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Comportamento

Lei chegou para mostrar em bares e restaurantes que ‘Não é Não’

Protocolo torna obrigatório que estabelecimentos ajudem mulheres em casos de violência ou constrangimento

Por Jéssica Fernandes | 30/12/2023 07:10
Protocolo 'Não é Não' cria dinâmica para ajudar mulheres em bares e casas noturnas. (Foto: Juliano Almeida)
Protocolo 'Não é Não' cria dinâmica para ajudar mulheres em bares e casas noturnas. (Foto: Juliano Almeida)

As mulheres que frequentam bares, restaurantes, shows, baladas e casas noturnas agora têm uma nova garantia de proteção em casos de assédio. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou na sexta-feira (29) a Lei 14.786, que cria o protocolo ‘Não é Não’ para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher.

A nova lei entra em vigor em 180 dias a partir da data da publicação no DOU (Diário Oficial da União) sendo obrigatório que os estabelecimentos adotem as medidas do ‘Não é Não’ até o fim de junho de 2024.

Em Campo Grande, o Lado B conversou com dois bares que por iniciativa própria adotam medidas para prevenir, combater o assédio e proteger as mulheres no espaço. Além disso, a reportagem também traz o posicionamento da Abrasel/ MS (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Mato Grosso do Sul) sobre o protocolo ‘Não é Não’.

No Centro, bar criou procolo com 'Anjo do Ponto' para ajudar mulheres. (Foto: Arquivo pessoal)
No Centro, bar criou procolo com 'Anjo do Ponto' para ajudar mulheres. (Foto: Arquivo pessoal)

No Centro da Capital, o Ponto Bar tem um informativo que fica dentro do banheiro feminino. O cartaz, que fica na parte interna do banheiro, traz a seguinte frase: "Por acaso você está em um encontro que não está se sentindo bem? Não está se sentindo segura? Procure um dos nossos caixas ou bartenders e peça o drink Anjo do Ponto".

A placa em questão foi idealizada pelo sócio-proprietário do espaço, Thallyson Perez, que em São Paulo viu um bar aplicar medida semelhante. Além do informativo, a equipe do estabelecimento foi treinada para saber como agir em casos em que as mulheres estão sendo constrangidas, sofrendo violência verbal ou física.

Thallyson explica como a equipe é treinada para agir e como a medida funciona na prática. “Quando ela pede no caixa o drink, o pessoal tira o pedido dela, emite uma ficha e entrega para ela. Enquanto isso, que é bem rápido, a menina do caixa vai até o segurança, passa a informação e o segurança começa a acompanhá-la”, diz.

Além de deixar o segurança à disposição, o bar também tenta encontrar diferentes formas de prestar auxílio, sendo todas com descrição e conforme a mulher se sentir à vontade.

“Os bartenders tentam entender o que está acontecendo, as meninas do caixa. No caixa a gente disponibiliza um bloco de anotação também se ela quiser escrever ou a gente tenta perguntar de uma forma delicada qual é o tipo de ajuda que ela precisa, se é para pedir um Uber, se é para chamar a polícia. A gente tenta conversar de alguma forma, dialogar ali”, afirma.

Até hoje, conforme Thallyson, nenhuma mulher recorreu ao ‘Anjo do Ponto’ e nenhum caso de assédio foi registrado no local. Ainda assim, o sócio-proprietário defende que tanto o informativo quanto a lei do ‘Não é Não’ são essenciais para garantir a segurança do público feminino.

Na Euclides da Cunha, bar fixou cartazer com número da Polícia Militar. (Foto: Juliano Almeida)
Na Euclides da Cunha, bar fixou cartazer com número da Polícia Militar. (Foto: Juliano Almeida)

“Eu acho que o importante é a conscientização para mostrar às mulheres que existem sim lugares seguros e que elas têm o direito de ir e vir sem ninguém ficar enchendo saco. O mais legal mesmo é destacar essa lei, mostrar e também a conscientização de outros estabelecimentos adotarem essas medidas porque daí todo lugar que as mulheres forem, elas têm paz pra curtir, fazer o que for preciso”, ressalta.

Na Rua Euclides da Cunha, o Parrock Rock'n Parrilla também optou por cartazes e treinamento de equipe para preservar a integridade da mulher. A sócia-proprietária, Keila Prado, explica que observar o comportamento dos clientes é uma das principais formas de prezar pela segurança das mulheres.

“A gente sempre fica observando, conversa com a equipe para ficar atenta a qualquer fato, movimento estranho. [...] Se precisar a gente sempre fala para passar a informação para a gente. Geralmente sou eu que vou e dou aquele toque no indivíduo que está incomodando alguém. Já aconteceu da gente conversar”, afirma.

Keila mostra um dos cartazes que estão espalhados no bar. (Foto: Juliano Almeida)
Keila mostra um dos cartazes que estão espalhados no bar. (Foto: Juliano Almeida)

Além de observar e fazer a abordagem quando necessário, ela enfatiza que deixar os cartazes à mostra é uma forma de evidenciar as mulheres que, caso seja necessário, o bar irá prestar socorro.

“Nossos cartazes deixamos fixos e é para as clientes verem que a gente apoia e que tem essa liberdade de estar conversando. Já teve caso de cliente comentar sobre isso, falar: ‘Olha que legal’. No cartaz fica visível o número se precisar de socorro. As pessoas têm que ter essa liberdade de ir e vir”, comenta.

Além de se adequar ao protocolo ‘Não é Não’ e aderir às medidas previstas na lei, Keila pontua que o estabelecimento está aberto a adotar e divulgar informações que podem auxiliar as clientes. “A gente sempre está de olho no que podemos fazer para divulgar e fomentar a proteção às mulheres. Ficamos super felizes com essa aprovação porque é importante para as mulheres”, declara.

Sobre a nova lei, a auxiliar de veterinário Veridiana de Almeida Guimarães, de 31 anos, explica que já sofreu com assédio e vê avanços. "A lei dá a sensação de mais segurança, mas você também precisa saber com quem está andando para saber se a pessoa vai te ajudar ou não porque tem gente que não defende", relatou.

"Eu estava dançando com amigas minhas, chegou um rapaz querendo me agarrar. Minhas amigas tentaram afastar ele de mim e, nisso, o local tomou providência e tirou ele da balada. Mesmo assim, ele ficou me esperando do lado de fora e tentou me agarrar a força", explica sobre um dos episódios em que foi vítima

O que diz a Lei 14.786 - O protocolo ‘Não é Não’ detalha alguns dos direitos que as mulheres têm e os deveres que os estabelecimentos devem seguir. A nova legislação considera como tipos de agressão:

  • Constrangimento: qualquer insistência, física ou verbal, sofrida pela mulher depois de manifestada a sua discordância com a interação.
  • Violência: uso da força que tenha como resultado lesão, morte ou dano, entre outros, conforme legislação penal em vigor.

Entre os principais direitos que mulher tem, estão: ser prontamente protegida pela equipe do estabelecimento a fim de que possa relatar o constrangimento ou a violência sofridos, ser imediatamente afastada do agressor, ser acompanhada até o seu transporte caso decida deixar o local e ter as providências previstas na lei cumpridas com celeridade.

Alguns dos deveres que os espaços precisarão aderir até junho de 2024 são: assegurar que na equipe tenha pelo menos uma pessoa qualificada para atender ao protocolo “Não é Não”; manter em locais visíveis, informação sobre a forma de acionar o protocolo “Não é Não” e os números de telefone de contato da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher, certificar com a vítima a necessidade de assistência.

Caso haja indícios de violência é obrigatório que o espaço colabore para a identificação das possíveis testemunhas do fato, solicite o comparecimento da Polícia Militar, isolar o local onde existam vestígios da violência até a chegada da Polícia Militar e garantir acesso às imagens caso tenham câmeras de segurança instaladas no ambiente.

Vale destacar que a lei não se aplica a cultos ou eventos de cunho religioso e que o protocolo também institui o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”, que será concedido pelo poder público aos estabelecimentos. Além disso, o poder público manterá e divulgará a lista “Local Seguro Para Mulheres” com as empresas que possuírem o selo.

Abrasel MS - Em nota, a Abrasel informa que vê como positiva a lei sancionada, mas que o esforço para combater a violência de gênero deve ser coletiva, não ficando restrita somente ao setor de bares e restaurantes já que essa forma de violência pode ocorrer em diversos lugares.

"O protocolo é positivo porque nos coloca enquanto sociedade na posição de trabalhar o enfrentamento a esse problema e, evidentemente, punir os que cometerem abusos. Devemos fortalecer uma resposta coletiva para evitar que esse tipo de situação continue a acontecer em qualquer ambiente", afirma o presidente-executivo da Abrasel, Paulo Solmucci.

Outro ponto defendido pela instituição é que o poder público conceda assistência para os locais aplicarem a lei de forma eficaz. “A entidade defende que é importante que o Poder Público forneça ferramentas e metodologias para treinamento dos funcionários, de forma que consigam agir de maneira adequada diante de uma situação de constrangimento ou violência sexual”, diz trecho da nota.

Agora, a Abrasel MS irá analisar os detalhes da nova lei para informar o setor das providências práticas a serem tomadas. "A lei entrará em vigor em 180 dias, até lá buscaremos todas as informações para que bares e restaurantes se adéquem", afirma o  presidente João Francisco Denardi.

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