Meu adeus ao poeta que não teve tempo de lançar seu livro
Essa é a primeira vez que publico um texto na primeira pessoa. É um texto para me despedir do meu pai, Jacir Brunetto, o poeta, o autor, que a vida toda escreveu seus textos, mas não teve oportunidade de lançar seus livros. Quando ficou pronto o primeiro, com poemas, e já tinha data, o mundo foi atropelado pela covid. Preocupados com a saúde dele, não o deixamos fazer um evento. E quando chegava perto de concluir sua segunda obra, estudos de uma vida inteira sobre a guerra do contestado, revolta popular que aconteceu na região onde nasceu, faltou saúde e agora somos forçados a dizer adeus.
Todos acharão seu pai especial. O meu não me ensinou a andar de bicicleta, não era um bom churrasqueiro, não nos levou para a praia. Mas deixou um legado de amor à leitura, ao estudo, ao conhecimento, aos livros, herança que me contaminou, tanto que depois do jornalismo, fiz a mesma graduação que ele, o direito, e passei a circular entre as duas áreas.
Metódico, não se afastava da repartição pública. Levou o trabalho sempre muito a sério, assim como a assiduidade à leitura, à qual dedicava quase todo seu tempo livre. Não tínhamos uma vida de requintes, mas tínhamos uma biblioteca em casa, de tudo, uma parede repleta de prateleiras preenchidas de obras, de livros de mitologia a enciclopédias sobre plantas. Numa cidade pequena, os livreiros adoravam parar em casa. Na escola, os amigos gostavam de fazer trabalho conosco, quando ainda não existia computador e Google. Também tinha a revista semanal, o jornal nacional e um local. Fica fácil descobrir porque fui parar no jornalismo.
Meu pai nasceu em uma região de imigrantes italianos, em Santa Catarina, sua mãe o escolheu para ser padre, um orgulho para as famílias. Ele até tentou, morou em seminários, estudou muito, depois virou professor, ensinou grego, latim, matemática, virou diretor de escola, daí foi um pulo para a Exatoria, no começo dos anos 70, palavra que nem se usa mais. Permaneceu como fiscal de rendas até se aposentar.
Meu pai era uma pessoa muito otimista. Sempre repetia “agora parece que as coisas vão melhorar”, quando ouvia sobre novas medidas de governos. Quanta esperança de ver o país engrenar! Esse gosto pela política e a vida pública também me contagiou, mas sem tanta fé no poder. Jornalismo não combina com uma visão romântica.
Mas conhecer a história era sua maior paixão. Quem o conheceu, ouviu-o reproduzindo citações de generais, frases de imperadores, ensinamentos dos filósofos gregos. Poderia parecer pedante, mas era paixão pelo saber e desejo de compartilhar. Algo tão forte, que décadas depois ainda era chamado de professor. E, na poesia, sempre gostava de dizer que era um simbolista, fã de Cruz e Souza, era o que ouvíamos desde a infância.
Como diz minha irmã, meu pai tinha duas bibliotecas dentro da cabeça. Esse é o seu maior tesouro. Vamos ficar com o coração apertado de saudades, de ouvir suas histórias sobre o estado, sobre o mundo, até sobre o cosmo, amava astronomia, deu-nos uma luneta, apresentou-nos o cometa Halley, mostrou-nos eclipses. Uma riqueza de lembranças, que serei sempre grata. Folhear seus livros será como estar com ele.
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