Liderada por pastor gay, igreja prega inclusão e aceita qualquer pessoa
Sem ver orientação sexual como pecado, igreja é frequentada por héteros e gays que querem louvar a Deus
“Igreja para todas as pessoas. Aqui você é livre para adorar”, diz a frase escrita no pequeno salão onde 27 pessoas de diferentes idades, orientações sexuais e etnias se reúnem semanalmente. O ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’ é uma igreja cristã que inclui héteros, gays, lésbicas, bissexuais, trans e qualquer outra pessoa que queira participar dos cultos e estudos bíblicos.
Um homem de 31 anos está à frente do ministério. Pastor e gay, ele começou os cultos na varanda da casa da família durante a pandemia. Criado na vertente evangélica, passou por diversas igrejas e viveu o conflito de achar que sua orientação sexual era um ‘pecado’, a ponto de acreditar que isso o levaria para o inferno.
A trajetória do pastor com o ministério inclusivo começou após o ‘chamado’ que o tirou da igreja onde congregava. Ele se aceitou e entendeu que a fé e a religião, diferentemente do que pregavam, não o condenavam por ser gay.
Antes de ter essa compreensão, o pastor conta que tentou lutar contra a própria orientação sexual e que as coisas só mudaram após receber o chamado divino. “Sempre lutei contra, fiz campanha da libertação, da cura e tudo que você imagina. Um dia, desisti e falei: ‘Não quero mais saber de igreja, não quero ter esse envolvimento’. Aí Deus falou comigo: ‘Te escolhi pra fazer a minha obra’. Me lembra a passagem de Moisés, quando ele escuta a voz do Senhor, e eu escutei”, diz.
Ele saiu da igreja e começou a realizar as células em casa, que são encontros de pequenos grupos de pessoas dispostas a compartilhar e ouvir a palavra de Deus. No início, essas reuniões se limitavam à família, mas, com o tempo, outras pessoas passaram a participar.
“Eu vivia muito isso na pele, de ver o público LGBTQIA+ sendo morto na fé dentro das igrejas tradicionais. Comecei esse culto na minha casa como uma célula. Primeiramente, convidei minha família, depois fiz um Instagram convidando outras pessoas, até que se tornaram 50 pessoas na varanda”, conta.
Com o aumento de participantes nas células, o local do encontro precisou ser mudado. Há um mês, os cultos e estudos bíblicos passaram a ser realizados em uma galeria localizada na Rua Rui Barbosa. É nesse espaço que o pastor afirma acolher pessoas que compartilham da mesma visão de inclusão.
“Hoje temos na igreja inclusiva famílias heterossexuais, homossexuais, pessoas trans. A ideia da inclusão é todo mundo compartilhar e viver o amor de Cristo de forma igualitária. É uma igreja para todas as pessoas”, destaca.
Ao contrário do que pregam alguns pastores, o ministério inclusivo não compactua com a premissa de que gostar de alguém do mesmo sexo é pecado. Na visão do pastor, a orientação sexual é algo que faz parte da natureza de cada pessoa. “As pessoas veem hoje o gay como um possuído pelo demônio, como se precisasse de libertação. O gay visita outras igrejas e vive em constante mudança, buscando essa libertação que, na verdade, não vai existir. A essência do ser humano não muda”, afirma.
Sobre a teologia inclusiva, o pastor explica que o movimento começou nos Estados Unidos. Na época, a inclusão era voltada para agregar pessoas negras em cultos predominantemente brancos. O que começou com um recorte racial cresceu e passou a abraçar, por exemplo, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e até divorciados.
“A teologia inclusiva vem para mostrar esse outro lado da história. Ela surgiu nos Estados Unidos em 1968 e chegou ao Brasil nos anos 1990. Então, grupos que eram socialmente afastados passaram a ser incluídos na adoração. A ideia aqui é, sim, para o público LGBTQIA+, mas também para aqueles que, dentro do padrão heteronormativo, não se enquadram nas igrejas tradicionais”, esclarece.
A mãe do pastor pertencia a outra igreja, mas decidiu mudar para apoiar o filho e também por concordar com a teologia inclusiva. Aos 59 anos, ela é uma mulher heterossexual, mas sofreu com o preconceito direcionado ao filho gay.
Esse preconceito, segundo ela, foi um dos motivos que a fizeram mudar e participar do ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’. “No dia da pregação, eles falavam e aquilo me doía, e eu não podia falar nada. Quando ele decidiu abrir a igreja dele, resolvi apoiar, porque é uma vida, um ser humano, meu filho, e eu o amo. Ele é um pastor muito abençoado. Eu falo que tenho 27 filhos adotivos aqui”, comenta.
Jairo Melo, de 28 anos, também cresceu na igreja e usava seu dom na música para adorar. Cantor e missionário, ele era convidado para louvar e participar de diversos cultos em diferentes igrejas. Os convites chegaram ao fim após Jairo se assumir como homem gay.
O cantor fala sobre a experiência de ser uma pessoa gay em um ambiente que não aceita essa condição e vê a orientação sexual como um problema, um pecado. “Na nossa intimidade, Deus nos conhece. Eu sempre orava por libertação, e foram 20 anos pedindo a mesma coisa, mas Deus não fez. Eu chegava nos lugares e Deus fazia e falava. A sexualidade, para Deus, não é importante, ele já sabia de todas as coisas. Então, por que ele permitiu que eu nascesse assim?”, questiona.
Ele destaca que, se não tivesse se assumido e aceitado a visão da igreja inclusiva, teria que viver uma mentira. “O que mais dói é que as pessoas têm direito de construir suas famílias e nós não poderíamos. Se eu fosse ficar na igreja tradicional, teria que morrer solteiro ou enganar uma mulher”, afirma.
O ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’ conta com 27 membros fixos. O grupo é diverso e formado por solteiros, casais homoafetivos e heteronormativos. O Lado B acompanhou o encontro de quarta-feira, quando o grupo se reúne para o estudo bíblico. A noite começou com uma oração e foi seguida pela leitura da Bíblia.
Sentados em círculo, os participantes se revezaram para ler o capítulo 9 do livro de João, dos versículos 1 ao 41, que falam sobre 'A cura de um cego de nascença'. Para quem vê de fora e até mesmo para quem já frequentou uma igreja, a cena não é diferente de outros estudos bíblicos. O que diferencia é a presença de casais, homens e mulheres que decidiram adorar a Deus sem se sentirem culpados ou pecadores por serem quem são desde que nasceram.
O objetivo do pastor é encontrar mais pessoas e trazê-las para o ministério inclusivo. “A gente pretende alcançar mais vidas, quero tirar mais pessoas dessa condenação que elas vivem hoje. O inferno é o que a gente vive na nossa vida, tribulações, mas não a nossa essência. Estão tirando os direitos das pessoas de adorarem a Deus”, pontua.
O ‘Ministério Inclusivo Livres para Adorar’ está localizado na Rua Rui Barbosa, 900, galeria 1. Os encontros ocorrem quarta-feira, às 18h30 no Culto de ensino e domingo, às 19h, no Culto da família.
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