Liderada por pastor gay, igreja prega inclusão e aceita qualquer pessoa
Sem ver orientação sexual como pecado, igreja é frequentada por héteros e gays que querem louvar a Deus
“Igreja para todas as pessoas. Aqui você é livre para adorar”, diz a frase escrita no pequeno salão onde 27 pessoas de diferentes idades, orientações sexuais e etnias se reúnem semanalmente. O ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’ é uma igreja cristã que inclui héteros, gays, lésbicas, bissexuais, trans e qualquer outra pessoa que queira participar dos cultos e estudos bíblicos.
Ricardo Souza Vitoriano, de 31 anos, é quem está à frente do ministério. Pastor e gay, ele começou os cultos na varanda da casa da família na época da pandemia. Criado na vertente evangélica, ele passou por diversas igrejas e viveu o conflito de achar que a orientação sexual era um ‘pecado’ a ponto de o levar para o inferno.
A trajetória do pastor com o ministério inclusivo começou após o ‘chamado’ que o tirou da igreja onde congregava. Ricardo se aceitou e entendeu que a fé e a religião, diferente do que pregavam, não o condenavam por ser gay.
Antes de ter essa compreensão, o professor fala que tentou lutar contra a própria orientação sexual e que as coisas só mudaram após receber o chamado divino. “Sempre lutei contra, fiz campanha da libertação, da cura e tudo que você imagina. Um dia eu desisti, falei: ‘Não quero mais saber de igreja, não quero ter esse envolvimento’. Aí Deus falou comigo: ‘Ricardo, te escolhi pra fazer a minha obra’. Me lembra a passagem de Moisés quando ele escuta a voz do senhor e eu escutei”, diz.
Ricardo saiu da igreja e em casa começou a fazer as células, que são caracterizadas pelo encontro de grupos pequenos de pessoas dispostas a compartilhar e ouvir a palavra de Deus. Ele relata que no começo essas reuniões se limitavam a família, mas depois outros vieram.
“Eu vivia muito isso na pele de ver o público LGBTQIA+ nas igrejas tradicionais sendo mortas na fé. Comecei esse culto na minha casa como uma célula. Primeiramente convidei minha família, depois fiz o Instagram convidando outras pessoas até que se tornaram 50 pessoas na varanda”, conta.
Com o aumento de participantes nas células, o local do encontro precisou ser mudado. Há 1 mês, os cultos e estudos da bíblia são realizados numa galeria localizada na Rui Barbosa. É nesse espaço que o pastor afirma acolher pessoas que compartilham da mesma visão de inclusão.
“Hoje temos na igreja inclusiva famílias héteros, homossexuais, trans. A ideia da inclusão é todo mundo compartilhar e viver o amor de Cristo de forma igualitária. É uma igreja para todas as pessoas”, destaca.
Ao contrário do que pregam alguns pastores, o ministério inclusivo não compactua com a premissa que gostar de alguém do mesmo sexo é pecado. Na visão do pastor, a orientação sexual é algo que faz parte da natureza de cada pessoa. “As pessoas veem hoje o gay como um possuído pelo demônio, como se precisasse de libertação. O gay hoje visita outras igrejas, vive em constante mudança buscando essa libertação que na verdade não vai existir. A essência do ser humano não muda”, diz.
Sobre a teologia inclusiva, Ricardo explica que é algo que começou nos Estados Unidos. Na epóca, a inclusão era voltada para agregar pessoas negras em cultos predominados por brancos. O que começou com um recorte racial cresceu e abraçou, por exemplo, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e até divorciados.
“A teologia inclusiva vem pra ver esse outro lado da história. A teologia inclusiva nasceu nos Estados Unidos em 1968 e chegou ao Brasil nos ano de 1990. Então, grupos que eram socialmente afastados na teologia inclusiva vem pra adoração. A ideia aqui é sim para o público LGBTQIA+, mas para aqueles que no padrão heteronormativo não se enquadram dentro de uma igreja”, esclarece.
A mãe de Ricardo pertencia a outra igreja, mas decidiu mudar para apoiar o filho e também por concordar com a teologia inclusiva. Márcia Souza Vitoriano, de 59 anos, é uma mulher heterossexual, porém sofreu com o preconceito direcionado ao filho gay.
Esse preconceito, segundo ela, foi um dos motivos que a fizeram mudar e participar do ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’. “No dia de pregação eles falavam e aquilo me doía e eu não podia falar nada. Quando ele decidiu abrir a igreja dele resolvi apoiar, porque é uma vida, um ser humano, meu filho e eu amo. É um pastor muito abençoado. Eu falo que tenho 27 filhos adotivos aqui”, comenta.
Jairo Melo, de 28 anos, também cresceu na igreja e usava o dom que tem na música para adorar. Cantor e missionário, ele era convidado para louvar e participar de diversos cultos em diferentes igrejas. Os convites chegaram ao fim após Jairo se assumir como homem gay.
O cantor fala sobre a vivência de ser uma pessoa gay no ambiente que não aceita isso e vê a orientação sexual como problemática, um pecado. “Na nossa intimidade Deus nos conhece na intimidade, sempre orava por libertação e foram 20 anos pedindo a mesma coisa e Deus não fez. Eu chegava nos lugares e Deus fazia e falava. A sexualidade para Deus não é importante, ele já sabia de todas as coisas, então porquê ele permitiu que eu nascesse assim?”, declara.
Ele destaca que se não tivesse se assumido e aceitado a visão da igreja teria que viver uma mentira. “O que mais dói é que as pessoas têm direito de construir suas famílias e nós não poderíamos. Se eu fosse ficar na igreja tradicional teria que morrer solteiro ou enganar uma mulher”, fala.
O ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’ conta com 27 membros fixos. O grupo é diverso e formados por solteiros, casais homoafetivos e heteronormativos. O Lado B acompanhou o encontro de quarta-feira onde o grupo se reúne para o estudo bíblico. A noite começou com uma oração e foi seguida pela leitura da Bíblia.
Sentados em círculo, eles se revezaram para ler o livro de João capítulo nove dos versículos 1 ao 41, que falam sobre 'A cura de um cego de nascença'. Para quem vê de fora e até mesmo já frequentou uma igreja, a cena não é diferente de outros estudos da Bíblia. O que diferencia é ver casais, homens e mulheres que decidiram adorar a Deus sem se sentirem culpados ou pecadores por serem quem são desde que nasceram.
O objetivo de Ricardo é encontrar mais pessoas e trazê-las para o ministério inclusivo. “A gente pretende alcançar mais vidas, quero tirar mais pessoas dessa condenação que elas vivem hoje. O inferno é o que a gente vive na nossa vida, tribulações, mas não a nossa essência. Estão tirando os direitos das pessoas de adorarem a Deus”, pontua.
O ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’ está localizado na Rua Rui Barbosa, 900, galeria 1. Os encontros ocorrem quarta-feira, às 18h30 no Culto de ensino e domingo, às 19h, no Culto da família.
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