maurício guarda nas recordações, José aparece fumando em um período crítico da saúde. "Ele queria fumar e o médico tinha proibido. Mas acabou fumando, porque já tinha passado a vida inteira doando pelas pessoas e naquele momento estava numa cadeira de rodas. Não era fácil", lembra o filho.

Em 1993, José foi hospitalizado. Estava com saúde debilitada, magro e com a imunidade baixa. Sua morte foi no mesmo ano. "Ele chegou a ter seis paradas cardíacas".

Do legado de quem passou parte da vida doando, ficou a inspiração. "Ele inspirou muitas pessoas, principalmente os jovens. Deixou sua marca na solidariedade e com certeza fez a diferença no ato de doar sangue", declara o filho.

Em uma das entrevistas ao Folha de Londrina, em março de 1985, José disse: "Não desanimem nunca, mesmo frente aos piores obstáculos. Tenham sempre em mente que uma vida precisa ser salva!"

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