Nem liberdade livra Kimberly e Nara dos “julgadores” de carecas
A escolha partiu delas e, agora, as mechas compridas dão espaço aos fios curtíssimo, que empodera e realça beleza natural
Livres, leves e soltas, Kimberly Teodoro e Nara Forato resolveram mudar radicalmente o visual, e rasparam a cabeça. As mechas longas agora dão espaço aos fios curtíssimos, com menos de um centímetro de comprimento. A sensação é libertadora e, cheias de charme, elas mostram que têm estilo próprio e estão amando o resultado.
Kimberly é jornalista, tem 26 anos e adora mexer no cabelo. Sempre com as mechas acima dos ombros, já teve cabelo de toda cor, castanho, vermelho, azul, roxo, verde e estava na cor-de-rosa antes de raspar a cabeça. “Me permiti não surtar com o que as pessoas iam achar e focar no que importa para mim mesma”, diz.
A decisão a fez ter a sensação de liberdade. “Livre, com alguns parafusos meio soltos, mas me sinto eu mesma. Podia ter comprado uma tinta de cabelo na cor natural dos meus fios, mas ainda ia sentir toda aquela química quando passasse os dedos no cabelo. Não ia ser a mesma coisa, raspar foi me permitir recomeçar”, afirma.
É vaidosa e cheia de vida. Sempre bem resolvida com a aparência, ela sabe muito bem o que quer. Conversando com o Lado B, Kimberly volta no tempo e se recorda da infância. Foi criada pela avó, que além de costurar para fora, também cuidava dos cinco filhos. A rotina era corrida, a casa enorme, mas ainda assim recebia a família toda. No entanto, não sobrava tanto tempo para cuidar dos cabelos.
“Ela sempre teve cabelo curto e eu cresci com essa imagem, não me lembro de ter visto ela com cabelo abaixo o ombro em 26 anos. Nem por isso achava ela menos feminina, pelo contrário, ela é uma das mulheres mais fortes que conheço”, destaca a neta.
Kimberly comenta que nunca teve estigmas com o cabelo. “A maioria das minhas fotos de criança, é com cabelo curto. Gostava de brincar com a molecada na rua, subir em árvore, entrar no rio, pois morávamos à beira do rio, lá em Rio Verde. Então, meu cabelo estava sempre cheio de galhos, lama e nós. Era um inferno desembaraçar, cuidar mais ainda”, desabafa.
Entretanto, nem todos entendiam seu ponto de vista. Ela lembra que, já na época, as pessoas ficavam horrorizadas com o comprimento do cabelo porque acreditavam que “mocinha tinha que ter cabelo grande”. Os comentários foram surgindo e com eles, o preconceito.
“Já ouvi até coisas como: Seu cabelo é liso, é bonito. Você não precisa cortar. Queria ver se tivesse cabelo de Bombril e precisasse cortar realmente”, recorda. “Isso em cidade pequena, onde as pessoas são mais dentro da caixa. Eu era criança. Na época, não entendi o comentário, mas nunca esqueci”, completa.
Infância - Ainda criança, o comprimento do cabelo chegou a ficar na cintura. No entanto, foi só ganhar a liberdade de ir ao salão sozinha que passou a cortar os fios, deixando-os na altura do queixo. “Foi quando a cabeleireira fez o comentário sobre o tipo de cabelo determinar o tipo e corte que você pode ou não ter”.
Até hoje Kimberly se lembra da vez que passou a máquina na cabeça e deixou os fios bem curtinhos. “Foi em 2011. No salão, a cabeleireira também disse que era maluquice, que meu cabelo é bonito. Tinha uma menina fazendo a unha na cadeira o lado e teceu todo tipo de comentário com a manicure, falando que nunca teria coragem de fazer algo assim no cabelo dela, que não é feminino, que o namorado ia ficar louco”.
Mas, ela não ouviu quieta a opinião que não havia pedido. “Respondi para a menina que era só não passar a máquina no cabelo dela, que ia ficar tudo bem. Todo mundo ficou impressionado com a minha falta de educação, como se falar de mim daquele jeito, na minha frente, fosse muito educado”.
A partir do momento que decidiu ter estilo próprio, Kimberly já ouviu diversos comentários desde que “homem não gosta de cabelo curto” até sobre sua sexualidade. “As pessoas relacionam muito o comprimento dos cabelos com a feminilidade. O primeiro comentário é que eu estava namorando mulheres”.
Por conta do visual, chegaram até questioná-la se era homem ou transexual. “Porque eu estava maquiada, de cabelo bem curtinho, uma blusa branca e mini saia. Me lembro de ter ficado ‘gente, tudo isso porque cortei o cabelo?’”.
Para ela, as pessoas aceitam melhor a ideia do cabelo colorido do que os fios curtos. “Quando estava com o cabelo colorido, mas grande, ninguém questionou minha sexualidade. Raspar a cabeça foi uma ideia fixa, uma dessas que aparecem com mais frequência ao longo dos anos e sempre quis fazer, dizia que faria”, diz. No entanto, estava no momento das cores.
Aceitação - “Olhar no espelho e me sentir bonita sempre foi o mais importante. E cabelo com química exige muito cuidado. Então, para comprar máscara de cabelo, separar um tempo para fazer o cronograma capilar, procurar receitinhas na internet ou usar receitas da minha bisavó como, fazer infusão de alecrim para o couro cabeludo e usar Aloe Vera para fortalecer os fios sempre foram rituais de autocuidado”.
Seu humor e estado psicológico sempre estiveram ligados ao cabelo. “Também sou uma pessoa que se cansa fácil, então eu olhava aquele cabelo castanho todos os dias e me sentia apática”.
Dessa vez, quando resolveu raspar os fios, na última segunda-feira, veio a surpresa. “Todos os comentários foram positivos”, fala. O processo foi realizado por ela mesma, com um barbeador. Foi uma hora no banheiro e a ficha só caiu quando viu toda cabeleira no chão. “Foi mais libertador do que esperava”.
Depois, deu um tempo para se acostumar com a mudança até olhar no espelho e se reconhecer. O resultado deu certo e agora, Kimberly pode se mostrar para as outras pessoas. O perfil do Facebook foi atualizado e não demorou muito para os elogios surgirem.
“Estou feliz por estar cercada de mulheres tão maravilhosas que, ao invés de criticar o corpo uma das outras, estão apoiando cada escolha. Mesmo uma escolha boba, como raspar a própria cabeça”.
Os comentários, tanto bons quanto ruins, sempre vão existir. “Mas noção é uma coisa que as pessoas não têm. Como você vira para alguém que acabou de cortar o cabelo e diz que estava mais bonito comprido? É tipo de comentário que só vai fazer quem acabou de mudar o visual se sentir mal, principalmente porque não dá para voltar atrás”.
Outra frase que não sai da boca das pessoas é se o namorado deixa mudar o visual. “É o ápice. Quando está em um relacionamento e existe amor, é por quem a pessoa é e não como se parece. Óbvio, aparência conta nos primeiros encontros, se sentir atraído pelo outro é importante, mas nenhum relacionamento é baseado nisso para sempre”.
“Estou em um ano importante, resolvendo muita coisa na minha vida, me cuidando mais, fazendo exercício, comendo direito, dormindo bem. Também estou aprendendo a me olhar de outro jeito, apesar de sempre ter amado meu cabelo colorido, toda aquela química não parecia mais comigo”.
Cada um tem o direito de fazer o que bem entende com o próprio corpo. “Simples assim. Não dá para deixar a opinião alheia interferir na maneira como se relaciona com si mesmo”, destaca.
Ao contrário dos comentários bizarros da primeira vez, agora Kimberly tem ouvido mais mulheres dizendo que o comprimento do cabelo não tem relação com ser feminina. “A melhor reação foi da minha mãe, que tem um cabelão na cintura e é de uma geração diferente, mais conservadora. Na visão dela, cabelo grande e beleza estão relacionados. Já tivemos muitas brigas sobre isso”, lembra.
No entanto, desta vez, sua mãe foi a primeira pessoa a ver e ficar do lado de Kimberly. ‘Ela veio me abraçar e dizer que continuo bonita, que me ama mesmo assim. Foi o mais importante para lidar com todo o resto”.
A maquiadora e cabeleireira, Nara Forato também mudou o visual. Aos 28 anos, ela resolveu dar um “up” no estilo e mudar. “Por muitos anos cultivei cabelo longo, desde minha adolescência até a fase adulta, me sentia segura com o cabelo comprido”.
Mas, ao se tornar cabeleireira, vieram as mudanças capilares. “Já tive diversos cortes, então a vontade de mudar esteve presente cada dia mais. Raspei a cabeça, pois sempre foi algo que queria fazer. Significa me desfazer de um padrão de beleza ‘ideal’”, destaca Nara.
Apesar de ter cortado os fios outras vezes, foi no dia 2 de janeiro desse ano que passou a máquina pela primeira vez. Depois repetiu a dose no mês passado e agora, no dia 2 de abril, raspou no zero. “Me sinto liberta e forte”, diz.
A atitude simboliza mais uma fase em sua vida, e lhe dá coragem para fazer tudo. Assim como aconteceu com Kimberly, os críticos também não pouparam Nara, porém ela aprendeu a lidar com isso.
“As críticas sempre vão existir, não importa se tem cabelo ou não. Mas, não dou muita importância, apesar de me chatear com o fato das pessoas se preocuparem com algo que não diz respeito a elas. O importante é como me sinto, afinal é meu corpo, minha decisão e eu me sinto linda. Cabelo não é nada se você tem amor próprio”, destaca.
Nara aprendeu a ter amor próprio e se construir aos poucos. “Minha drag me ajudou muito nisso, em conquistar a liberdade de me expressar de uma forma, dentro de uma arte, sem julgamentos”. A arte também a ajudou a se enxergar e se aceitar. “Também foi essa arte que deu ainda mais força e coragem para raspar a cabeça”, conclui.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.