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Comportamento

Se as escolas abrissem hoje, você levaria seu filho em plena pandemia?

Paula Maciulevicius Brasil | 21/06/2020 10:35

O tema é polêmico e requer diálogo. Como jornalista e mãe de dois, sempre fui defensora da escola. Meus filhos foram para a creche até o último dia de funcionamento, e eu estive otimista durante um bom tempo, à espera do decreto que autorizaria (ou não) a volta às aulas. No entanto, o coronavírus não foi passageiro como eu sonhava. Está longe de cair o número de contaminados e, infelizmente, o de mortos.

As discussões em torno do tema em grupos de mães e até o levante que as escolas particulares fizeram se resumem ao plano de biossegurança. Mas, e se as aulas voltassem hoje, você levaria o seu filho?

Este é o meu menininho, que não vê a hora de sair de casa para ir à escola.
Este é o meu menininho, que não vê a hora de sair de casa para ir à escola.

Passando os olhos e os dedos pelas propostas de lives no Instagram, me deparo com a de uma escola, chamada Instituto Cooperar, que se propôs a conversar com a comunidade escolar sob o tema "O que devemos fazer e pensar antes de voltarmos às aulas?". A primeira convidada era avó de uma das alunas, a médica homeopata Silvia Nogueira Emboava.

Formada há 32 anos, Silvia começou se apresentando, falando da larga experiência que tem em participar de discussões sobre em que aspectos a medicina pode influenciar e ajudar o ser humano. A primeira pergunta foi na lata: "é o momento de reabrir, retornar com o ensino nas escolas"? A resposta dela veio com um cauteloso "não". "Acho que a gente precisa esperar. E esperar um bom tempo. Acredito que a partir de setembro a gente vai poder conversar de uma maneira mais segura para ver como voltar".

A médica contextualizou que o momento delicado mundialmente já expressa em números a situação de Mato Grosso do Sul, com relatos recebidos de que as UTI's já estão com mais de 70% de ocupação. "Isso é muito sério, eu acho que a gente vai precisar esperar, fazer o exercício da paciência. Nós estamos despreparados para enfrentar este vírus e a melhor precaução é o isolamento, e a gente sabe que numa sala, por exemplo, de 20 alunos, em dois dias são 808 comunicações", reforça Silvia.

Trabalhar o distanciamento entre as crianças no mesmo espaço, para a médica é quase impossível, pela necessidade delas do abraço e de ficar perto. "Tem todo aquele movimento do ir e vir, vamos precisar ter muita paciência e voltar com seriedade. Chegou um tempo de mudanças, vamos precisar rever nossa qualidade de vida, alimentar, de relacionamentos".

Os cuidados vistos por Silvia para uma possível volta estão na mudança da rotina escolar, que deve ser gradativa e com um número reduzido de alunos, baseada nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde. "As escolas da Europa que estão retornando estão fazendo experiências com crianças em turnos diferentes, até horário de entrada às 7h, 8h e 9h para não chegar todo mundo no mesmo horário. A questão do uso de máscara dependendo da idade, tem o sapato, vai chegar com um sapato, entrar com outro? O que a gente tem que seguir é aquilo que está sendo estudado, que é a ciência".

A médica também fala sobre dar um passo atrás e experienciar o novo momento, além de pesquisar e ler sobre as experiências de países que estão à nossa frente da pandemia. "Precisamos estimular este instinto de pesquisador que as crianças tanto têm, e os adultos têm que voltar a ser criança, voltar a experimentar, a pesquisar, a ouvir mais. Nós exigimos muito da gente, de já ter uma solução, e ficamos muito assustados com o enfrentamento do mundo e querendo achar soluções. Estamos num momento sem soluções, o que a gente precisa é de saúde tanto física quanto emocional para podermos ter ações mais eficazes", ressalta Silvia.

A live encerra com uma despedida e o anúncio da próxima, em que os convidados são pais de outro aluno. A mãe é a psicóloga Talita Da Mata e o pai, professor de Filosofia, Guido Nogueira. Juntos eles trazem para a discussão o olhar familiar e também educacional.

Donos de uma escola de idiomas, os pais começam dizendo que a pandemia vem desconstruir certezas e planos já consolidados, e exigir que todos sigam pelo caminho da reinvenção. "Se reorganizar não é fácil, demanda da gente principalmente humildade, temos que reconhecer que são situações muito além das nossas capacidades de decisão e colocar as coisas no devido lugar, que neste momento a prioridade realmente é a preservação da vida", enfatiza Guido.

Epidemia, longa da década de 90, que pode ser facilmente trazido para os dias de hoje.
Epidemia, longa da década de 90, que pode ser facilmente trazido para os dias de hoje.

Como educador e também como pai, Guido fala que não se pode pensar e ver o mundo como adulto. "A gente precisa enxergar com os olhos daquele que está caminhando com a gente no processo de ensino, no caso os alunos, e trabalhar com crianças demanda enxergar assim. As crianças são emoção, ainda hão há uma clareza das coisas, uma racionalidade, e embora às vezes eles não expressem isso, sentem tudo, captam tudo o que está acontecendo ao redor, e toda essa situação de instabilidade afeta uma série de fatores que a gente precisa levar em consideração e saber acolher".

Além do acolhimento, a gente percebe uma outra palavra-chave a ser pontuada dentro da pandemia: a empatia. "Se colocar no lugar de cada família, de cada aluno que está numa realidade diferente, tem gente que já perdeu familiares devido à doença e passou muitos dias em rotina de  hospital", mostra Guido.

Outro ponto de vista, levantado agora pela mãe e psicóloga, é quanto ao conteúdo, tecla em que muitos pais e escolas batem. "É possível de ser recuperado, até porque eles estão começando a vida, até o alunos que estão no ensino médio e fundamental, não é uma perda de tempo, na verdade, a gente está preservando a vida e não se pode enxergar dessa maneira: perda de tempo, ou ano letivo perdido, a primeira preocupação é preservar a saúde mental das pessoas, sobretudo das crianças".

Aí entra outra palavra-chave, a resiliência, que Talita ressalta ser o que precisamos trabalhar para passar por essa situação mais fortes. "Tem dia que a gente está com cabelo em pé de tanta demanda, então é uma situação que exige senso de coletividade, não é só a preservação da minha vida, porque a minha postura influencia na vida de outras pessoas", acredita Talita.

Também é preciso avaliar que o retorno, quando houver, deve obedecer às recomendações dos órgãos de saúde, como uso de máscara, álcool em gel, o que refletiria na parte física dos cuidados. Mas como fica o emocional? "Uma criança voltar em um ambiente com todo mundo cheio de máscara, que memória vai ficar dessa escola para a criança no futuro? Vai ser uma experiência tranquilizadora ou no turbilhão ela precisou voltar à escola? Sabe aquele filme de ficção científica que a gente via e pensava: 'que viagem'? Hoje é a nossa realidade", compara a mãe.

Professora Marlene e os pais Talita e Guido em live.
Professora Marlene e os pais Talita e Guido em live.

Claro que também é preciso entender que  neste momento a rede de apoio se tornou escassa. Muitas famílias têm como ajuda os avós, que entram, em sua maioria, no quadro de risco para o coronavírus. "A gente não pode ter uma fala como se todo mundo tivesse a mesma situação, tem família que vai ter que fazer opção: deixar na escola ou nos avós. E cada família precisa ter esse olhar cuidadoso para s situação, fazer escolhas que talvez não sejam as mais seguras, mas foi a necessária naquele momento. E não pode ter um olhar de julgar aquela família que talvez precise tornar à escola, porque ninguém pode controlar nada, o que podemos fazer é contribuir para que isso passe mais rápido, então a gente tem que ter também um olhar de carinho para aquelas famílias que precisarem fazer essa opção", coloca Talita.

Os pais deixam uma sugestão para a escola, seja ela qual for, para quando for seguro voltar. "Deveríamos deixar uma semana só para correria e gritaria deles na escola, porque tem muita coisa para ser extravasada. As crianças precisam disso, voltar a serem livres novamente, por isso que acho que ainda é precoce voltar neste momento, pois o retorno seria muito apavorante. E crianças tranquilas, significam pais tranquilos também".

Que tema você gostaria de ver na próxima semana? Mande para o Mãe também reclama pelo e-mail: paulamaciulevicius@gmail.com.

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