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Comportamento

'Salvar' 1 milhão de processos é desafio com poeira centenária

Setor do TJMS tem resgatado documentos que estavam ‘esquecidos’ no interior

Por Aletheya Alves | 06/05/2024 06:49
Processos precisam passar por etapas de limpeza. (Foto: Henrique Kawaminami)
Processos precisam passar por etapas de limpeza. (Foto: Henrique Kawaminami)

Escondidas em meio a 1,5 milhão de processos do Interior, histórias reais contam como muita gente de Mato Grosso do Sul parecia não ter importância nenhuma para a Justiça no passado e que, com o passar do tempo, começaram a ser vistas como pessoas. Mas, para ter esse conhecimento e não ver os relatos desaparecerem com incêndios e alagamentos, quem trabalha no setor do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) responsável pela área precisa, antes de tudo, enfrentar muita poeira e se empenhar para entender a escrita dos séculos passados.

Com as proteções necessárias, o estagiário de História, Eduardo Henrique Castrioto, passa horas empenhado em entender de que se tratam os processos que chegam às suas mãos. Antes dele, são os menores aprendizes responsáveis por tirar toda a poeira e sujeiras com auxílio de pincéis e uma máquina aspiradora.

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Acho que o que mais me chama atenção é ver como algumas pessoas pareciam não ter peso, importância para a Justiça. Já vi processos de antes da abolição (da escravatura), por exemplo, e saber que isso mudou com o tempo é algo que impacta", relata Eduardo.

Outro ponto interessante destacado por ele é entender como os julgamentos funcionavam e a forma com que as “penas” eram escolhidas. Exemplo disso, eram as mulheres que, de alguma forma, sofriam violência sexual e, ao invés de serem ajudadas, muitas vezes eram obrigadas a casarem com seus agressores.

Tomando os casos exemplificados por Eduardo, entender o que mudou e o que permanece no cotidiano de Mato Grosso do Sul através de histórias reais é um dos motivos que impulsionam quem trabalha no departamento de Memória e Gestão Documental do TJMS. E, para enfrentar poeira e sujeiras de mais de um século, é realmente necessário muito empenho.

No setor, mais de 40 pessoas trabalham sob a diretoria da servidora Zeli Paim (que teve sua história contada aqui no Lado B). E, além da parte de limpeza dos processos antigos, até o resgate desses documentos precisa ser feito.

Zeli detalha que, hoje, o arquivo guarda, principalmente, processos do Interior já que a comarca de Campo Grande tem seu próprio arquivo. Documentos com valor histórico da Capital estão no departamento, mas, em geral, são os papéis que estavam ‘esquecidos’ nas outras comarcas é que vêm para cá.

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O objetivo é trazer todos os processos históricos do Interior para cá, por isso estamos indo de comarca em comarca, fazendo avaliação dos arquivos. Uma das principais coisas que temos notado é que muita coisa já se perdeu ou pode se perder, isso porque por muito tempos nossos servidores não sabiam como fazer a manutenção correta desses processos", diz Zeli.

Além da poeira acumulada durante o tempo, cidades que já tiveram incêndios na área próxima aos arquivos, que foram alagadas ou passaram por outras situações imprevisíveis acabaram perdendo parte de sua história processual.

Por isso, várias caixas têm sido transportadas para Campo Grande e, conforme Zeli explica, o número de processos físicos devem chegar a 2,5 milhões. Do número total, cerca de 400 mil já foram tratados.

“Nós fazemos essa manutenção com todos os processos físicos, eles foram impressos até 2011 e, depois disso, começaram a ser digitais. Então, temos um setor que cuida dos documentos mais históricos, esses que eram muitas vezes manuscritos e que precisam de uma limpeza especial, e outro que é responsável pelos mais recentes, já impressos.”

Outro ponto destacado pela diretora é que institutos históricos também podem entrar em contato com o TJMS caso tenham processos importantes ou outros documentos que contribuam. Isso porque, no fim das contas, o objetivo é disponibilizar a história do Estado para a população.

Exemplo de um dos processos manuscritos que chegam ao TJMS de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
Exemplo de um dos processos manuscritos que chegam ao TJMS de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

“Nossa equipe é muito empenhada, desde os aprendizes até estagiários e servidores. Temos muita sorte porque são pessoas que querem fazer parte disso, então a gente tem até servidores que estão ampliando as discussões dos processos, fazendo relação com a Filosofia e queremos disponibilizar isso”, diz a diretora.

Hoje, quem quiser ter acesso aos documentos pode ir até o TJMS, no Parque dos Poderes, e solicitar o que necessita. Mas, com o passar do tempo, a ideia é digitalizar todos os documentos para que a consulta seja mais fácil.

Por enquanto, apenas parte dos processos passaram por essa etapa, mas já é possível consultar alguns documentos históricos. “Nós sabemos que com essas histórias reais, com os processos, nós podemos mostrar muito para a população, muitos estudos podem ser gerados. Mato Grosso do Sul é muito rico em história, mas falta compartilhar o conhecimento nas escolas, por exemplo. Então, fazendo esse trabalho, a gente acredita que as sementinhas estão sendo plantadas”, completa Zeli.

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