Há 57 anos, Nair sonha ver filhos que foram levados pelo marido em 1966
História repleta de violência, angústia e expectativa marcam a trajetória da aposentada
Eu queria ver eles antes de eu morrer, até me arrepia isso. Eu tenho muita esperança de encontrá-los. Não tenho nenhuma foto, agora já apagou um pouco o rosto deles da minha memória, fecho o olho e vejo um vulto, mas não vejo o rosto.
Mesmo com falhas na memória e sem apego a datas, Nair Estanislau Gregório, de 73 anos, não esquece a dor que dilacerou o peito há 57 anos, quando o então marido Paulo Gregório levou os dois filhos, Sandra e Sílvio Gregório. O motivo não foi explicado para a cozinheira. Na época, meados de 1966, não saber nada a respeito do paradeiro dos dois era uma dor incessante. Sentimento esse que permaneceu ao longo dos anos e segue grudado a Nair.
A emoção em tocar no assunto traz à tona as violências sofridas por ela, que recorda as agressões constantes de Paulo. Segundo Nair, Sandra, a filha mais velha, foi levada pelo pai quando tinha quase dois anos, enquanto ela trabalhava como cozinheira em um hotel da Capital.
“Minha história é tão sofrida, tão longa. Deixei ela com a minha mãe. Cheguei um dia e perguntei da Sandra, ela disse que estava brincando no pé de bananeira, mas não estava. Dias depois ele apareceu no meu trabalho com ela, foi a última vez que vi.”
Nesse momento, as palavras embargam e a voz dela ameaça falhar. Nair continua a narrar a segunda dor sentida na vida: perder o filho mais novo, Sílvio. Dessa vez, o avô paterno se ofereceu para levar a criança à farmácia e nunca mais voltou. A aposentada conta que Sílvio estava com muita febre naquela noite. Ela não se lembra do ano, tampouco da data.
“Eu besta já tinha perdido a guria, deixei ele levar, o guri estava ardendo em febre e até hoje não voltaram”. Os filhos tinham quase um ano de diferença. Hoje, Nair sonha em reencontrá-los e tem certeza de que estão vivos.
“Mãe nunca esquece do filho. Eu não esqueço. A gente deita e pensa 'será que não vou mais ver meus filhos, será que vou morrer sem ver?' Sinto falta. Esses dias vi uma reportagem que o nome da pessoa era Sílvio e pensei que talvez seja ele. Fiquei doidinha, meu coração disparou. Coração de mãe não nega, meus filhos estão vivos. O meu nunca errou”. Hoje, os filhos de Nair devem ter quase 50 anos.
Antes - Filha de pais humildes, poceiro e empregada doméstica, Nair se casou cedo. No início, ela conta que Paulo era um homem comum, que se apaixonou por ele e se decepcionou com a agressividade que veio depois.
Eles se conheceram em Campo Grande, casaram em 1965. O casal chegou a morar em Cuiabá, Mato Grosso, mas retornaram a Campo Grande após Nair contar para a irmã sobre as violências sofridas.
“Ele era um homem muito mau pra mim, me batia, queria me furar de faca, sofria muito na mão dele. Quando chegamos aqui, na 14 de Julho, ele queria me bater no meio da rua, falei que aqui não era Cuiabá. Minhã mãe chamou a polícia pra ele, foi preso, depois saiu da cadeia e foi quando pegou as crianças.”
Procura - A mãe chegou a procurar os filhos, foi até veículos de comunicação em anos anteriores, mas nunca conseguiu uma resposta. Dessa vez, foi a neta, Gabriela Estanislau dos Santos, de 23 anos, que encorajou a avó. Cansada de vê-la lamentar sobre a perda dos filhos e sofrer por não saber o paradeiro, que Gabriela procurou o Lado B.
“Como pode uma mulher tão forte sofrer assim? Eu não sei de onde ela tira forças. Sou mãe e não imagino uma dor dessas. Muitas vezes pergunto como ela consegue ser feliz mesmo depois disso.”
De acordo com Nair, Paulo não quis que os filhos levassem o sobrenome dela, tampouco registrou as crianças no cartório. Esse é um dos medos dela, de o ex-marido ter alterado o nome das crianças. Dificultando a localização.
“Não é fácil, não sei o que o Paulo falou pra eles, se mentiu que eu não queria eles, não sei se ele deixou eles revoltados contra mim.”
Sem saber ler ou escrever, a aposentada pede ajuda da neta para tentar encontrar algum vestígio nas redes sociais. Mas como Nair não tem fotos de Paulo ou das crianças, o reconhecimento fica mais complicado.
Outro filho - Após anos sozinha, Nair encontra o amor e juntos tem uma menina. Hoje ela tem duas netas e dois bisnetos e uma relação saudável com o agora ex-marido.
“Demorei ter outros filhos, nem lembro na minha cabeça a data. O sofrimento era demais. Casei depois de muito tempo. Fiquei sozinha. Aí conheci esse, aí juntei e não deu certo, mas nós dois não temos problema. Hoje posso falar que sou feliz, meu segundo marido nunca me maltratou, era bom pra mim.”
Apesar da angústia, ela tem fé que encontrará os filhos antes de morrer. Ela sorri pra mim e limpa os olhos.
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