Jovem pede para sair “fantasiado” de amiga negra e leva chacoalhada no Facebook
A proximidade exposta nas redes sociais fica em frangalhos num pestanejar. É só um pisar no calo do outro para a distância surgir claramente. Neste Carnaval, a professora Angela Batista descobriu isso ao ser chamada no Facebook por um amigo com a pergunta: “Você ficaria brava, ofendida seila (sic) se eu usasse uma fantasia de Angela?”
Poderia ser uma gracinha entre amigos, caso Angela não fosse negra, convicta de que há sim muito racismo no Brasil e militante determinada contra a discriminação. Por motivos óbvios, a professora ficou uma fera e também surpresa com o questionamento “sem noção” vindo de uma pessoa que vê as postagens engajadas feitas por ela quase que diariamente.
Para piorar, o dito cujo ainda detalhou como seria a tal fantasia, com direito a “uma peruca black, uma saia, um brinco de feltro, uma camisa de rock, uma tatoo de coruja”, retrato caricato que serve como chacota, na avaliação de Angela.
Imediatamente, ela deu uma chacoalhada pública no amigo. “A minha cor não é fantasia pro teu Carnaval. O meu cabelo e traços não são fantasias pro teu Carnaval. Minha tatuagem não é fantasia pro teu Carnaval. Eu poderia muito bem ir ao Carnaval de 'Branca Maluca', mas sabe? Sou superior a isso e não preciso ofender nenhuma classe, raça ou gênero para me divertir na avenida”, postou.
Em um textão, ela mostrou o peso de declarações e “brincadeiras” aparentemente inocentes para uma pessoa envolvida nos debates sobre as distinções estabelecidas por causa da cor da pele.
Ela lembra das criticas por levar tudo a ferro e fogo, mas nega essa postura apontada como desnecessária por muita gente. “Vejo direto no meu feed conhecidos dizendo ‘gente, para de problematizar tudo’. Mas amigo, vamos fazer um exercício simples que se chama colocar-se no lugar do próximo. Se o amigo negro está expondo uma ideia/argumento se coloque no lugar dele. Se a Angela está escrevendo esse textão sobre blackface, antes de dizer ou pensar que ela está sendo dramática, se coloque no lugar dela. Aposto que neste exercício rápido você irá aprender que se fantasiar de negro ou índio é uma ofensa pra quem sofre racismo cotidianamente”, argumenta.
“Blackface” é a pratica de pintar o rosto com tinta preta e imitar de maneira tosca os traços dos negros, usada nos primórdios do cinema e também no teatro. Faz parte da história do racismo no mundo. Atores brancos se apresentavam com os rostos pintados para a aristocracia, classe obrigada a engolir o fim da escravidão, tudo para satirizar a população negra. Em outros casos, era uma tática para evitar que atores negros subissem ao palco.
No Carnaval brasileiro, a principal ofensa do tipo é a “Nega Maluca”, a boneca usada nas ruas como personagem para fazer graça.
Recentemente, alguns casos ganharam repercussão após famosos transformem o blackface em um tiro no pé. Michel Teló, por exemplo, em julho de 2015 pintou metade do rosto com tinta preta para protestar contra o racismo e acabou avacalhado. Este ano teve a polêmica diante de utensílio usado para lavar a louça, com esponja em formado de black power, no BBB 16. Em 2013, outro caso famoso foi do estilista Ronaldo Fraga que apresentou a coleção no São Paulo Fashion Week usando palha de aço no lugar do cabelo das modelos.
Para não ofender ninguém neste Carnaval, o recado de Angela é pertinente. Blackface não é homenagem, é racismo.
“Se você quer ser Angela, Carolina, Vanessa, Patrícia, ou seja, se você quer ser uma mana preta ou um mano preto, então abrace a minha luta. Abrace o racismo que vivemos cada dia. Embrulhe seu estômago com os comentários machistas que ouvimos toda vez que passamos na rua. Vomite e se deprima com as desigualdades sociais que enfrentamos”, diz a professora.