Racismo faz mulherada negra perder fé até em relacionamento amoroso
Hora de ser apresentada para família do namorado branco é traumática, isso quando eles têm coragem de oficializar relação
Das dores e alegrias de ser uma jovem branca, de classe média, que viveu a infância em uma família, mesmo aos trancos e barrancos, eu sei dizer. Como milhares de outras meninas, sofro com o machismo todos os dias, opressor e ditador de regras. Mas é só isso que posso contar como mulher.
Ontem, durante evento do Dia da Mulher Negra, descobri que ser mulher branca é até fácil, me vi como privilegiada, diante das decepções da mulherada preta, inclusive, em relacionamentos amorosos. Ainda hoje, o dia de conhecer a família do namorado branco faz uma negra tremer.
Não é segredo nenhum que os corpos delas são sexualizados de maneira desrespeitosa. Corpos que carregam um histórico de estupros por homens brancos, fetichização na mídia, em festas populares como o Carnaval e preconceito pela sensualidade que "serve pra uma noite só". Não é a toa que foi difícil ali encontrar mulheres que já haviam vivido relacionamentos de respeito.
Anna Beatriz, de 22 anos, é um destes casos. "Dos poucos relacionamentos que tive, nenhum foi o suficiente para eu querer me assumir como namorada. Falando em relacionamento interraciais a cor da minha pele impacta. Os dois têm que ter muita coragem para se assumir e eu não sei até que nível eu estou disposta a isso, e nem um possível parceiro meu", diz ela.
E tem mais, para ela vale dizer que não é fácil nem mesmo assumir relacionamento com um homem que tenha o mesmo tom de sua pele. "Porque pra ele também é mais fácil se relacionar com uma branca. É mais bonito e chega a ser motivo de orgulho, algumas vezes, apresentar uma namorada branca para a família".
A poeta Afrodite, de 20 anos, consegue ver essa problemática além de seus relacionamentos. "No meu lar tenho minha mãe como referência de mãe e pai, e muitas vezes as mulheres negras são a única estrutura de seus filhos. Sempre me perguntei o porquê da ausência e tem a ver com a solidão da mulher negra. Consigo enxergar que hoje a ausência afetiva deve ter sido dolorida pra ela e como isso reflete em nós, que somos sempre preterida na vida", comenta ela.
A respeito de suas vivências ela é categórica: "A pessoa negra vai sair sempre machucada em relacionamento interraciais, vai doer sempre mais pra ela. Como mulher, a gente é sempre trocada por uma mulher branca, o que nos faz refletir se não merecemos ser amadas ou se devemos aprender a lidar com a objetificação porque gente é vista como objeto sexual".
Luciana Ferreira, de 26 anos, fala de duas experiências, o primeiro casamento com um homem preto e o segundo e atual casamento com um homem de família branca e pele mais clara. "Você nota a diferença por mais que a família do meu atual esposo não seja racista. Era mais fácil o tato com a família do meu ex-marido, pai da minha filha, era bem aceita. O impacto que nós causamos ao chegar em uma família, eu uma negra, tatuada, de cabelo solto crespo".
Hoje em dia elas não sofrem mais com isso, mas no passado, quando a informação não era tanta, doía sim. "Hoje a gente entende e sabe lidar, responder à altura. Mas assumo que no passado isso me machucou em vários momentos. Ontem mesmo um cara chegou pra mim e disse: 'nossa, você é negra e é linda', e eu respondi: 'o que é que tem a ver?'''.
Mesmo tendo uma história bonita pra contar, Luciana viveu momentos em que não era assumida nem mesmo por parceiros negros, mesmo caso de Anna. "Você é sempre aquele rolinho de depois da festa, o 'eu sou resevado', 'te pego mais tarde, meia noite' e ele nunca fala em namoro. Aí depois que você termina com ele você vê ele com uma branca na rua. Isso a gente nota pelos famosos negros quando ficam ricos, escolhem uma branca".
Para elas a solução é se fortalecer nos seus iguais. "Dividir essas vivências, se fortificar, saber lidar e conseguir dividir com pessoas que passam pelo mesmo que você", completa Afrodite.
Direto de Cabo Verde, as amigas Bruna Monteiro e Delnice Rocha que estão no Brasil para estudar, disseram nunca ter passado por nenhuma situação diferente porque em seu país de origem a cor da pele preta é maioria. "Então é todo mundo igual", diz Bruna.
Em Campo Grande nenhuma das duas chegou a se relacionar mais intimamente com um parceiro mas ao se depararem com a discussão e com as diferenças sociais no Brasil, ficaram até um pouco chocadas. "Eu espero que se acontecer comigo eu tenha a força de não me submeter a essa situação. Se eu notar que um homem não vai me assumir espero conseguir enxergar isso e ir embora mas sei que na prática é difícil enxergar sob a ótica de quem está fora do relacionamento", completa Delnice.