Quando Ernesto morreu, deixou de presente o pôr do sol mais lindo que ele já viu
Depois de muita caminhada, a chegada ao topo do morro é um presente. O olhar cruza com o melhor de Campo Grande voltado para o sol. A beleza vista do alto se torna um prêmio pelas horas de esforço durante a subida ao Morro do Ernesto, nome para lembrar o ex-dono da propriedade, que na partida deixou de presente o pôr do sol para muita gente que hoje explora o lugar em trilhas, acampamentos e saltos com parapente.
Pai de 11 filhos, avô de 25 e com 15 bisnetos, Ernesto era um homem forte, mostrava isso no braço e nas horas incessantes de trabalho. O jeitinho ranzinza pedia responsabilidade aos filhos, mas ele nunca deixou de lado o carinho de um pai amável.
Quem conta é o filho, Renato Campagna, de 30 anos, que chora quando sente a saudade chegar. "É que é difícil não sentir falta da força que ele tinha, ele amava tudo aqui e as vezes, a gente lembra do sorriso, do jeito que ele nos chamava, das horas ali em volta da mesa com a família toda reunida", conta, limpando os olhos iluminados pelas lágrimas.
Ernesto é filho de pais italianos que chegaram ao Brasil no início do século passado a trabalho. Nasceu no Rio Grande do Sul, mas cresceu em fazendas daqui, ao lado dos pais.
Naquela época, Ernesto começou a trabalhar logo cedo, com 14 anos, como capataz de fazenda. Quando o pai se despediu da vida, deixou uma pequena herança ao filho que em pouco tempo conseguiu crescer. "Ele herdou 2 carros de boi, naquela época valia muito, sei que ele foi para a região do Taboco, próximo a Rochedo. Trabalhando, conseguiu comprar a primeira fazenda, era pequena, mas formou ali a vida", lembra.
Ernesto Campagna acabou fazendo história na região. O filho conta que o pai doou parte da fazenda para construção do distrito de Taboco, também foi vereador em Corguinho e depois de um tempo resolveu comprar 5 fazendas perto de Campo Grande, entre elas, a Córrego Limpo, onde fica o Morro do Ernesto.
"Antigamente, a estrada não ia até a fazenda, meu pai batalhou pela estrada e trabalhava na produção de leite na região. Quando chegou, acho que nem ele tinha dimensão do que tinha ali. Tinha uma trilha pequena e foi subindo que ele acabou descobrindo e decidiu colocar o nome de Morro do Ernesto", conta o filho.
A propriedade tem 914 hectares e um morro de 180 metros de altura. Na primeira vez que viu o topo, seu Ernesto enfrentou uma trilha de 8 km de mata fechada. Quando avistou a paisagem, a ligação com o lugar ficou ainda mais forte. Os anos seguiram entre subidas e descidas. "Era uma vista incrível, aliás continua, eu lembro que meu pai ia muito lá em cima. Houve muitos momentos incríveis. A gente brincava muito. Lembro que cheguei subir até de cavalo. Para criança toda aventura é divertida né", diz o filho.
O lugar acabou se tornando cenário para grandes histórias, não só da família. Antes, quem chegava podia entrar. Agora o acesso é limitado pelos novos proprietários.
Nas fotografias, são poucos os registros lá de cima, uma delas foi feita há cerca de 20 anos com Ernesto e os filhos. O restante está na memória. "Meu pai era muito ligado à família, tinha um amor imenso pelos netos. Natal na fazenda era para mais de 60 pessoas. Todo mundo tinha que estar junto, ali em volta da mesa", conta.
Renato lembra de um pai conservador, de jeito sistemático de ser, mas sempre de boas amizades. Quando um grupo de pessoas que praticavam voos de parapente descobriu o morro, Ernesto não exitou em dar permissão e a subida estava sempre garantida. "Eles chegaram a criar uma associação com pessoas que decolavam. Lá em cima, construíram uma churrasqueira, banheiro e até colocaram uma cesta de basquete. Era o conforto para quem sempre subia e passava horas lá em cima", conta.
Além dos praticantes do esporte, grupos religiosos, amigos, escoteiros, muita gente já aproveitou o lugar que com o tempo ganhou trilhas mais abertas para subidas com caminhonetes. "Chegou a ter luau lá em cima e muitos casais batiam ali na porteira pedindo autorização para subir e contemplar a lua cheia. De cima, a lua fica tão bonita que parece que está pertinho da gente", narra.
Nas memórias do filho, o lugar abençoado sempre foi a paixão que o pai nunca quis largar. "Ele não gostava da cidade, a vida dele sempre foi a fazenda. Era conhecido pelo trabalho, pela força e foi isso que os filhos herdaram desde criança", diz.
Próximo da natureza, Ernesto sempre foi um homem cheio de saúde e a despedida veio repentina, após uma parada cardíaca que teve dentro de casa. "Meu pai era um homem forte, sofreu uma parada e faleceu no hospital. Apesar da idade e de compreender que os pais se vão, ele é alguém que hoje faz muita falta", lembra.
Quando Ernesto partiu, ficou para os filhos as terras de herança. De todas as fazendas, a Córrego Limpo acabou sendo vendida. Renato não comenta muito, mas apesar da tristeza no olhar, afirma que foi a decisão correta. "São muitos filhos e a gente decidiu que o melhor era vender", resume.
Lugar incrível - O começo da aventura até o morro fica a poucos quilômetros da Cachoeira do Inferninho. No caminho, a paisagem encanta e o verde é de deixar qualquer um inspirado durante um fim de tarde qualquer.
A fazenda hoje pertence a outro dono, mas não perdeu a história, o nome e nem o encanto. Agora, só tem o privilégio de aproveitar a paisagem do alto do morro, quem tem autorização.
É uma caminhada longa, apesar de parecer pouco, são 35 minutos contados no relógio. Carro baixo não chega ao topo, o jeito é estacionar no inicío da estrada e seguir a pé. Entre as dificuldades, o cansaço toma conta logo nos primeiros minutos.
Mas a experiência vale todo o esforço. Na chegada, lá em cima, o nascer do sol é lindo, mas o pôr do sol é incrível.
Abaixo algumas fotografias durante passeios do Sopa de Pedra Turismo e Aventura ao Morro do Ernesto.
Confira a galeria de imagens: