Ideia parecia maluca, mas com caronas e brigadeiros Aline já chegou ao mar
"Era uma vez uma garota que tinha o desejo de conhecer o mundo, então resolveu começar pelo Brasil, seu quintal!
Se não hoje, quando? Meu nome é Aline, sul-mato-grossense, nasci no município de Jardim, interior do Mato Grosso do Sul. Tenho 24 anos, de sonho, sangue, América do Sul. Jornalista por formação e poeta por teimosia, rotaractiana com orgulho e com o coração cheio de vontade de colecionar histórias por aí!"
É difícil apresentar quem a gente conhece bem, ou aquela que a gente conhecia, porque a Aline Araújo que escreve as palavras acima saiu uma e deve voltar, se voltar, outra. No dia 17 de setembro de 2015, às 7h da manhã, uma amiga a deixou cedo na estrada para a menina cair nela. De botinhas nos pés, mochila nas costas e provavelmente algum lenço nos cabelos, Aline decidiu viver assim. Até quando? Talvez para sempre.
Ela sonhava em fazer mochilão, qualquer que fosse a conversa sobre viagens, planos futuros e até mesmo as economias, eram voltadas para isso. Não sabia se, de fato, era realmente possível viajar com pouca grana, mas mergulhou nos livros e nas histórias das pessoas que já tinham vivido isso. O que seria uma curta viagem de férias, teve o roteiro todo mudado quando Aline deixou o emprego. Repórter do Lado B por 1 ano, ela viu que nada mais a prendia aqui. E a gente adora isso!
Os compromissos com o Rotaract, uma de suas grandes paixões, foi acertado para que ela pudesse cair no mundo como queria. "Foram 15 dias para planejar a viagem, a ideia era fazer a maior parte de trajeto de carona e economizar ao máximo com hospedagem, por meio do couchsurfing e sofá amigo, grupos de hospedagem solidária. Quando eu planejei a viagem, ainda não sabia que, na verdade, quando se viaja de mochila nas costas e coração aberto, a estrada é que te leva, ela escolhe onde você vai parar", ensina.
Com 24h de estrada, Aline explica que você aprende duas lições do mochileiro de primeira viagem que vão te acompanhar pela vida: nada por aqui é ao acaso e isso fica evidente. Cada pessoa que você conhece tem um porque de estar em seu caminho, para te ensinar e também aprender algo com você. Cada encontro é sempre uma troca.
"Parece papo da maluco, mas não é. Siga a sua intuição, o seu coração vai te indicar qual a melhor decisão, você agradecer por escutar ele". A regra é válida também para não se meter em cilada. Por enquanto, nos 50 dias de estrada, Aline não se meteu em nenhuma. A não ser os extravios e estragos com o celular. A bichinha nunca teve sorte com aparelhos eletrônicos.
De carona, ela procurou seguir à risca as instruções: para passar confiança é preciso ter a aparência de viajante, se posicionar em pontos que permitam o veículo encostar e não seja lugar de alta velocidade. Vale perto de curvas, ou postos de gasolina, por exemplo. "Não demorou muito e eu peguei minha primeira carona, com um mineiro, o Agnaldo e fui com ele até Nova Andradina".
Aline já tinha viajado de carona pelo Estado, mas fora dele é a primeira vez. "Por mais que eu tenha lido e estudado, ainda tinha um receio, mas agradeço muito as pessoas que aparecem no meu caminho, são incríveis e você percebe que aquela conversa fez muito bem a você e a elas também".
Com R$ 3,5 mil reais na conta, Aline tinha traçado um roteiro, mas seguiu o coração e se desviou completamente dele. Ora por necessidade (para visitar os pais por exemplo), ora por querer. "Meu roteiro era um e virou outro, tanto é que estou no Rio de Janeiro, onde nem tinha pensado em passar".
Como um diário, Aline registra o que vive no "Prosa, verso e pé na estrada", página do Facebook e perfil criado no Instagram. O trajeto é baseado em um princípio que demonstra que Aline é viajante e não turista: "Eu quis escolher pelas experiências que queria viver e não os lugares que queria conhecer", explica.
Um exemplo? A ida para São Paulo, capital, foi para ver um show da banda favorita, "Selvagens a procura de lei". Para Minas Gerais, ela caiu na estrada com o objetivo de conhecer trilhas e cachoeiras, o Rio de Janeiro coroou com o mar.
Roteiro - Campo Grande - Nova Andradina - Presidente Prudente - São Paulo - Itapeva. A primeira cidade de Minas Gerais foi onde ela diz ter visto a vida mudar completamente. "Vivi numa comunidade tântrica, ia ficar uma semana, fiquei 15 dias. Experiência única, não tenho palavras para dizer. Encontrei espiritualidade, uma coisa que me fez muito bem e amigos que vou levar para a minha vida".
De lá seguiu para Três Corações e São Thomé das Letras, cidadezinha construída em cima de uma pedra. Os turistas são atraídos pelo ar místico. Aline foi pela curiosidade, muita gente dizia o quanto era belo o lugar. Lá também aconteceram coisas incríveis. Três dias pareceram uma semana, pela intensidade do que viveu. Ficou num hostel, cozinhou para a galera, ganhou uma diária no lugar. Era para ir embora num dia, ficou mais.
A rota ganhou ainda Belo Horizonte, Juiz de Fora, Ibitipóca, cachoeiras em Casa Branca - uma das mais lindas e difíceis trilhas, Igarapé, Betim, Brumadinho e o vilarejo "Lapinha da Serra". "Onde me encantei. Foi um encontro muito incrível e eu tive a certeza de que estava lá para isso".
Aline decidiu incluir o Rio de Janeiro no roteiro depois de ver a foto de uma amiga em Arraial do Cabo. "Aí pensei: quero conhecer o mar nesse lugar. Eu tentei fugir do roteiro tradicional". Para o Rio, seguiu de carona, dormiu em Xerém, na casa do motorista, fez amizade com a esposa e os filhos e até participou do aniversário de uma das crianças.
Com receio de ir para o centro do Rio, intercalou ônibus e baldeações até chegar onde queria: São Pedro. Lá que embarcou para Arraial, para conhecer o mar. "Eu já tinha visto quando era criança, mas não me lembrava porque era muito pequena. Nunca tinha tomado banho de mar, queria sentir, ver como era". Já do ônibus ela viu, ao descer, sentiu, piso, pôs os pés, as mãos e a alma. "Foi muito lindo, não tenho palavras para explicar".
Brigadeiros e beijinhos - Para ajudar nas finanças, ela escolhe onde é fácil fazer e vender docinhos. Produz beijinhos e brigadeiros e sai oferecendo nos comércios. Na mochila, além das poucas peças de roupa, há uma panela antiaderente e uma espátula. "Viajar a baixo custo é fazer escolhas: se quer fazer um passeio mais caro, tem que abrir mão de alguma coisa", ensina.
A viagem dela é econômica. A base de carona, de sofá amigo. Da hospegagem solidária, uma rede entre mochileiros que abrem e se abrigam na casa dos outros. "A diferença é que eu não estou fazendo uma viagem turística de férias. Eu estou vivendo na estrada, então meu orçamento tem que cobrir como se eu estivesse vivendo numa casa", compara.
A aventura não tem uma data final, primeiro porque não é encarada dessa forma. "Não tenho ela como se fosse viagem e sim como se fosse a minha vida". Ser mochileira é uma escolha que trouxe a ela várias revelações. Primeira de que se precisa de muito pouco para viver. E aquilo que é necessário, ela carrega sobre os ombros.
"Eu sei que eu vou precisar arrumar emprego, preciso de previdência, estou reorganizando a minha vida agora", esclarece a quem se atrever a chamá-la de maluca. Sim, pelo visto Aline tem ouvido isso (até de mim). Ela admite que escolheu uma vida que foge do tradicional e por isso surgem os dedos apontados. "Vão falar que você está maluca, apesar de eu não estar fazendo nada de mal com ninguém. Mas na viagem você aprende a lidar com ego e disso de não se preocupar com o que os outros vão pensar. Você começa a escolher com quais 'outros' você vai se importar".
Na mochila ela também carrega o que aprendeu na estrada: humildade e a reconhecer que precisa de ajuda porque sozinho ninguém consegue fazer nada e nem chegar a lugar algum.
Aline deve voltar em janeiro. Para a formatura da irmã, mas não para ficar. "A partir de janeiro vida não é a mais mesma assim como eu também não sou mais a mesma".
Ela ganhou estrada depois de uma demissão e fez disso uma aventura. "Se eu não tivesse sido demitida, não ia viajar agora. Curtia trabalhar aí, mas o lado bom é isso. Eu transformei algo ruim em algo que eu sonhava". Nossa entrevista foi por áudios de WhatsApp. Aline está em São Pedro da Aldeia, de lá deve seguir para o Espírito Santo. Ah, sim, ela pediu para acrescentar que amou conhecer o mar, mas não troca a cachoeira por ele. "Acho que sou criatura de água doce", brinca.