Na Afonso Pena, 24h com Manoel de Barros mostram que poeta virou grande amigo
Há um ano, o sorriso simples é como a alma do poeta, que sentado de frente para o por do sol que tanto amou é amigo e confidente de quem por ali passa
Com traços realistas reproduzindo no cobre as marcas do tempo no rosto, o sorriso simples com ar de timidez, olhar sereno e a delicadeza das mãos que eternizaram o “quintal do tamanho do mundo” que é Mato Grosso do Sul, a estátua de Manoel de Barros completa 1 ano na principal avenida de Campo Grande. Hoje, no dia também do aniversário do poeta, as histórias criadas naquele canteiro são como "verdades inventadas" ao lado de um amigo que já não está aqui.
Desde as primeiras horas da manhã, até a madrugada, Manoel tem companhia quase 24 horas. É bem comum ver alguém no bate papo, apreciando a vista ou em busca do refúgio que é a sombra da figueira, árvore favorita de Manoel em vida. Na mistura com a modernidade, o poeta também ouve playlist de músicas e até tira selfies.
Parte da rotina dos moradores da cidade, Manoel é amigo e confidente, descrito como um bom ouvinte, não é raro entreouvir conversas animadas e desabafos de quem divide o lugar vago no sofá ocupado pelo homem com alma de menino, o passarinho e o caracol.
Manhã
Passeando pelo centro com a mãe para as compras de natal, a pequena Maria Clara aos 6 anos ainda não conhece o trabalho de Manoel de Barros, o nome de peso para a menina pouco significa, o que encanta mesmo é a proximidade do “velhinho bonzinho” que vive embaixo da árvore gigantesca, a intimidade é tanta que ela vai direto saltitando ocupar o lugar ao lado da estátua, beija e faz carinho no rosto congelado no tempo com um sorriso familiar e cativante.
“Sempre que venho com ela ao Centro, ela pede para passar por aqui e tirar uma foto com ele, já temos várias, mas ela continua querendo vir. É a primeira coisa que ela pede”, conta a mãe, Christiane Lacerda sobre a estátua criada pelo artista plástico Victor Henrique Woitschach.
O estudante de Administração Peter Novaes, de 18 anos, vende balas de goma no sinal ao lado de Manoel para pagar a faculdade, das 7h da manhã às 18h da tarde.
“Ele é quase onipresente, vê tudo e ouve tudo o que acontece aqui, as pessoas vêem nele um confidente que não vai dar uma resposta aos problemas, mas também não vai julgar ninguém, independente da situação. Faz sentido que elas queiram conversar com ele, também a molecada da escola, que sai da aula e compra refrigerante de 2 litros para tomar aqui na sombra, zoar com os amigos e fazer fotos, essa é uma das cenas mais comuns, apesar de agora nas férias ter diminuído bastante”, conta Peter.
À tarde
Sem se deixar intimidar, Cristhiane Chamorro de Oliveira senta para almoçar ao lado de Manoel, em silêncio ela ignora a agitação de carros e as buzinas ao redor, o momento é de paz e descanso sob a sombra da figueira. Quando termina, ela guarda os restos da marmita na mochila, levante e limpa com cuidado as folhas acumuladas na superfície de cobre, finaliza com um “melhor assim, né?”, observando o trabalho sem esperar uma resposta.
Cristhiane veio de Ponta Porã para Campo Grande há mais ou menos há 1 ano, praticamente junto com a estátua. Dependente química em recuperação, ela conta que já passou dias difíceis na companhia de Manoel. Grávida na época e sem ter onde morar, era comum ser vista vagando na região. Hoje, faz parte do programa de reabilitação e vende sacos de lixo para ajudar a arrecadar dinheiro para o programa. O bebê passa bem e nasceu com saúde, fica na creche da unidade de internação enquanto ela trabalha.
Mesmo com a mudança de vida, permanece o hábito de visitar o “velho amigo”, cujo os poemas a acompanham desde o Ensino Médio, quando a leitura na escola era obrigatória. Com os caminhos que tomou, ela acabou se afastando da poesia e o reencontro veio com a companhia da estátua, o único confidente em anos, sempre disposto a ouvir com um sorriso no rosto. Agora, ela sonha em voltar a ler as obras do “velhinho” e apresentar para o filho, que assim que estiver um pouco maior vai acompanhar a mãe em uma visita a Manoel.
Anoitecendo
Mais para o fim da tarde, na maratona de 24 horas ao lado de Manoel, a movimentação de famílias por ali aumenta, desde mães acompanhados dos filhos a avós que aproveitam o entrosamento dos netos com a tecnologia para pedir uma foto com o poeta. Dona Valda dos Santos Trindade, diz que as feições de Manoel lembram muito o sogro, inclusive, na postura e no jeito de apoiar as mãos no colo, no sorriso carismático e expressão no rosto.
Valda relembra dos poemas lidos ainda na escola, coisa que ela não viu a neta estudar. Isabella Trindade de 13 anos, até arrisca dividir o fone de ouvido com a estátua, mas depois muda de ideia, “acho que ele não ia gostar das minhas músicas".
Junto com o movimento do comércio no Centro, as visitas de Manoel também diminuem, o último “amigo” a compartilhar o lugar no sofá antes do cair da noite é Norberto Pereira, quem também resolveu dividir a refeição com o poeta. Sem cerimônia, o vendedor e músico nas horas vagas solta logo um “E aí, Maneco? Tudo certo?”. Senta ao lado estátua para comer e a conversa é breve, aos sussurros. Ele conta que além da sombra o principal atrativo é a companhia do “senhorzinho” e a vista para o pôr do sol mais bonito da cidade. Quando termina a despedida é com um tapinha na perna e um “Valeu, obrigado Maneco e até a próxima”.
Madrugada
Com uma breve pausa para “descansar os ouvidos”, a madrugada de Manoel de Barros também é movimentada. Maria Eduarda Domingues, de 22 anos, chegou com um grupo de amigos e na direção de Manoel disse “Nossa! Nunca tirei uma foto com ele!”. Só para o caso do velhinho estar sentindo frio, colocou o próprio casaco nos ombros da estátua para a pose do primeiro registro com o poeta. “Na verdade não passo muito aqui mas vejo foto das pessoas postando com ele. As pessoas vêm tirar foto, mas não sabem quem é. Falta conhecer mais”, completa.
Músico, Gessio Bonfim Palermo, de 24 anos, também estava com a turma da Maria e aproveitou para fazer foto, obviamente. Admirador mesmo sem se aprofundar muito no trabalho de Manoel, ele fala o que sente sobre o poeta e a relação da população. “É um dos principais representantes da literatura no Centro-Oeste. Tinha um ligação muito forte com a natureza e seu trabalho falava muito da fauna e flora daqui. Acho que as pessoas sabem quem ele foi, mas não conhecem muito as obras porque não tem contato com poesia”, conta.
Os amigos Guilherme Moraes, e Pedro Henrique passaram de skate pela Avenida Afonso pena com a Rua Rui Barbosa e pararam para a foto, envolvidos com o movimento do rap e hip hop da capital, eles apreciam a poesia e enxergam no poeta um ídolo, reconhecendo a arte em outro tipo de rima de palavras, diferente da qual eles mesmos fazem e nem por isso menos importante.
As fotos da galeria abaixo foram "coletadas" ao longo do último ano no Instagram, postadas por usuários com a #estátuamanoeldebarros e #manoeldebarros.
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Confira a galeria de imagens: