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Comportamento

Na terra onde se estuda ETs, surge "moeda paralela" que movimenta o comércio

Elverson Cardozo, de Rochedo e Corguinho | 20/05/2013 06:10
"Nota" de um dourado. Corresponde ao real. (Fotos: Vanderlei Aparecido)
"Nota" de um dourado. Corresponde ao real. (Fotos: Vanderlei Aparecido)

Além do Real, moeda corrente no Brasil, alguns comerciantes de Rochedo, município distante 74 quilômetros de Campo Grande, estão “trabalhando” com uma “nota paralela”, vinculada à Associação Projeto Portal, organização que desenvolve estudos na área da ufologia e relata, entre outros trabalhos, a presença de seres extraterrestres em Corguinho e região, onde estão situadas a fazenda Boa Sorte e a cidade turística Zigurats.

A “nova moeda” - batizada de “Dourado” e descrita como “Título Patrimonial Participativo/B” – tem movimentado a economia da região que abriga quase 4,5 mil moradores e já é aceita em alguns estabelecimentos da cidade, como farmácia, posto de combustíveis, lanchonete e mercado. Falta pouco para chegar a uma funerária, cujo gerente está aguardando o desenrolar da papelada referente ao contrato que aceitou há 8 meses.

Na semana passada, a equipe do Lado B teve acesso a uma das notas – a de 1 Dourado – e, para entender o assunto, esteve nos dois municípios conversando com comerciantes e moradores. No local, a reportagem constatou que em Rochedo, cidade que fica a 17 quilômetros de Corguinho, o “dinheiro” é conhecido e aceito há pelo menos 3 anos.

A maioria dos entrevistados, no entanto, não trata o “título” como “moeda – nova ou paralela”, mas como um vale ou bônus que são trocados, na maioria das vezes, por pessoas, geralmente turistas, que visitam a Zigurats, cidade turística mantida pelo ufólogo Urandir Fernandes de Oliveira, presidente da Associação.

Gerente de um posto de combustíveis que fica na divisa das duas cidades, Marlene Ferreira Fagundes, de 41 anos, é uma das que trabalha com o “Dourado” desde o início do ano.

Garantindo não ter qualquer vínculo com o Projeto, a mulher conta que passou aceitar o “vale” depois que recebeu a visita de uma representante da entidade. “Ela disse que queria apresentar uma cédula nova, que estava apostando que iria dar certo. E então ela apresentou o Dourado. No começo o povo não entendia muito”, disse.

Como funciona? – O Dourado, explicou a gerente, tem o mesmo valor do Real. Há “cédulas” de 1, 5, 10, 50 e 100, completou. A “diferença” é que quem aceita a “moeda”, os comerciantes no caso, recebe antecipadamente.

Marlene Ferreira recebe os "títulos" desde o início do ano.
Marlene Ferreira recebe os "títulos" desde o início do ano.

Na prática, funciona da seguinte maneira: Depois da proposta aceita, o representante do Projeto deixa um “valor x” com o “contratante”, R$ 2 mil por exemplo, para aceitar, dos clientes que o procurarem, turistas geralmente, o mesmo valor pago antes, mas em Dourado.

Quando se atinge essa “cota” – os R$ 2 mil exemplificados – os “títulos” são devolvidos à Associação, que os redistribui. Às vezes o pagamento dos “Dourados” recebidos dos turistas é feito depois.

Para a mulher, que vê vantagem na clientela fixa e no lucro, claro, “isso é só um meio dele movimentar o pessoal dele”. “Eu não sei exatamente como eles passam isso lá, mas para gente é mesma coisa que você dar R$ 10,00 para abastecer”, disse a gerente.

Apesar de revelar que o contrato com o representante do Projeto Portal é informal, firmado no “boca-boca” e na base da confiança, Marlene acredita que não esteja cometendo alguma irregularidade, isto porque foi mais uma comerciante que aceitou o modo de trabalho do Projeto Portal.

A “parceria”, aliás, tem garantido, ao que tudo indica, bom rendimento. O último pagamento referente ao “contrato”, realizado no dia 16 deste mês, somou, de acordo com ela, R$ 2.261,00.

“Para mim não interfere em nada. A não ser que seja proibido. [...] Isso é só um papel. Não tem serventia nenhuma. Isso aqui, a cada 20 dias, some”, comentou, ao comparar a moeda como uma “requisição” ou “nota promissória”.

No posto de combustíveis, clientes podem abastecer e pagar com o "Dourado".
No posto de combustíveis, clientes podem abastecer e pagar com o "Dourado".

O movimento, embora garantido, é mais significativo nas épocas das excursões. “O projeto portal tem a época da temporada. Os turistas, quando vem, trocam o dinheiro deles por esse Dourado. Durante o tempo que estão aqui usam para abastecer, na lanchonete...”, revelou.

Economia da cidade - A lanchonete citada fica por ela fica no pátio do próprio posto. O gerente, que se identificou apenas como Eudes, confirmou que também trabalha com a “moeda” e não vê qualquer irregularidade porque trata o “titulo”, assim como Marlene, como uma requisição. “Se fosse uma nova moeda eu iria passar ela para frente. Eu só devolvo. Acho que não é uma nova moeda”, ressaltou.

“Se fosse assim, a prefeitura ou outras empresas, por exemplo, seria ilegal também porque usam requisição. Isso daqui é um documento que eles me dão e eu devolvo. Não movimento o Dourado”, acrescentou, exemplificando.

Eudes garante que, apesar de aceitar a “nota”, o movimento na lanchonete não foi alterado, nem aumentou. “Se eu parar com o Dourado hoje, para mim não faz diferença. É um por cento do meu movimento. É insignificante”.

Não é o que pensa o proprietário de uma farmácia que aceita o “vale” no centro da cidade, Walfridis Alves Júnior, mais conhecido como Júnior Bom Pai, de 50 anos, ex-vereador de Corguinho e pretenso prefeito de Rochedo.

Júnior Bom Pai diz que a parceria com Urandir rende um "caixa mais gordo".
Júnior Bom Pai diz que a parceria com Urandir rende um "caixa mais gordo".

“Para mim faz diferença porque eu tenho muitos clientes que usam o Dourado. Se me tirar isso aqui é uma diferença de 10% no movimento bruto da farmácia”, disse, ao contar que aceita os título há 3 anos.

Nas palavras de Júnior, a parceria com o presidente da Associação Projeto Portal, Urandir, além de “engordar” o caixa, “estimula o comércio local porque ele paga antecipado”. No dia da reportagem, por exemplo, o comerciante tinha, no caixa, cerca de 4 mil só em bônus deixado por clientes.

“Essa moeda chega aqui não só através de turistas, mas do comércio local, dos moradores”, contou. “Não sou Zigurats, não vou à fazenda Boa Sorte e nem acredito em ET. Sou evangélico, presbítero da minha igreja, o oposto disso aí. Mas isso me favorece comercialmente”, declarou.

A confirmação de que a nota circula pela região, não só entre os turistas, vem da gerente de um mercado que abriu as portas há aproximadamente 6 meses, Ana Garcia, de 49 anos.

Ela conta que há cerca de 15 dias os proprietários resolveram receber a “moeda” porque “tem muito pedido da população”. “Tem muita gente que vai ao projeto. Eles pediram a e achamos que não tínhamos nada a perder e aceitamos”, contou.

Garcia também não vê qualquer possível irregularidade e diz que a aceitação da nota funciona como um “convênio”. “Eles pagam antecipado e nós só trocamos os bônus. Não vejo como moeda. Vejo como papel. Para nós o legal é depositar adiantado e você descontar o bônus. O legal, para nós, é vender”, disse, ironizando.

Gislaine Nunes já ouviu falar, mas tem receio de implantar o "sistema" na drogaria.
Gislaine Nunes já ouviu falar, mas tem receio de implantar o "sistema" na drogaria.

A segurança na declaração é posta em dúvida por quem vê de longe a movimentação do título entre os comerciantes. Proprietários de uma drogaria localizada na rua Albino Coimbra, região central de Rochedo, Gislaine Nunes Machado Queiroz, de 44 anos, e o marido, José Humberto Alves de Queiroz, de 50 anos, já ouviram falar do “Dourado” e até receberam clientes querendo pagar com a “nota”, mas nunca foram “apresentados formalmente” ao projeto da Associação.

Pelas vantagens que ouvem falar, Gislaine e José revelam que até cogitam um parceria, mas confessam que ficam com o “pé atrás”. “Se for no boca a boca, como eu vou aceitar um dinheiro assim? Como vou trocar depois? Agora se tiver um contrato...”, disse a mulher.

Embora desconfie, Gislaine acha “pesado” classificar o “título” como moeda. “Não vejo como dinheiro. Para ser dinheiro eu acho que deveria estar circulando na cidade inteira. Se fosse moeda qualquer lugar aceitaria”, justificou.

À espera de uma nova visita do representante da entidade com quem aceitou parceria há 8 meses, o proprietário de uma funerária que fica na rua de trás à da farmácia, Edmar Nunes, de 39 anos, a exemplo dos outros comerciantes que trabalham com o “título patrimonial”, também reforça o discurso da vantagem para que vende, mas, diferente da maioria, diz que considera a “nota” como uma nova moeda na cidade.

“Vejo assim porque vários outros estabelecimentos já aceitam. É como se fosse um vale no estilo cartão de crédito”, justificou. Com o Dourado, Edmar espera aumentar em 40% o faturamento da pax, que oferece, além dos serviços funerários, consultas médicas.

Sem denúncias – Antes de Rochedo, a equipe de reportagem do Lado B esteve, primeiro, em Corguinho, mas por lá, de todos os estabelecimentos pesquisados – posto de gasolina, padaria, restaurante, mercado, farmácia, loja de variedade e uma agência lotérica – ninguém, até sexta-feira (17), disse conhecer ou aceitar o “Dourado”.

Na prefeitura, o fiscal tributário Ari Alves, de 43 anos, disse que, em uma primeira leitura, não conseguiu identificar qualquer irregularidade na “cédula” de um dourado porque a descrição impressa, que traz o nome da instituição e o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) deixa claro que o título “é de uso exclusivo da Associação, dos sócios e conveniados”. Ari informou, ainda, que a entidade está regular junto ao município.

Delegado Paulo Diniz soube da "nota paralela" pela reportagem do Campo Grande News
Delegado Paulo Diniz soube da "nota paralela" pela reportagem do Campo Grande News

Na PM (Polícia Militar) não há qualquer boletim de ocorrência registrado com citações sobre a “moeda”. Na Polícia Civil, o delegado Paulo Diniz, responsável pelas delegacias de Rochedo e Corguinho, informou que teve conhecimento do “Dourado” pela reportagem do Campo Grande News.

Disse também que nunca registrou qualquer denúncia de ilegalidade e nem estava investigado qualquer situação ligada à “cédula” do Projeto Portal, mas vai apurar as informações. Segundo Diniz, desde que a “nota” seja utilizada dentro do projeto e por membros da associação, não há, em uma primeira avaliação, qualquer irregularidade.

Cartão participativo – Neste domingo (19), antes mesmo desta reportagem ser publicada, a assessoria de imprensa do Projeto Portal divulgou nota, para todos os veículos da cidade, informando que “supostos repórteres do Campo Grande News” tentaram intimidar participantes e conveniados do Projeto Portal.

Segundo apurado pela assessoria da entidade, a equipe do Lado B teria intimidado os entrevistados, “alegando que caso estivessem aceitando tal bônus em troca de produtos estariam cometendo crime, tendo em vista que se tratava de moeda paralela”.

Dourado que vale R$ 100,00.
Dourado que vale R$ 100,00.

“Os conveniados, em resposta a tal absurdo insinuado pelos supostos repórteres [...] indicaram que o cartão participativo da Associação Projeto Portal não se tratava de moeda paralela, e sim uma campanha realizada entre a Associação e as empresas visitadas, nos mesmos moldes como são feitas inúmeras outras em todos os ramos de atividade comercial, como, por exemplo, fast foods, mercados, lojas de conveniência etc, tudo legalmente amparado e em pleno acordo com os princípios basilares previstos por nossa Constituição”, diz parte do texto.

E a resposta continua. “Note-se que, caso haja alguma irregularidade ou qualquer outro erro de conduta, estes foram cometidos pelos supostos jornalistas do Campo Grande News, vejamos:

Em primeiro lugar, os supostos jornalistas portavam cartão de uso exclusivo dos associados do Projeto Portal e conveniados, o que exige não apenas estar em dia com as obrigações da Associação, mas como ter aderido ao convênio. Como os supostos repórteres não são associados, tampouco conveniados, estão se apropriando de bem que notadamente não lhes pertence.

Noutro aspecto, eles tentaram coagir funcionários e empresários nos desempenhos de suas tarefas cumpridas diariamente com dignidade, imputando-lhes crimes que não cometeram, isso apenas por participarem de convênios junto à Associação Projeto Portal e seus parceiros.

Por fim, caso fossem de fato jornalistas sérios, teriam ao menos se identificado em uma das várias vezes que foram interpelados para fazê-lo, não apenas dando prenomes e tentando dificultar qualquer identificação”.

Primeiros títulos tinham bônus de menor valor.
Primeiros títulos tinham bônus de menor valor.

No texto, que informa que o “departamento jurídico está fazendo o levantamento de todos os fatos para tomar todas as providências judiciais cabíveis, tendo em vista flagrantes ilegalidades cometidas covardemente por indivíduos e meios de comunicação que se escondem sobre interesses obscuros”, a Associação cita, ainda, casos de “pessoas infiltradas” e da “condenação sofrida pelo Grupo Paracientífico e Ademar José Gevaerd, por atitudes semelhantes”.

“Será que atividades ufológicas e todas as outras pesquisas como a arqueologia, astronomia, desenvolvimento humano e afins incomodam tanto assim os interesses de alguns?

Discos voadores, ETs, extraterrestres, OVNIS, portais, nova ordem mundial, governo oculto, chips, moeda única mundial, controle de massas, armas eletromagnéticas, propaganda subliminar, ondas HAARPs, ondas escalares, e ondas HAYUT são palavras que muitos desconhecem, mas que incomodam a muitos que se utilizam dessas tecnologias para controle populacional”, informa a nota.

Por fim, a assessoria finaliza: “Enquanto a verdade não aparece para dar resposta a tais perguntas, a Associação Projeto Portal segue firme no propósito de trazer o conhecimento puro à sociedade, todavia sem se descuidar das pedras covardes que eventualmente apareçam por seu caminho”.

Nota - A equipe de reportagem do Lado B que esteve em Rochedo e Corguinho na sexta-feira (17) era composta pelo repórter Elverson Cardozo, o fotógrafo Vanderlei Aparecido e o motorista Simão Nogueira.

Vale ressaltar que em nenhum momento os profissionais tentaram intimidar ou imputar crimes aos entrevistados. Apenas levantaram questionamentos e possíveis situações. Nada que fuja do trabalho comumente desenvolvido pela imprensa.

Em todo o caso, para qualquer esclarecimento, o Lado B informa que as entrevistas foram gravadas.

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