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Comportamento

Termo ‘a mãe tá on’ é redundância quando nem doente a gente pode ficar

Num suspiro avalio que se depender do proletário materno para viver, passo fome, já que não recebo um centavo

Jéssica Benitez | 05/01/2023 08:50
Além disso, teoricamente, ninguém pode me substituir, então junto os cacos e vou.
Além disso, teoricamente, ninguém pode me substituir, então junto os cacos e vou.

Acordo num pulo. Suada, cansada, corpo dolorido. Quase 39° às 5h da matina e não falo do calor que faz lá fora, me refiro ao número que insistiu em estampar a tela do termômetro embaixo do meu braço.

Levanto, sinto frio, embora o sol já esteja dando as caras. Me apresso, "vou me atrasar" e no meu emprego não há nem um segundo de tolerância. Escovo os dentes, faço um xixi a jato e vou. Corro, pois a demanda já grita, se não começo no horário tudo atrasa.

A cabeça parece que vai explodir. Talvez a gripe esteja persistindo, melhor não ir! Putz, me lembrei que não há licença médica, não trabalho sob regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), aliás, nem se eu quiser posso deixar que descontem do meu salário, pois ele não cai na conta. O pagamento é feito de outra forma.

Além disso, teoricamente, ninguém pode me substituir, então junto os cacos e vou. Chego esbaforida, louca por um café com leite, mas, antes, preciso bater o ponto. Depois de marcar presença, vou organizar as tarefas a serem executadas durante o dia. Às vezes as coisas saem do controle, mas não é surpresa na área em que atuo, muito pelo contrário, o desnorteio é totalmente esperado.

Pela manhã correu tudo bem, apesar da tosse e cabeça pesada, dei conta. Remédio? De jeito nenhum! Pode parecer exagero, mas não posso correr o risco de adormecer, aquele sono gostoso e pesado que só um bom antigripal é capaz de trazer. Nem em sonho, literalmente.

Depois do almoço, confesso, quis pedir pra sair, acho que a gripe falava alto e a sobrecarga mais ainda. Porém, respirei fundo e acabei aceitando que a labuta é vitalícia, sete dias por semana, 24h por dia, já sabia disso quando fui nomeada, mas não tinha ideia do era na prática.

O tempo voou e chego ao fim da jornada, pelo menos parte dela. "Consegui", comemoro, olhando o relógio que marca 20h. Saio do quarto da minha filha rumo ao meu, tomo um analgésico, deito e ligo a babá eletrônica. Fecho os olhos e a mente me leva pra longe, mas não muito, não posso deixar meu posto de trabalho, mesmo sabendo que não corro risco de demissão.

Num suspiro avalio que se depender do proletário materno para viver, passo fome,  já que não recebo um centavo sequer. Por outro lado pondero que não poderia ser melhor remunerada na vida.

Ser mãe é isso aí, viver no limite de tudo, amor, dor, cansaço, ternura. Só em um fator não há dois lados: pra função mãe, meus amigos, não existe atestado.

Jéssica Benitez é mãe da Maria Cecília e do Caetano e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae

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