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Comportamento

"Estão mandando a gente para morrer em casa", diz Lígia

Sem teste e com todos os sintomas, Lígia e o filho estão isolados em casa há um mês, cercados pelo coronavírus

Paula Maciulevicius Brasil | 27/04/2020 11:30
Lígia e o filho Júlio, na formatura dela que aconteceu recentemente. (Foto: Arquivo Pessoal)
Lígia e o filho Júlio, na formatura dela que aconteceu recentemente. (Foto: Arquivo Pessoal)

As conversas foram por áudio, e pausadas a todo momento pela falta de ar. As palavras saíam em tom de cansaço, e também de medo. Lígia Maciel de Almeida, tem 42 anos e a preocupação imensa da família daqui de Mato Grosso do Sul quanto ao seu estado de saúde. Bacharel em Direito e mãe, ela é casada e mora há 20 anos em Manaus. É de lá que ela descreve a situação desesperadora que tem vivido.

"Neste momento eu estou melhorando, dizem os relatos que estou na fase final, e que é normal ter recaídas. E tenho tido recaídas muito fortes, uma moleza grande no corpo, de perder as forças totalmente", diz.

Ela e o filho moram juntos, e o marido vem para casa a cada 15 dias devido ao trabalho. Quando o coronavírus chegou a Manaus, a mãe foi até o mercado e comprou tudo o que precisaria para cumprir o isolamento, isso porque o filho, de 8 anos, é asmático.

Foi ele a apresentar os primeiros sintomas, muito espirro, e tosse. De imediato, a mãe entrou com a medicação para asma, e o menino não avançou no que ela acreditava que poderia ser a covid-19.

"Ele foi melhorando e eu comecei com os espirros. É um espirro que vai abrindo o peito da gente, uma dor muito grande. Começava no peito e ia para as costas. Depois começou a arranhar a garganta, e veio a tosse, uma enxaqueca..."

Os sintomas começaram há um mês, depois veio a febre e a mãe tentou se isolar dentro de casa, com medo de passar para o filho. "Foi só piorando, depois comecei a perder o olfato e o paladar...", relata.

Funcionários da funerária transportam o corpo de uma pessoa de um caminhão refrigerado para um veículo funerário durante o surto do coronavírus, no hospital Dr. João Lucio Pereira Machado, em Manaus. (Foto: Bruno Kelly/Reuters)
Funcionários da funerária transportam o corpo de uma pessoa de um caminhão refrigerado para um veículo funerário durante o surto do coronavírus, no hospital Dr. João Lucio Pereira Machado, em Manaus. (Foto: Bruno Kelly/Reuters)

Há duas décadas em Manaus, tudo aquilo que é veiculado nos noticiários, Lígia reforça. "É tudo isso e mais um pouco, entendeu? Só está faltando as pessoas começarem a cair no meio da rua".

No fim de semana passado, o vizinho do lado morreu, de coronavírus.

Ela tentou ao máximo evitar hospital, mas não teve jeito. Levou cerca de 3h para ser atendida da primeira vez. E na fila, todo mundo lado a lado, compartilhando dos mesmos sintomas. Voltou para casa com antibióticos e remédios para problemas respiratórios que estavam e continuam em falta em Manaus. A saída foi esperar chegar por sedex, despachado de Porto Velho, Capital de Rondônia, , onde mora um sobrinho.

Os sintomas pioraram a ponto de ela pensar que estava infartando. O termo "pensar" é porque nos exames realizados, nada foi constatado. "Dessa vez o hospital estava praticamente vazio, só tinha uma senhora lá fora gritando muito, porque tinha acabado de perder o sogro para a covid. Aquilo me assustou muito".

Entre todos os exames feitos em Lígia, faltou o de coronavírus. A resposta, quando questionou o médico, foi desesperadora. "Só estavam fazendo para quem estava no leito de UTI".

Em casa, ela tentou o telefone via aplicativo disponibilizado pelos órgãos de saúde. Conforme foi respondendo, teve um "sim" para o covid-19, e a orientação de aguardar que um médico entraria em contato. Coisa que nunca aconteceu.

"As pessoas estão indo para um hospital público e sofrendo lá na frente. Não deixam nem entrar, falam que não tem atendimento. Está um verdadeiro caos em Manaus. Essa é a pura verdade. Estão mandando a gente para morrer em casa".

Ouça abaixo o podcast gravado com Lígia:




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