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Comportamento

Em texto de despedida, Ana Karla fez todo mundo se lembrar da própria vó

Doces da infância que a gente nunca esquece, avó de Ana partiu no último dia de abril, deixando raízes galhos e sementes.

Paula Maciulevicius Brasil | 03/05/2020 07:15
Ana Karla e sua árvore frondosa, a avó Maria Arrua Loureiro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ana Karla e sua árvore frondosa, a avó Maria Arrua Loureiro. (Foto: Arquivo Pessoal)

As palavras da jornalista e terapeuta integrativa Ana Karla Loureiro descrevem muitas avós. A dela era paraguaia, partiu no último dia de abril por causas naturais, aos 94 anos de idade. Dona Maria Arrua Loureiro nunca perdeu o sotaque, apesar de ter vivido as últimas oito décadas em solo brasileiro. Católica fervorosíssima, era dona de histórias engraçadíssimas, inclusive dos shows do primeiro neto, o violeiro Marcelo Loureiro.

Por ter ido muito além da infância de Ana Karla, e se tornar o doce da vida da neta, a jornalista aceitou compartilhar o texto com os leitores do Lado B. "Feliz que muitos poderão se lembrar de suas avós. Minhas abuelas são inesquecíveis. Ela, Maria, e mãe dela, que conheci também. Grandes mulheres. Grandes árvores", resume Ana Karla.


Dona de histórias e de muito amor e força, Maria Arrua no aniversário de 90 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona de histórias e de muito amor e força, Maria Arrua no aniversário de 90 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

O sol de nossa avó se pôs de vez no horizonte. Diferente de todos os dias de nossas vidas, amanhã, essa luz vai renascer de outro jeito. Talvez noutro lugar. Lá onde o vô já espera por ela, ou no mais belo recanto do nosso coração.

A vó gostava de escrever cartas, bilhetes, cartões de natal. Por isso, resolvi escrever pra ela e enviar pro além, por aqui. Ela iluminou a vida de muita gente. A minha, desde sempre.

Quando eu era pequena, a vó me acolheu quando meus pais  decidiram não seguir mais como casal e foram se haver com suas dores. Eu lembro bem. 

Nessa época, ela era muito brava.

Parecia estar sempre nervosa. 

Irritada. Apressada. Achava que aquilo era comigo. Ou que era com alguém ali de casa. Mas, não. Era com a dureza da rotina dela. Com a eterna pilha de roupas no tanque. Com o calor do fogão no verão escaldante. Era com a responsabilidade de dar de comer a tantas bocas. Era de ansiedade por ter um futuro tão incerto, enfim...

Só que, mesmo brava, impaciente e irritada, ela nunca se cansava.

Até que chegou o dia que as coisas se arranjaram. O vô se firmou num trabalho. O salário dele melhorou e veio o sossego pros dois. A vó se tornou uma pessoa mais calma. Ficou mais bonita. Andava mais elegante. E, de manhã, nunca saía do quarto se não estivesse arrumada. 

Toda maquiada.

A partir dessa época, sobrou tempo até pra ela vender muamba. E, daí, ter seu próprio dinheiro. Foi quando ela comprou o tal do livro preto. Nele, anotava os lucros. As contas dos clientes que parcelavam. Anotava os pilas que os filhos filavam. Virginiana típica, fazia questão de seguir sempre com tudo em ordem. E, desde então,  a gente passou a ver a vó mais sorridente. 

Também, os filhos cresceram. 

A avó junto da família: filhos, netos e agregados. (Foto: Arquivo Pessoal)
A avó junto da família: filhos, netos e agregados. (Foto: Arquivo Pessoal)

Outros netos chegaram. A casa ficou maior, mais confortável. E a vó, por qualquer coisa, ria à toa.  Ria das velhas histórias. Das graças que a gente fazia. Ria das trapalhadas dela. Ria do jeito que falava, com seu português arrastado. Ria das polcas que ouvia. E a gente passou a conhecer esse outro lado da vó.

E mesmo hora que não teve mais o vô, apesar da tristeza, da grande paixão que tinha por seu companheiro, ela deu a volta por cima. Descobriu que podia viajar de excursão e foi conhecer o Brasil.

Comprou carro, imóveis, e se tornou a matriarca que nasceu pra ser.

Às vezes, pensava nela como uma grande árvore. E penso ainda.

Com raízes profundas.  O tronco firme.  Com muitos galhos,

carregados de fruta madura.

Cheios de passarinhos em volta,

faceiros com tanta fartura.

Pra mim, minha avó é como árvore de copa imensa, que dá aquela sombra espraiada. E que sombra gostosa!

"- Advínha quem quê tá falándo?"
"- Advínha quem quê tá falándo?"

Igual à sombra do pé de manga gigante, que tem no fundo do quintal dela. Aliás, esse pé de manga nunca mais vai ser o mesmo. Dali, debaixo dele, que ela sempre ligava pra nós. E, com a voz marota e inconfundível, com aquele sotaque paraguaio, dizia:

- Advínha quem quê tá falándo?

E a gente respondia, rindo:

      -     Oi, vóóó! 

E ela se espantava de ver como a gente adivinhava, reconhecia! Ou fingia surpresa, só pra fazer piada.

Saudades, pra sempre, de mi abuela!

Gracias por toda tu vida.

Uma honra ser uma de suas sementes. Por ti, meu coração será pra sempre só gratidão. Grata por ter tido seus filhos, que são nossos pais. Grata por ser quem você foi.  Quem você é. E quem você sempre será. Que o Amor Divino te abrace com toda a alegria, com toda a generosidade que, a cada reencontro, você abraçava tua gente.

Da tua primeira neta, que nunca vai te esquecer,
Ana Karla.

Para minha amada avó materna, Maria Arrua Loureiro, que partiu hoje, neste último dia de um abril tão triste, no ano de 2020.

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