Ex-freira, ela pediu licença para morar em cidade que vai salvar a humanidade
Uma das primeiras moradoras da comunidade Zigurats, dona Íria, está prestes a completar 80 anos. A 120 quilômetros de Campo Grande, o lugar, parte do Projeto Portal, em Corguinho, é famoso pelos relatos de aparição de ET's, mas a senhorinha diz que é muito mais que isso.
Nascida no dia da "Guerra dos Farrapos", a referência denuncia que ela é gaúcha, mais especificamente de Santiago. Apaixonada pela educação, dedicou 30 anos a ser "irmã", como ela diz. Foi orientadora educacional, especializada em Jardim de Infância, morou em São Paulo, na Europa e há 7 anos trocou o mundo de fora, justamente para "salvá-lo".
A casa verdinha por fora, de teto branco e paredes rosa por dentro é rodeada de um pomar, no próprio jardim, que somado aos do restante da comunidade, são vários. "O pomar é comunitário, todo mundo pega", comenta Íria Santa Cantelle, de 79 anos.
Quando ela chegou ali, eram quatro casas erguidas. O "título" de primeira ela faz questão de dividir com a vizinha Neusa. "A gente chegou junto, fui a primeira, mas junto com ela", explica a senhorinha. Os cabelos brancos curtinhos, os óculos e o andar devagar, dão a ela a cara de avó, embora sem herdeiros.
Hoje já são mais de 100 casas na cidade ligada ao Projeto Portal, pouco mais de 15 delas ocupadas por famílias que, de fato, moram ali. "Morar é um passo que não é todo mundo que tem coragem não... A dona Íria, por exemplo, não tem carro", pontua a vizinha Vera Pedrosa. "É uma aventura e eu não pensei nisso...", brinca a senhorinha.
A cidade, segundo Íria, se dedica a ser pesquisa e turismo. Os poréns e as explicações do projeto, ela fala que cabe ao coordenador e ponto. "Ele diz que a gente precisa propagar, mas que para falar certinho, é melhor que seja na mesma língua". E nessa a gente senta para ouvir as histórias e a paixão que ela aprendeu a ter pelo lugar.
Freira por 30 anos, quando voltou ao Rio Grande do Sul, encontrou a energia que lhe faltava num programa de televisão, há quase duas décadas.
"Eu achei interessante, me tocou a energia, a simplicidade e não tinha nada a ver com entortar a colher ou falar de ET". Pouco tempo depois, o projeto foi até a cidade de Porto Alegre numa palestra que ela resolveu ir e ficar. "Eu me perguntava, mas o que eu estou fazendo aqui? Eu sou freira?"
Até que ela pediu licença e passou quatro anos indo e vindo, de ônibus, do Rio Grande a Corguinho. Até vir o 'convite' para ela vir morar na cidade. "As pessoas achavam loucura, que eu estava com a cabeça fraca. Mas o clima, a energia, o silêncio, a harmonia daqui, você não pode imaginar", argumenta.
A interação com a comunidade deu a ela uma nova família nos últimos anos, mas ela continua indo para o Sul visitar os parentes. O que espera agora, da próxima viagem, é conseguir trazer um dos 10 irmãos para passar uns tempos em Zigurats.
Sobre viver ali, ela diz que o desafio maior está em ser uma pessoa melhor. E que o que a motivou e ainda é a razão de dormir e acordar em Zigurats é a energia. "É uma coisa boa, que só quem vive entende. Participo das reuniões conscientemente, porque sei do nosso objetivo. Não é por nós e nem para nós, é para o mundo todo, o universo todo", dá o recado.
Pergunto se dona Íria é feliz ali. Ela responde que em toda parte onde viveu, foi. "Mas aqui eu vejo como minha casa e vou longe ainda, se Deus quiser..."