Relação com Pantanal fez Guilherme e os filhos terem “olhares de guardiões”
Amor do músico Guilherme Rondon pelo Pantanal é maior herança dos filhos e netos
A vida do músico Guilherme Rondon é privilegiada. Ele é famoso, tem estabilidade financeira e herdou uma fazenda em um dos lugares mais valorizados do País. Só que mais do que dinheiro, o privilégio maior está em viver no meio do Pantanal. Ele poderia morar na cidade, em um condomínio de luxo, mas escolheu ter um dos ícones naturais do mundo como quintal. A decisão impacta até hoje os filhos e coloca delicadeza no olhar dos netos.
Para quem não sabe o músico é nascido em São Paulo, mas chegou ao Mato Grosso do Sul com um mês de vida. Foi criado no Pantanal onde a família Rondon tinha propriedade. “A ligação é ancestral, todos tem uma relação muito forte com a região”, descreve o músico.
Guilherme viveu lá até os oito anos, depois se mudou para São Paulo com a família, na juventude foi se dedicar aos estudos, formou-se em Engenharia Civil e enfiou-se na música. “Tiro” certo que já lhe rendeu gravação de oito discos e um DVD, este todo gravado no Pantanal.
Hoje a vida é ligada a pousada Barra Mansa, dentro da fazenda da família. É lá que Guilherme vive com a esposa Cláudia Medeiros, com quem é casado há 23 anos e tomou a coragem de enfrentar as consequências de uma rotina pautada pelo desapego, como ficar de novembro a junho ilhado, numa região que só se chega de barco ou canoa por causa da cheia.
Mas a infância na região também foi crucial para despertar no músico, hoje com 65 anos, o fascínio pela natureza e a vida selvagem, capaz de definir sua felicidade. “Viver no Pantanal é ter outra visão de mundo e ser pantaneiro é um estado de espírito. Por conviver com isso desde pequeno, tudo está dentro mim”, descreve Guilherme.
Foi alfabetizado pela mãe que também lecionava para os funcionários da propriedade. Teve o pé de árvore como melhor balanço, as águas do rio como piscina, os animais também como amigos. Detalhes que transformaram seu jeito de ver o mundo, sem a mínima vontade de seguir à risca os padrões de uma vida comum. “É um bom lugar para viver e fazer música, talvez ruim para tocar a carreira diante da distância, mas para produzir é muito bom. Inclusive, os meus três últimos discos, praticamente, foram gravados lá”, se orgulha.
Diferente dos pais, os três filhos de Guilherme não moram na fazenda, mas esse contato com o Pantanal desde a infância trouxe respostas na vida adulta que influenciaram nas escolhas para um mundo melhor, descreve a filha Mariana Rondon, de 39 anos, formada em Ioga, Biologia e hoje funcionária pública na área de Inovações Sociais.
“Eu vou para o Pantanal desde pequena, ele sempre faz parte da nossa vida, principalmente, minha e do Daniel, meu irmão. Então quando se conhece, você ama e se preocupa ainda mais em cuidar. Cresci com uma sementinha plantada e minhas escolhas sempre foram voltadas para a conservação do meio ambiente, preservação histórica e cultural das comunidades pantaneiras”, conta Mariana.
Ainda jovem Mariana já trabalhava com o pai na pousada e passou fortalecer o conceito de ecoturismo na região. “Sempre pregando a preservação ambiental”, enfatiza. Hoje, ela acredita que todo privilégio da infância tem valor único dentro da família. “E não é financeiro, não é porque minha família tem uma fazenda, mas é porque o meio ambiente sempre será uma ferramenta de educação”.
Na infância ninguém percebia, mas hoje Mariana percebe que a natureza ensinava. “E até hoje ela ensina”, ressalta. “Essa consciência preservacionista é que ficou na gente. É uma referência que, mesmo não morando lá, levo como olhar de guardião em qualquer lugar do mundo”, acrescenta.
Ativa no desenvolvimento de projeto de turismo sustentável na Capital, Mariana ainda destaca que apesar do privilégio de ter o Pantanal em sua vida, ela acredita que isso pode ser ensinado dentro da cidade. “Independente de ter o Pantanal ou não, ter contato com a natureza faz você escolher caminhos com esse ideal, de cuidar, amar e preservar. E isso a gente pode fazer aqui dentro de Campo Grande”, ensina Mariana.
O filho Daniel Rondon levou as referências pantaneiras para o dia a dia. Formou-se em Turismo, é dono de uma agência e trabalha como guia em cavalgadas pelo Pantanal. Mas o que ele mais percebe é a semelhança do homem pantaneiro em seus valores e modo de ver o mundo. “Porque a cultura e o modo de ser do homem pantaneiro é muito característico. O jeito de olhar, a amizade e paciência. O pantaneiro é muito mais observador e ao mesmo tempo uma pessoa hospitaleira. Isso me influenciou muito”.
O contato com a natureza lhe despertou características ainda mais motivadoras. “Quem vive no Pantanal é bastante humilde e perspicaz, ao mesmo tempo inteligente pela observação da natureza e comportamento animal, isso também inspira, motiva”, avalia.
Para o pai, o orgulho é ainda maior ao ver o que o Pantanal foi capaz de ensinar. “O gostoso nessa história é que meus filhos pegaram esse amor. É o meu maior orgulho. A família mantém para que isso seja perpetuado com os netos”.
O lugar é de uma riqueza imensurável. E fica ainda mais belo quando narrado pelo olhar de uma criança, conta o avô que recorda a descrição de uma das netas que morou fora do País. “É uma história engraçada, sempre me emociono quando lembro que uma das minhas netas foi morar na Nova Zelândia. E quando começou a ser alfabetizada perguntaram na escola como era a casa do seu avô. Ela descreveu com cavalos, jacarés, capivaras, pista de avião, tudo do jeitinho dela”, narra Guilherme.
As fotografias valem interpretações diversas ligadas à alegria de viver em contato com a natureza. Nas primeiras fotos, Mariana mostra a infância ao lado do irmão nos primeiros na beira dos rios. Mas até hoje, ela, o irmão, os filhos e os sobrinhos não poupam diversão toda vez que visitam a fazenda.
Praticantes de stand up paddle, uma modalidade de surfe com remo, Mariana e a família aproveitam os rios para a prática do esporte sem nenhum impacto à natureza. Guilherme, inclusive, também demonstra que a prática está na família há anos, ao revelar uma foto do final da década de 80 com ele e Almir Sater em uma canoa, remando sobre o rio.
Se há espaço ou pôr do sol mais bonito que o do Pantanal ele desconhece. E hoje, não espaço que ganhe seu coração como a região Barra Mansa conquistou desde pequeno. “Economicamente, não vou mentir, é muito difícil manter. Mas o nosso maior lucro é poder estar lá, preservar, junto à família. Isso permite a gente continuar uma história, principalmente, porque é um lugar bom para envelhecer, comparando a cidade”, declara.