Um ano atrás, fomos "mães de UTI" e hoje comemoramos o 1º aniversário
O tempo é maluco quando se está dentro de uma UTI, mas também é incrível para conhecer histórias e testemunhar a fé das mães
Um ano atrás, um dia após o nascimento da Olívia, eu me unia a outras mães que se debruçam no leito da unidade de terapia intensiva que acolhe seus bebês, mas que também absorve lágrimas, medo e esperança. Foram só oito dias, perto de quem passa mais de mês ali dentro. Só que o tempo é maluco quando a gente cruza as duas portas, lava as mãos, passa muito álcool em gel e coloca o roupão do hospital. Horas se tornam uma eternidade, em especial quando os pais se encontram na ante-sala, no sofá onde aguardam poder entrar quando há alguma intercorrência com outro bebê.
As máquinas apitam o tempo todo, os fios e tubos de acesso parecem "engolir" os pequenos, e o que mais dói é quando não se pode pegá-los no colo. Os recém-nascidos já são pequeninos e ali, dentro daquelas caixinhas de acrílico, ficam ainda menores. Mas só no tamanho, porque na vontade de viver eles são gigantes.
À frente de cada bercinho existe um papelzinho pregado. Por ser junho, o tema do ano passado era com Chico Bento e Rosinha, uma alusão às festas caipira da época. No nosso caso, foram oito dias e duas transfusões quase totais de sangue numa pisquila que não tinha nem 3kg.
Nossa caçula nasceu de um lindo e respeitável parto normal. No dia seguinte, começou a ficar muito amarelinha. Era a chamada icterícia, que antigamente se curava com chá de picão. Em vez de receber alta, a pediatra a mandou para um banho de luz intenso e, no exame de sangue, veio o altíssimo índice de bilirrubina, o que justificava o amarelinho por todo o corpo e, posteriormente, a ida para à UTI.
Apesar do banho de luz e do soro, a bilirrubina não baixava. O próximo passo era algo chamado de exsanguineotransfusão, que nos assustou não só pela quase incompreensão do que se tratava, mas, em especial, pelo risco envolvido. Um procedimento delicadíssimo, que poderia nos custar a Olívia; mas não fazê-lo, também. E, com suas horas quase intermináveis de duração, foi realizado duas vezes em poucos dias. Além do procedimento, passamos por muito choro, vários abraços, infinitas orações de amigos e familiares até a alta dela.
Pouco tempo depois, já em casa, fomos adicionadas ao grupo de WhatsApp "Amiguinhos da Neo", para que cada mãe "vizinha" de bercinho acompanhasse o desenvolvimento dos bebês. E foi uma grata surpresa ter notícias e fotos dos bebês que vimos tão frágeis e, hoje, completam 1 ano. É o caso do Arthur, que terá festinha amanhã.
Nascido com 36 semanas, ele passou 15 dias na UTI devido a um desconforto respiratório que se agravou para um pneumotórax. E, hoje, é de Sapezal, no Mato Grosso, que sua mãe descreve como foram aqueles dias. "Intermináveis, de muita oração, angústia, e vivenciar com outras mães que também estavam com seus bebês lá me deu força, cada uma com sua história e luta, hoje agradeço a minha família e amigos que oraram, que me apoiaram naquele momento difícil, aos médicos e enfermeiros que são essenciais para nos amparar e nos tranquilizar, hoje minha vida esta completa, não tenho nada a pedir, somente agradecer e orar para todos os bebês que hoje estão na UTI para que se recuperem", diz a analista de RH Tathiana Soria Azevedo, de 32 anos.
A impotência de não poder fazer nada a não ser apelar para a espiritualidade também foi compartilhada por Patrícia de Jesus Silva, mãe do xará, Arthur. Já aos 41 anos, ela não imaginava que teria mais filhos, e foi uma surpresa quando Arthur veio. "Ele nasceu na 33° semana de gestação, com baixo peso e permaneceu 21 dias na UTI Neonatal. Exatamente hoje está fazendo um ano da alta do hospital", conta.
A gestação foi de alto risco devido a uma cirurgia bariátrica que a mãe fez poucos meses antes de engravidar.
"Tinha muita dificuldade para comer e ingerir água, tive desnutrição na gestação e desde o início já sabia dos riscos e da prematuridade do bebê... Na 33° semana exames constataram a calcificação da placenta e o parto de emergência teve que acontecer... Arthur nasceu com 1,5Kg e precisou ganhar peso até ter condições de vir pra casa", recorda.
O bebê é o pequeno guerreiro da família, que pode testemunhar medos e incertezas dentro da UTI junto de outros pais. "Cada dia é um dia e cada minuto é importante... No período em que ficamos lá, acompanhamos o sofrimento e a tristeza de uma mãezinha cujo bebê não resistiu, e isso me marcou muito. Então hoje o sentimento é de gratidão e vitória".
Karla Kiomido, de 27 anos, foi quem criou o grupo, é o que dizem as outras mães, porque ela mesmo não se recorda. Mãe de Maria Fernanda, que fez 1 aninho no dia 15 de maio, comemorou muito o aniversário, apesar da pandemia.
A menininha passou 30 dias na UTI por conta de uma hipoglicemia refratária. "Só tenho que agradecer primeiramente a Deus e depois à equipe médica que me atendeu. Porque se demorasse mais um tempo, teríamos perdido ela. Hoje, sinto uma alegria imensa que não tem nem como descrever, agradecer sempre a Deus por ter nos dado a oportunidade de ser pais dela".
Em casa sempre tivemos este pensamento: são nossos filhos que nos escolhem. Olívia escolheu nos ensinar, dia após dia, que assim como uma internação da UTI, o tempo não é o nosso, e sim o dela. Com algumas sequelas, comemoramos além do primeiro aniversário, o fato de ela começar a se sentar sozinha, depois de muitas sessões de fisioterapia. E a cada olhada que ela dá, procurando de onde vem os sons, é mais uma alegria.
Por não sabermos ao certo até onde vai o atraso no desenvolvimento motor e a questão auditiva, nosso lema é: de bailarina a astronauta, Olívia pode ser o que quiser. Mais uma lição que veio da maternidade, em especial aquela vivida, bem pouco, dentro de uma UTI.