Personagem do Centro, Sabiá achou aliança no bolo, mas anda desiludido com amor
Ele teve a sorte de achar anel dentro do tradicional bolo de Santo Antônio e foto ficou famosa nas redes sociais
Antônio Pereira da Silva, o Sabiá, é personagem do Centro de Campo Grande que teve a sorte de encontrar uma aliança no bolo de Santo Antônio, distribuído na igreja matriz. A fotografia em que ele aparece sorridente repercutiu nas redes sociais com pessoas comentando sobre o perfil do homem que há anos vive batendo perna pelas ruas da cidade. Mas o anel não anima o homem que se diz desiludido com o amor.
Quem não o conhece, se depara com uma pessoa arredia. Ao tentar falar com Sabiá pela primeira vez, ele vira as costas e sai andando como se o papo não fosse com ele. Em outro momento, só aponta a caixinha de papelão que fica na calçada com o recado "Ajude o Sabiá", e em troca retribui os trocados num ritmo de uma nota só com violão surrado, todo remendado com fita adesiva, para manter a estrutura que ainda resta do instrumento.
Apesar de um aparência tão desgastada pela rua, Sabiá é um homem cordial com as crianças e as pessoas mais velhas. Uma resposta às perguntas de um comerciante da rua é a prova de que o homem fala. Mas com apenas um dente na boca, pouco se entende do que ele tenta dizer.
Para desvendar quem é o Sabiá, que também carrega consigo um sacolinha de remédios e curativos, temos que recorrer aos amigos.
O empresário Gelásio Lani, de 56 anos, diz que conhece Sábia há pelo menos duas décadas. "Ele é muito sabido. Conquistou todo mundo desse Centro e a maioria das coisas que ele tem, ganhou de pessoas muito próximas daqui", conta.
E não é todos os dias que Sábia exibe o violão por aí. "Tem dias que ele guarda na minha loja, depois passa lá e pega. Sempre que estraga, a gente procura dar outro violão pra ele, vive pelas ruas tocando seu samba de uma nota só".
Na manhã desta quinta-feira, o encontro com o amigo foi no tradicional Bar do Zé na Barão do Rio Branco onde Sabiá já tinha tomado quatro garrafas de cerveja. Rotina que tem deixado Gelásio preocupado, principalmente, porque o homem está com uma ferida enorme no tornozelo esquerdo. "Já pensamos em levá-lo no hospital, mas a gente conversa e ele não quer. Com a cerveja as coisas pioram".
Quem o conhece, até evita dar dinheiro para que não gaste com bebida. "Mas no bar as pessoas pagam e ele toma do mesmo jeito. O que nos preocupa é essa perna, precisa ser tratada, mas ele é teimoso", diz o amigo.
Na tentativa de aliviar as dores, uma comerciante na Barão do Rio Branco é quem faz, todos os dias, o curativo. "Ela cuida dele com muito carinho", relata.
Gelásio recorda que Sabiá chegou no Centro ainda com cara de menino. "Pedia dinheiro para as pessoas, gostava de tocar violão e assistia aos desfiles. O amor dele por Campo Grande é tanto, que chega a desfilar três vezes no 26 de Agosto".
Ao ouvir as palavras do amigo, Sabiá interrompe: "Ganhei lá na Igreja Santo Antônio", mostrando a aliança encontrada ontem na fatia do bolo de Santo Antônio. Gelásio brinca que agora ele vai arranjar um noiva, mas Sabiá discorda e lembra de uma moradora de rua que recentemente levou dele um sacolão que havia ganhado. "Roubou minha comida e meu casaco de couro", reclama, indicando que não quer saber de mulher nenhuma mais ao lado.
Sobre a família, ele mesmo não confirma e nem desmente nada. O que os amigos sabem é que ele dorme todos os dias em um quartinho, no bairro Guanandi. De ônibus, ele chega por volta das 7h30 no Centro. "E só volto pra casa à noite", completa.
Gelásio diz que há alguns anos, tentou levá-lo até a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) para que recebesse assistência. "Mas ele fugiu e não quis ser atendido de jeito nenhum".
Tudo que tem aprendido, veio das ruas. "São os amigos que acolhem e sabem que ele é uma pessoa de bem. Ele melhorou muito, antigamente, quando eu o levava para almoçar, ele apertava o bife e os ovos com a mão. Com o tempo aprendeu a comer direitinho", diz Gelásio, embora Sabiá lembre de momentos confusos onde não conseguia dominar as emoções. "Queria bater no garçom", lembra.
Além da música, Sabiá gosta mesmo é de churrasco e festa. Quando confia em alguém, não mede palavras para uma boa conversa. "Com a gente ele fala de tudo, fica horas me olhando engraxar sapato", diz o engraxate Josias de Oliveira, de 54 anos, que há quatro décadas exerce a profissão na Barão do Rio Branco.
O locutor Luiz Bento, de 55 anos, também faz questão de defender o amigo. "Aqui ninguém deixa alguém fazer maldade com ele. Às vezes as pessoas olham torto, mas ele é uma pessoa de bem e só precisa de ajuda. Somos a família dele no Centro e ele o nosso filho".
Questionado sobre a idade, Sabiá tira da sacolinha uma identidade emitida em 2014, que revela 52 anos de vida, mas sem identificação dos pais.
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