No sonho de se verem formadas, resta às quilombolas a solidariedade
Em Furnas do Dionísio, mulheres de comunidade quilombola fizeram vaquinha para persistir no sonho do estudo
Para quem sonha um dia se ver formada em um curso universitário, não só precisa de muita vontade e dedicação, mas – principalmente – de oportunidade. Assim é o que espera um grupo de 11 mulheres da comunidade quilombola de Furnas do Dionísio, no município de Jaraguari, a 40 quilômetros de Campo Grande.
Por lá, são as Alessandras, Claudineias, Devanires, Edivanias, Joiceanes, Lauras, Marias Aparecidas, Rafaelas, Sthefanys e Vanessas as mulheres que, além de mães, donas de casa, agricultoras e representantes da negritude viva, esperam ansiosamente se encontrarem com as futuras professoras, diretoras, coordenadoras, nutricionistas, pesquisadoras… enfim, as profissionais que levam orgulho no peito e diploma na mão.
Na pandemia, porém, fora a distância dos centros universitários e acesso a internet de qualidade, a dificuldade aumentou ainda mais com a transição para o virtual. "Por isso criamos uma vaquinha para arrecadar dinheiro exclusivamente para compra de 11 notebook, isto é, para todas nós. No celular fica realmente muito difícil estudar on-line, seja para ler textos, descobrir livros, digitar trabalhos", esclarece Vera Lucia Rodrigues dos Santos, funcionária pública e agricultora de 38 anos.
Como uma das líderes femininas do quilombo, ela foi nascida e criada na comunidade fundada por Dionísio Antônio Vieira e sua família, migrantes de Minas Gerais que chegaram à província de Mato Grosso por volta do ano de 1890.
Para Vera, ter acesso à educação é mais que fundamental. "Todas as comunidades quilombolas, todos os povos do campo, precisam ter acesso à educação da básica à superior. É necessária a capacitação do povo daqui, que já possui vivências e experiências culturais e identitárias, para que nós possamos assumir cargos técnicos dentro das nossas próprias comunidades, seja na educação, saúde, administração… isso é valorizar e manter as práticas culturais, manter nossa identidade viva", afirma.
Nos seus 38 anos de vida, e agora cursando faculdade em Campo Grande, ela interpreta que o racismo sistêmico – aquele que perpassa por todas as esferas sociais – contribui muito para que seja ainda mais dificultoso as mulheres da comunidade se verem formadas.
"O racismo mata, destrói, exclui. Mas também é o mesmo que deixa faltar políticas públicas específicas e que possam ajudar os quilombos a se desenvolverem. Muitas das vezes, os nossos governantes nem sequer conhecem um quilombo como o nosso. Cabe a nós continuarmos a sobreviver. Não existe interesse em ver as comunidades quilombolas desenvolvidas, ainda mais na atual gestão do Brasil. Em resumo, não se importam com os menos desfavorecidos", opina.
Dentro do quilombo de Furnas do Dionísio, Vera e suas 11 amigas e colegas fazem do estudo um ato de resistência. "Assim como as nossas bisavós, avós, mães, tias, primas e irmãs, buscamos continuar representando a resistência que a mulher preta e quilombola tem. Somos seres fortes, todas guerreiras, batalhadoras. Assumimos nossa comunidade e com isso somos a chama que acende a representatividade em muitas outras jovens dentro da comunidade. E fazemos isso por meio do estudo também", ressalta.
Para isso, resta agora Vera e as mulheres contarem com o gesto de solidariedade do sul-mato-grossense, que é a vaquinha no valor de R$ 28 mil. "Esperamos que essa e outras ações que ainda iremos fazer sejam todas de um sucesso absoluto. Temos esperança pois é um trabalho coletivo, pensado em prol do grupo todo. Com certeza, existem muitas pessoas que como nós também pensam no próximo", finaliza.
Quer contribuir? Basta ajudar as acadêmicas do quilombo de Furnas do Dionísio com o valor que achar necessário.
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