Tomar um café preto para Thiego agora é ato de amor ao avô que morreu
Seu Batista era o avô religioso, mas que mesmo assim não julgava ninguém
"Ele foi a pessoa que eu mais amei nessa vida, não tem como explicar. Foi um amor incontestável". É dessa forma que Thiego Barros, de 20 anos, define o sentimento pelo avô João Gonçalves de Barros, o seu Batista. O sentimento puro se intensificou na adolescência, quando passava todos os dias ao lado do avô, depois das aulas na escola, em encontro com cheiro e sabor de café.
A morte ainda não foi superada e Thiego diz que, na verdade, acha que a palavra superação não se encaixa ao luto, que já dura 3 anos e meio. "Tem coisas que eu quero guardar em minha memória fazendo só com ele. Meu vô foi mais pai pra mim do que meu próprio pai, a gente tinha uma afinidade que foi construída e justamente por isso era tão especial", conta. E se já não bastasse o nome dele estar ali, cravado todos os dias ao lado de Thiego, o neto deve instalar ainda hoje uma foto dos dois juntos, ao lado de sua cadeira de barbear.
Dos momentos guardados na memória, alguns são mais sensíveis. Tomar um café preto para Thiego é um ato de amor ao avô, e mesmo sendo uma lembrança boa, ainda deixa triste o fato de que hoje ele perdeu seu grande companheiro com o qual, todo santo dia, tomava uma xícara do "melhor café do mundo".
João Gonçalves nasceu em Dourados e trabalhou durante a maior parte de sua vida em um café. Nos dias em que o neto estava em casa, almoçando, a bebida quente regava a conversa dos dois. "Eu tinha só 13 anos e não tenho certeza se uma criança dessa idade toma café preto. Mas eu tomava, porque gostava e para fazer companhia a ele. Então, hoje pra mim, tomar café é um ato de amor, e não apenas de degustar o grão".
O jeito parecido dos dois foi a característica que mais os aproximou. Inquietos, atenciosos e dedicados, avô e neto sabiam cuidar um do outro mesmo nos dias mais difíceis, tanto é que a vida de Thiego era um livro aberto para Seu Batista.
O vozão não foi barbeiro mas incentivou o neto a entrar no curso de barbearia antes de morrer. Ele justificava que seu próprio pai, bisavô de Thiego, tinha escolhido este ofício para viver, e que o neto tinha tudo pra ser um profissional de sucesso.
Mas antes que Thiego pudesse testar seus novos conhecimentos, o avô morreu, da noite para o dia, aos 66 anos, por conta de um ataque cardíaco súbito e fatal.
"Ele sabia de tudo que acontecia. Era ele quem me aconselhava, me ouvia, sem julgamentos. Depois que ele faleceu precisei procurar uma psicóloga porque, justamente, tinha perdido meu confidente e não sabia mais pra onde correr, com quem falar, em qual coração eu não era julgado".
Religiosos, os dois tinham uma tarefa a ser cumprida durante as tardes: ler a Bíblia. João tornou-se pastor, fundou sua própria igreja.
O fato de se tornar um líder religioso e, mesmo assim, não julgar ninguém, é o grande ensinamento que João deixa para Thiego. "Ele tinha tudo para discordar das minhas ações e justificá-las como algo que Deus não faria. É o que vemos os pastores fazendo hoje, por exemplo, julgando homossexualidade, tatuagem na pele, modo de se vestir. Ele simplesmente dizia que eu tinha todo o direito de fazer o que quisesse desde que minhas escolhas não fizessem mal a alguém e eu acho essa a maneira mais bonita de levar a vida".