No tratamento da epilepsia, Theo vive melhor como “menino de ferro”
No mês de conscientização sobre doenças neurológicas, Lado B conta a história de Theo, o “menino de ferro”
Bastou um acidente aparentemente mínimo para que desencadeasse em Theodoro Gomes Coletti uma epilepsia de difícil controle. Aos 3 anos, ele caiu de costas do carrinho de supermercado e bateu a cabeça – não houve corte. Entretanto, dali em diante, suas crises de convulsão tiveram início.
"Acabamos não indo ao pronto-socorro porque avaliamos que não havia necessidade. Tinha sido 'apenas' um tombo. Mesmo assim, dormi com o Theo para observá-lo. Só foi na terceira noite que ele teve a primeira convulsão. Acordei assustada na madrugada e o levamos imediatamente à Santa Casa. Temia pela vida de meu fillho", conta a mãe Adriana Raquel Gomes Coletti, professora e jornalista de 42 anos.
Após quase 10 anos, passando por diferentes médicos, especialistas e ser diagnosticado com epilepsia focal do tipo refratária na região do lobo temporal, Theo finalmente participou de uma terapia que até o momento vem dado certo: por meio de um implante neuro estimulador vagal (VNS), agora ele não somente passou de 5 crises por noite para a média de 5 por semana, mas também se tornou o “menino de ferro”.
“O objeto se assemelha ao reator-coração do Homem de Ferro, e até fica perto do peito. Virou uma brincadeira nossa. No Instagram, criei uma hashtag para divulgar o tratamento do Theo e ajudar outros pais de crianças que sofrem com a epilepsia a também se informarem a respeito”, revela.
"Realmente, Theo sentiu uma melhora significativa na quantidade de convulsões que antes apresentava. Agora, fazemos ajustes mensais na frequência dos impulsos elétricos com a neurologista por meio de um tablet específico programável. É incrível o poder da tecnologia. Em nosso estado, existem pelo menos 10 pessoas que, assim como meu filho, também conta com a ajuda do VNS", ressalta.
A epilepsia é a condição neurológica mais comum – uma a cada 100 pessoas. A doença se caracteriza pela ocorrência de crises epilépticas que se repetem a intervalos variáveis, manifestadas por descargas anormais dos neurônios, as células que compõem o cérebro.
Segundo o neurocirurgião Newton Moreira de Lima Neto, 35 anos, existem vários tipos de crises epilépticas. "E cada uma delas com características diferentes. A mais comum é a crise tônico-clônica, chamada habitualmente de 'convulsão'. Outra, entretanto, não é reconhecida tão facilmente pelos pacientes quanto seus familiares – e às vezes até pelos próprios médicos – pois são manifestações sutis, como alteração discreta de comportamento, olhar parado e movimentos automáticos", explica.
"Em crianças, por exemplo, pode se tratar de uma breve parada da atividade que ela estava a fazer, associado ao reflexo do piscamento ou movimentos involuntários das mãos. São as chamadas crises de ausência e podem ocorrer muitas vezes ao dia de forma discreta", esclarece o médico, que possui a subespecialidade em cirurgia de epilepsia e parkinson.
Voltando à história de Theo. Ele e sua mãe retornaram à Campo Grande há 5 anos. Anteriormente, viveram na cidade de São Paulo em busca de um diagnóstico preciso e um tratamento certeiro. "Descobrimos que não havia indicação cirúrgica para o caso do meu filho e eram poucos os recursos para o tipo de epilepsia que ele apresentava. Uma delas, testamos a dieta cetogênica (baixo consumo de carboidratos), mas sem sucesso. Foi quando voltamos à MS".
Nisso, Theo também recebeu o diagnóstico da hiperplasia adrenal congênita não-clássica, uma doença rara que acomete a produção do hormônio cortisol. "Por causa de um distúrbio metabólico no seu corpo, ingerir carboidratos o fazem convulsionar. Esse problema aconteceu após o tratamento cetogênico. Para ele, ficou essa reação adversa. Não é possível por enquanto que ele se alimente normalmente, mas somente com uma dieta personalizada: sem fruta, pão, doces ou sucos, apenas proteína e legumes muito específicos, como berinjela, chuchu, jiló", relata a mãe.
Fomos a geneticista, gastroenterologista, alergista… tudo em busca da relação entre alimentos e convulsões".
Com o filho doente e viúva do marido, Adriana se tornou mãe solo que permanece nas salas de aula. "Apesar de ter reduzido a carga horária como professora, não posso parar de trabalhar. Recentemente, o juiz negou fornecimentos de três dos cinco medicamentos que o Theo toma. Se não for eu correr atrás, quem vai?", lamenta.
Mesmo com as adversidades, ela tirou boas lições nessa caminhada conjunta ao lado de Theo "A primeira delas é dolorosa. Somos tratados como clandestinos. Que epilepsia é coisa do 'diabo'. Estamos marginalizados pois em nossa sociedade não há inclusão ou acessibilidade para pessoas que vivem com algum quadro atípico de saúde", considera.
"Mas pelo Instagram é o lugar que recebo 'conforto'. Vários comentários incentivo e apoio, além de diversos agradecimentos por eu estar lá, contando a minha história, a de meu filho e informando. Amo fazer isso porque ao mesmo tempo que ajudo também sou ajudada. É incrível poder aliviar a dor dessas mães simplesmente dizendo que as entendo perfeitamente", admite.
Temos um caderninho de oração com cada nome das mães e dos seus filhos À noite, antes de dormir, eu e Theo oramos por esses amiguinhos. Não somente uma forma de praticar a fé, mas um ato de empatia".
Espalhando conhecimento, Adriana acabou se tornando embaixadora sul-mato-grossense de uma associação dedicada a desmistificar a epilepsia. "Conversando com diversas mães na mesma situação que nós, nosso perfil no Instagram ganhou repercussão e até a Associação Brasileira de Epilepsia de São Paulo me convidou para ser embaixadora aqui no estado. Aceitei para mostrar que epilepsia não é contagiosa muito menos significa carregar possessões demoníacas, porém demoníacas ensinar a como socorrer pessoas que sofrem de convulsões", encerra.
Atendimento – O neurologista Newton revela que, no momento, está sendo implantado um centro voltado para questões associadas à epilepsia aqui na Capital. "Será um ambiente multiprofissional e dotado de exames como o vídeo eletroencefalograma, item indispensável para caracterizar e diagnosticar alguns tipos de crises refratárias e direcionar a melhor forma terapêutica, seja ela clínica, canabidiol ou mesmo cirúrgica. Para nós da comunidade médica, o acesso ainda é difícil para toda a população", opina.
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