Sob árvore, barraco une mulheres que “não conseguem nem emprego em shopping"
“Ninguém aqui consegue emprego em shopping”, diz a mulher que há 8 anos criou uma associação em um barraco debaixo de uma árvore na comunidade Estrela do Amanhã, no bairro Jardim Noroeste.
Dalva de Almeida Cáceres tem 40 anos, nasceu e cresceu na aldeia Ypegue, em Aquidauana. De origem terena, chegou em Campo Grande há 8 anos em busca de uma vida mais digna para sua família, mas nada é fácil para quem é indígena em Mato Grosso do Sul.
Dalva é o retrato da mulher brasileira, que apesar de fazer história onde vive, narra o que resta para elas quando o assunto é trabalho e igualdade social. Nem o Ensino Médio completo serviu de chance para conseguir emprego em lugares que não sejam a cozinha ou a faxina.
E nem é preciso tirar muitas palavras de Dalva para entender a dura relação com o preconceito, onde a cor e a etnia têm peso na hora de conseguir um emprego. “Desde que cheguei aqui só consegui na faxina, hoje estou na cozinha, mas é assim com todas as outras mulheres indígenas”, afirma.
A mesma dificuldade é enfrentada por outras 65 famílias da etnia terena que vivem sob barracos desde que chegaram na região em busca de moradia.
Por isso, Dalva lutou para erguer o barraco, sede da Associação de Mulheres Indígenas do Jardim Noroeste Estrela do Amanhã, que desenvolve trabalhos em busca de resgatar a cultura terena, com objetivo de mudar a realidade das famílias.
Sem nenhuma ajuda do poder público, são as mulheres que ensinam o artesanato com argila e também a produção de pães. Mas sem recurso, falta material e forno para continuar o trabalho. “Não conseguimos encontrar argila por aqui, temos que buscar na aldeia, mas ninguém tem locomoção. A gente instituiu o curso justamente para que as mulheres sobrevivam do artesanato”, explica Dalva.
Entre as mulheres que vivem no bairro, Dalva tem um jeito tímido, mas é bem articulada. Na cidade conseguiu concluir a escola, mas lamenta ter abandonado a universidade. Apesar da distância do diploma, ela dá graças a Deus pelos filhos estarem trilhando um caminho diferente. Um deles tem bolsa em uma faculdade particular de Campo Grande.
“Fiz o Ensino Médio completo, comecei a cursar História, mas ficava difícil trabalhar na faxina o dia todo, cuidar do nosso barraco e ir pra faculdade que fica do outro lado da cidade, toda noite. Por isso, eu luto pelos meus filhos”, desabafa.
Ser índio em Campo Grande é um desafio para quem tenta não perder a própria identidade, explica Dalva. “Muitos índios que chegam sozinhos na cidade não conseguem nem se expressar. Quando chegamos aqui, as pessoas acham que a gente tem que deixar de ser índio. Mas a gente só quer uma vida melhor, e tenta manter a nossa cultura”, reforça.
Até o jeito de viver é motivo para olhares tortos, comenta. “A gente não usa maquiagem, não pinta o cabelo, isso não é da nossa cultura. Mas aqui na cidade muita gente tem que se habituar a vida do branco. Imagina se a gente vai ao supermercado com os mesmos trajes que usamos na aldeia”, diz.
Para fortalecer e unir a comunidade em busca melhorias, Dalva pensou na associação. O nome Estrelas do Amanhã surgiu pela maneira como tudo começou. Sem cobertura e energia elétrica, há 8 anos as mulheres se reuniam debaixo da árvore sob a luz das estrelas para discutirem soluções para a vida dão difícil.
Agora, o sonho das mulheres indígenas é pela conquista de uma moradia digna, sempre insistindo para que a cultura não seja apagada. "Precisamos de apoio e recursos para continuar com os nossos projetos. Um deles é fortalecer a língua terena. A maioria dos indígenas, inclusive eu, não sabe mais falar a própria língua. E isso faz parte da gente", finaliza.
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