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Comportamento

Para quem não tem quase nada, esperança já serve de “presente”

Quando o assunto é solidariedade, a favela do Mandela só conta com a própria sorte; mesmo assim, a esperança é a última que morre

Raul Delvizio | 25/12/2020 07:25
"Aceitamos todos os tipos de doação" (Foto: Silas Lima)
"Aceitamos todos os tipos de doação" (Foto: Silas Lima)

Nesta época do ano, é muito comum presentear e ser presenteado – uma sensação de que o dia do Papai Noel realmente chegou. Mas… e aqueles que só podem contar com a solidariedade do "bom velhinho", o que resta a se fazer quando ela não vem?

A nossa esperança é a última que morre. Afinal, se ela acabar, a gente não tem mais nada".

É na "sorte" de ganhar algum presente de qualquer "Papai Noel" perdido por aí que vivem os moradores da favela do Morro do Mandela, localizada ao longo da rua Elmira Ferreia de Lima, região do bairro Isabel Garden. Quem disse a frase destacada acima foi Greiciele Naiara, de 26 anos. Além de ser dona de casa e mãe de 3 filhos pequenos, ela é a "presidente não-oficial da comunidade" respeitada por todos ali.

Com geladeira vazia, Natal só depende da sorte de caridade (Foto: Silas Lima)
Com geladeira vazia, Natal só depende da sorte de caridade (Foto: Silas Lima)
Aqui, algumas doações de roupas (Foto: Silas Lima)
Aqui, algumas doações de roupas (Foto: Silas Lima)

Mais conhecida como Greici, bateu um papo com o Lado B há poucos dias do Natal, mostrando que é necessária muita esperança para sobreviver em meio à tanta pobreza, à tanta dificuldade e descaso com que ali habita. Para a equipe de jornalistas, abriu às portas da favela do Mandela, sendo a "guia contratada" nas vielas entre os barracos exprimidos.

"Como vai ser o Natal de vocês?", pergunto à ela. "Realmente não sei. Vamos ter que esperar o dia chegar para ver se algum milagre acontece. Porque neste ano… não deu, não", afirma Greici sobre as doações que costumam receber anualmente, mas devido à pandemia do novo coronavírus, este ano não chegaram.

Favela do Morro do Mandela conta hoje com 175 famílias (Foto: Silas Lima)
Favela do Morro do Mandela conta hoje com 175 famílias (Foto: Silas Lima)
Nas vielas, barracos dividem espaço – vizinhança unida na vontade de vencer na vida (Foto: Silas Lima)
Nas vielas, barracos dividem espaço – vizinhança unida na vontade de vencer na vida (Foto: Silas Lima)

Não chegaram, inclusive, muito antes do dia de Natal. "Só recebemos roupas e brinquedos para as crianças, mas isso já faz um bom tempo. Alimento de verdade não veio. Mas tudo bem, a gente aqui sempre se vira nos trinta", disse. "O importante é a saúde. Quem pegou esse tal de corona se livrou dele rapidinho trancado em casa. Por aqui, pelo menos, continuamos todos vivos", agradece.

Greici explica que este foi um dos anos mais difíceis que já viveu na comunidade – e para todos os seus vizinhos também. No Natal retrasado, teve até quem perguntasse o que os moradores queriam receber de doação; assim como na mesma época do ano passado, quando a ceia natalina também não faltou para ninguém. Porém, com o vírus à espreita, muita gente desistiu de fazer as doações ao longo de 2020, muito menos de levá-las até a favela.

Criançada brinca a soltar pipa (Foto: Silas Lima)
Criançada brinca a soltar pipa (Foto: Silas Lima)
"Eu realmente acredito que dias melhores virão" (Foto: Silas Lima)
"Eu realmente acredito que dias melhores virão" (Foto: Silas Lima)

"E o que a comunidade gostaria de ser presenteada neste Natal?". Resposta na ponta da língua: "telha nova e cesta básica para todo mundo", admite Greici. É fácil de entender: o primeiro item é para resguardar da chuva e ventania aqueles que ainda não perderam completamente o seu barraco por conta do clima. Infelizmente, este não foi o caso de Elaine Zandomenighi, de 30 anos. Há 15 dias atrás, sua casa simplesmente voou.

"Destelhou tudo e o barraco foi ao chão. Ainda bem que ninguém se machucou", comemora com um semblante triste. Agora, a dona de casa está morando junto da sua irmã Elenir, também moradora da favela do Mandela. Sobre o seu Natal, nem precisa dizer que não vai ter. "Quem sabe na minha irmã. Mas a coisa está apertada. Tudo foi acontecer junto nesse finalzinho de ano, não tem muito o que celebrar".

Tristeza de Elaine tem motivo: ela perdeu tudo o que tinha na última chuvarada (Foto: Silas Lima)
Tristeza de Elaine tem motivo: ela perdeu tudo o que tinha na última chuvarada (Foto: Silas Lima)
Eis como ficou o barraco de Elaine depois da chuva e ventania forte (Foto: Silas Lima)
Eis como ficou o barraco de Elaine depois da chuva e ventania forte (Foto: Silas Lima)

Porém, como forma de agradecimento, vai segurando as pontas dos seus dois filhos pequenos. "Tenho um de 5 anos e outro de 11 meses. São eles que me motivam a sorrir ao fim do dia. Por causa deles, desistir jamais", garante.

Com relação ao segundo item – cesta básica – só de ter arroz e feijão na mesa já bastaria. Para alguns, o menu da ceia natalina estaria pronto dessa forma. É como Sandra dos Reis Araujo, de 32 anos, prefere pensar. Porém, "a coisa tá difícil".

"O 'dinheiro' da diária não veio, então a gente vai ter que se virar com o que temos", confessa a diarista, dona de casa e mãe de 7 filhos para criar, 5 de barriga e outros 2 adotivos. "O que eu poderia ter recebido na faxina ajudaria pelo menos a comprar alguma coisa especial para todos eles, mas está difícil arrumar serviço por aí".

Para Sandra, basta ter arroz e feijão na mesa que o menu natalino está completo (Foto: Silas Lima)
Para Sandra, basta ter arroz e feijão na mesa que o menu natalino está completo (Foto: Silas Lima)

Entretanto, pessimismo não combina muito com ela, não. "Quem sabe no dia, mais tarde, a gente não seja convidada por alguém, por algum vizinho ou outra casa aí?", brinca. E logo em seguida acrescenta: "não é só de pão – ou chester – que se vive o homem. Tendo arroz e feijão na panela já está ótimo. O que importa é ter saúde, o resto a gente corre atrás. E tenho a certeza que Deus ainda irá nos prover. Dias melhores virão", diz com um sorriso no rosto.

Na família de Sandra, todo mundo tem algum motivo para sorrir ao final do dia (Foto: Silas Lima)
Na família de Sandra, todo mundo tem algum motivo para sorrir ao final do dia (Foto: Silas Lima)

Na favela do Mandela, o sonho de Natal ou em qualquer época do ano é compartilhado: ter uma casinha própria para morar. Mas enquanto isso não se realiza – "por abandono dos governantes", Greici torce o nariz – ela reza para que pelo menos qualquer doação de última hora chegue para as 175 famílias que moram na comunidade. "Falta 75 famílias para serem atendidas, as outras 100 já conseguiram alguma coisinha para o dia 25", numera de cabeça a "presidenta".

Mas lá nem tudo é tragédia. E Greici faz questão de avisar isso ao jornalista: "por aqui não faltam motivos para sorrir. Sobrevivemos ao covid, às chuvas, à fome, à vida. Podemos não fazer a nossa festinha de Natal, mas isso não significa que a magia foi perdida, pois cada um conta com a sua graça pessoal".

A esperança é o que nos move", finaliza Greici.

Filho de Elaine, menininho é um dos habitantes do Mandela (Foto: Silas Lima)
Filho de Elaine, menininho é um dos habitantes do Mandela (Foto: Silas Lima)

Doe – O grupo AME (Amparo Move a Esperança) já possui 2 anos de atividades educacionais às crianças por meio de professores voluntários nas manhãs e tardes. Na pandemia, porém, foi decidido interromper os reforços por tempo indeterminado. Mas a entidade ainda está a receber doações.

A favela do Morro do Mandela, assim como o grupo AME, ficam ao longo da rua Elmira Ferreia de Lima, entre as ruas Manoel Moreira e Pedro Batistote, no bairro Parque Isabel Garden, caminhos para o Jardim Presidente.

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Doações de brinquedos já foram feitas... agora só falta a da ceia natalina (Foto: Silas Lima)
Doações de brinquedos já foram feitas... agora só falta a da ceia natalina (Foto: Silas Lima)
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