Enquanto muitos deixam filho fazer tudo, mãe proíbe game sem medo
Mãe dialogou com filho sobre game que estimulava suicídio; E psicóloga alerta sobre os cuidados nesta pandemia
A situação imposta pela pandemia fez o consumo de jogos on-line disparar e o mercado de games só cresce. Com o isolamento social, aulas escolares remotas e a meninada em casa, fica difícil algum pai ou mãe se desvencilhar dos eletrônicos quando o assunto é a diversão dos filhos. A tendência é deixar jogar o que quiser. Entretanto, nem todo mundo pensa assim. Por mais campeão que o filho seja e podendo deixá-lo entretido por longas horas, há quem decidiu ir contra a corrente e proibir alguns jogos.
A psicóloga Simone Cougo explica que a preocupação e olhar atento aos jogos dentro ou fora da pandemia é importante. "Os jogos podem causa dependência e comprometer áreas da vida da criança ou do adolescente", destaca.
A jornalista Dilma Bernardes, de 48 anos, é uma mãe que nunca passou da primeira fase de nenhum jogo do Atari. Tentou jogar Enduro, Frostibite, Pac Man e Space Invaders, não deu. Passava horas vendo seus irmãos ultrapassando carros, invadindo o espaço e pulando blocos de gelo. A interação deles a instigava mais do que segurar o joystick.
Hoje seu controle é outro. Ela tem um filho gamer. Mergulhados dentro de casa, mãe e filho têm um mundo na telinha do celular, computador e vídeo game. E com essa mania de assistir aos jogos Dilma descobriu que seu filho estava quase se tornando um milionário no GTA V (Grand Theft Auto). Chegou a comemorar. Um tiro aqui, outro ali, uma roupa suja de sangue e vários comandos: Roube um carro, roube uma arma, roube dinheiro, roube carga, fuja da polícia.
“Achei que estivesse estimulando a estratégia e criatividade de uma criança de 9 anos. Até que o jogador que era ele mesmo, pula de um prédio e morre intencionalmente. Suicídio. Se quiser, pare de ler e dá uma busca! Não faltam códigos ensinando como fazer e do melhor jeito”, revela a mãe.
O universo gamer sempre fascinou Dilma e por isso ela está ao lado das escolhas do filho, tentando entender, tentando interagir. “É alucinante, instigante o estímulo a imaginação, criatividade, concentração. É um lugar onde a diversidade habita, você pode ser o que quiser. Não há limites”, descreve. Mas, fora dos games, a banalização da vida ou da morte está tão real, tão próxima, que ter isso também no mundo virtual para a jornalista é estimular as duas pontas, tensionar demais o elástico. Por isso, ela resolveu agir.
“Precisei ser clara. Esse jogo não é para você”, conta sobre o momento em que proibiu o filho de continuar o jogo que há tempos ele domina e divide conquistas com amigos virtuais.
A censura do GTA é para maiores de 18, ainda faltam 9 anos para Murilo Bernardes de Amorim chegar a isso. “Quantos suicídios estimulados até lá?”, questiona-se a mãe. Alguns países tiveram a versão 4 do jogo proibidas. Argentina, Austrália e Tailândia são alguns deles.
O jeito foi sentar e conversar com o filho. Dilma foi clara sobre os motivos que levaram à proibição do jogo. “Aqui eu estou no controle. Desde quando ele era pequeno fico cuidando dos conteúdos. Sugiro coisas que vão alegrar, que fuja do que é violento. Esse filtro eu e o pai dele sempre buscamos”.
Além de proibir, Dilma conversou abertamente sobre depressão, suicídio, temas que ainda enfrentam um muro de resistência para serem discutidos. “Falamos sobre o sentido da vida e o quanto é importante pedir ajuda. Não dá pra resolver os problemas da vida pulando de um prédio e não posso deixar um jogo estimular isso. Agora ele é criança, mas ele já entende, por isso, cortei o barato dele”, diz a mãe.
Conversa necessária - A psicóloga Simone Cougo reforça que esse diálogo é essencial. "A restrição é importante porque na grande maioria dos casos, a dependência de jogos eletrônicos é acompanhada de problemas sociais, psicológicos ou psiquiátricos".
Inicialmente se pensava que o uso de jogos era uma forma da pessoa treinar habilidades, mas estudos atuais, conforme a psicóloga, mostram que a violência de jogos eletrônicos pode aumentar a excitação psicológica e diminuir a empatia comportamental pró-social. "Não se fala sobre uma ligação entre jogos violentos e o aumento do comportamento agressivo, e sim, como um fator de risco para a agressividade", destaca.
Apoio do filho - Murilo não nega o apreço pelo jogo, mas afirma, todo sorridente, que compreendeu e apoiou a decisão da mãe. E nem teve receio de explicar aos amigos que dali pra frente jogaria outros games. “Eu estava muito feliz por jogar com meus amigos, mas ela veio e falou essas coisas. Eu compreendo muito isso, então eu falei com meus amigos”, conta.
Hoje ele busca outros jogos de aventuras, lutas, que se encaixam na faixa etária e seguem supervisionados pela mãe.
Dilma sabe que seria mais fácil soltar e deixar Murilo no jogo à vontade, mas na trajetória de mãe escolheu também educar. “Vi ele tristinho, estava se divertindo. Mas qual o meu papel? Eu preciso estimular essa diversão e ela virá”, diz.
Para outras famílias, o que pode parecer difícil, Dilma dá uma dica. “Um aprendizado real é: como se frustrar? Como reagir quando isso acontecer, porque vai acontecer. Aqui, na real tenho visto crianças e jovens que não sabem perder, só querem vencer. Aqui, não dá para ter uma recarga e ou um botão de uma Store e completar com o que precisa e depois pedir mais no cartão. O que precisa é estar atento, próximo e conversar, fazer entender”, pontua.
Curta o Lado B no Facebook. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.