Genitores ruins cristalizaram o pai que não faz mais que a obrigação
Estamos acostumados a normalizar genitores que anulam a paternidade e cristalizar pais que desempenham papel
Chego ao salão às 10h30 depois de meses sem pisar em qualquer ambiente que remeta ao autocuidado. Sento, me acomodo e penso no que vou fazer pelas próximas quatro horas. A moça que me atende logo repara nas falhas gigantescas que tenho no cabelo e eu já antecipo: caíram muitos fios por causa de duas gravidezes seguidas e a amamentação que ainda reina lá em casa. Ela sorri e diz "sei bem como é, tenho uma menina de oito meses".
Papo vai, papo vem e a pergunta que não quer calar (sempre) por fim foi feita, "mas com quem suas crianças estão se você está aqui?". Com o pai, ué! Respondo sem muita paciência. "Nossa que sorte a sua, eu sou sozinha. Não tem pai pra me ajudar".
Paro, penso, engulo seco. Que realidade é essa da mulher brasileira que precisa criar filhos sozinha enquanto os pais que não fazem mais do que a obrigação são "sorte".
A culpa não é dela. Nunca. A culpa é de uma sociedade que cristalizou o pai que é pai, pelo simples fato de existirem centenas de milhares de homens que simplesmente optaram por não terem filhos, mesmo com eles já nascidos. Não consigo conceber o quão difícil deve ser criar um filho sozinha.
Se com um pai presente, um cara que tem noção de que ele colocou crianças no mundo e age como tal, já é difícil, imagina solo, sem ninguém. Conheço uma, duas, três, conheço muitas mulheres que estão nesta situação e aposto que você que me lê agora também conhece.
E a questão é sempre: o que ela fez para o cara ir embora? Sim, a gente tende a questionar a mulher, nunca o homem. Ela escolheu errado! Como não percebeu que ele não prestava? Ah e por que não se preveniu? É sempre assim.
Talvez se toda energia gasta julgando mães sobrecarregadas e enaltecendo pais que só fazem o próprio papel fosse direcionada a cobrar homens que ignoram a existência do próprio filho, algo poderia ser diferente.
Ou vai me dizer que entre seus amigos/familiares/colegas de trabalho não tem um cara que, além de não ser pai, sequer cumpre as obrigações como pagar pensão, por exemplo?
Estamos acostumados a normalizar genitores que anulam a paternidade e cristalizar pais que desempenham papel ao qual se submeteram a partir do momento em que não se preveniram.
Pais básicos são heróis, pais ausentes são assim mesmo, coisa de homem. Enquanto mães estão sempre no mesmo limbo social. Então, sociedade, passou da hora de virar essa página, guardar o pano sempre passado para aquele amigo que não assume o filho "mas é gente boa" e colocar esses caras de merda no lugar que merecem: o esgoto.
Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae
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