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Comportamento

Na Alphavela, Paula é a líder bocuda que não vive de fama, mas de ajudar

Aos 28 anos, Paula está à frente das doações e lutas por moradia digna para as 70 famílias da Alphavela

Paula Maciulevicius Brasil | 18/04/2021 08:34


Mãe de três meninos, Paula Corrêa, de 28 anos, é a "cara" da Alphavela na hora de distribuir doações e de lutar por moradia digna. No segundo episódio da série "Diário da favela: Lideranças femininas", produzido pela CUFA (Central Única das Favelas), Paula fala por que as pessoas vem morar nas favelas e como é o dia a dia de quem vê a comunidade como filho que também precisa de correção.

De cabelo vermelho, Paula é "bocuda", como ela mesmo diz, por não baixar a cabeça diante das necessidades do próximo. O vídeo começa com ela mostrando o barraco onde mora e o pedido: "cobre a bagunça, viu?"

Há três anos, Paula, o marido e os três filhos se mudaram para a favela que fica no Caiobá, em Campo Grande, e chama "Alphavela" em trocadilho com o condomínio de luxo "Alphaville".

Voluntária da CUFA, Tatiana entrevistando Paula para o documentário: Diário da Favela. (Foto: Acervo CUFA MS)
Voluntária da CUFA, Tatiana entrevistando Paula para o documentário: Diário da Favela. (Foto: Acervo CUFA MS)

Foi por causa da mãe de Paula que a filha se mudou com a família. "Se eu estou aqui, é por causa da minha mãe, quero o melhor pra ela", diz na gravação. Única filha com netos, ela veio morar perto para que a mãe tivesse convivência com as crianças.

"Aqui começou com o povo querendo moradia, ninguém quer morar em favela, debaixo de um barraco, correndo risco", introduz sobre o porquê as pessoas moram ali. No boca a boca, Paula conta que o anúncio de venda de barracos surge assim, e se torna uma proposta viável para quem não tem condições de pagar aluguel.

"Tem gente que mora aqui e não necessita, mas tem família que não tem pra onde ir, e quando dá uma chuva, se desesperam. Começando pela minha, eu tô aqui porque preciso, antes não, mas agora com essa crise, eu necessito estar aqui", explica.

Liderança - Foi depois de uma entrevista ao SBT Notícias, que Paula Corrêa se tornou "líder" escolhida pela comunidade. "Publicaram a filmagem e o povo começou a vir em mim doar as coisas. Depois queriam um representante, aí começaram a falar: 'vai lá na Paula que ela fala bem, que ela é bocuda'", reproduz.

"Favela é do jeito que vocês estão vendo, um monte de barraco e gente necessitando. É isso, não tem que vir ver a favela, vem pra ajudar. Você tem que parar e conversar pra ver a situação da pessoa", apresenta Paula.

Paula está no segundo episódio de Diário da Favela: Lideranças Femininas. (Foto: Acervo CUFA MS)
Paula está no segundo episódio de Diário da Favela: Lideranças Femininas. (Foto: Acervo CUFA MS)

Longe de viver de fama, a dona de casa diz que não se importa com rótulos, mas faz o que acha certo. Com ajuda da CUFA, ela recorda do momento em que pode proporcionar uma festa para as crianças com Papai Noel. "E elas saíram correndo, eu não sabia se ria ou se chorava, muitas nunca tinham visto um Papai Noel", recorda.

Se tivesse carro, Paula diz que viveria na Ceasa (Centrais de Abastecimento de Mato Grosso do Sul) para recolher doações e dividi-las entre a comunidade. "Eu tô ligando pra prático vir aqui, Cras. As líderes mães são assim, querem dar para o filho dos outros o que a gente dá pro filho da gente", compara.

Criticada pela idade, "28 anos? Uma menina que quer ajudar?" Paula diz que faz o que pode e é recompensada pela gratidão. "Um dia dei uma cesta e a pessoa veio agradecer e dizer que aquele dia ela não tinha o que comer. Veio me agradecer e trazer uma flor".

A comunidade para ela é um filho que precisa ser corrigida, assim como os três meninos dela, quando fazem alguma coisa errada. "Você tem que corrigir, se não fica pior. 'Ó, tá errado, por que você fez isso?'"

Questionada pela produção do documentário do por quê a maioria das comunidades é liderada por mulheres, Paula tem a resposta na ponta da língua.

"Pela vergonha dos homens. Pra você ser líder, tem que meter a cara e pedir. Mulher tem instinto de proteger todo mundo. Às vezes eu nem conheço a pessoa e tô pronta pra brigar por ela. Uma mulher tem que se doer pela outra, já parou pra pensar você ver uma mulher apanhando, qual é a sua reação? Aquela que ver e ficar quieta, pra mim não é mulher. Eu vou apanhar junto com ela se eu não aguentar, mas mulher não tem que baixar a cabeça. Por isso que a gente é forte. Eu me sinto muito forte".

A lição de empatia dada por Paula não fica só nas palavras. O sonho dela é o de ter o próprio negócio, um carrinho de cachorro quente. Só que o dinheiro que ela consegue, é quase sempre gasto na própria comunidade.

"Me falam que estão sem fralda, acabou o leite, fulano não tem arroz, lá vai a Paula comprar. A gente gasta pra ajudar minha mãe e o que sobra a comunidade. Mas nós vamos ter nosso negócio, eu falo pra minha irmã, vamos ter, porque se a gente parar, é comandada por homens burros".

E não é só ficando sentada esperando ajuda que Paula vive não. Pelo contrário, quando chega até ela pedidos de ajuda, a líder chama quem estiver precisando para catar reciclagem.

"Eu quero mostrar que ela pode conseguir a própria cesta básica. Eu pego emprestado os carrinhos, junto mulheres pra ajudar".

Documentário - Voluntária, Tatiana Samper Lovato é psicóloga e trabalha na captação de recursos para a CUFA. A ideia do documentário surgiu porque a Central queria fazer algo relacionado ao mês das mulheres e lembrou que a maioria das lideranças são femininas. "São as mulheres que organizam os moradores, fazem os levantamentos de quais são as necessidades, quem mora sozinho, está acamado, doente, que tem filho pequeno. A gente queria falar sobre essas liderança femininas, até pra mostrar a questão de como elas são organizadas", pontua Tatiana.

Apesar de favela ser muitas vezes relacionada a um lugar de escassez e problemas, a série vem mostrando a resistência das mulheres na luta para garantir moradia digna. No canal da CUFA é possível ver o primeiro episódio, e no planejamento da Central, serão mais dois capítulos com outras líderes.

A Central Única de Favelas tem muitas ações, e no momento o foco maior tem sido a doação de alimentos e kits de higiene, além de chip de celular social, vouchers com um valor de R$ 120 a R$ 200 para as mulheres fazerem compras, e palestras de orientação sobre prevenção a covid-19.

Para ajudar a CUFA, veja abaixo pontos de coleta de doações. Você também pode ajudar transferindo qualquer valor para o PIX: 366.921.388-09. O telefone de contato da coordenação da Central é o 9-9181-8142. Acompanhe o trabalho também no Instagram e Facebook.

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