Apesar de poucos clientes, simpatia e fiado mantém mercearia aos moldes antigos
O puxadinho é simples, mas quem entra consegue achar de quase tudo na mercearia de Deusdete de Araújo Ribeiro, de 67 anos. Com fachada amarela, em tom desbotado, pintada a mão, o lugar segue a mesma aparência há mais de duas décadas.
Quem chega ao local é recebido com a calma e simpatia do dono, mesmo admitindo o cansaço a espera de clientes. Assim funciona a Mercearia Piratininga, que leva o nome do bairro e até hoje sobrevive graças a venda no caderninho.
Seja no dinheiro ou no fiado, por ali se vende um pouco de tudo. Alimentos, doces, material de limpeza, utensílios para casa e pinga, muita pinga e vinho barato. Ele justifica que o estoque é montado de acordo com a preferência do cliente. "Ah, o vinho não pode faltar, ainda mais nesse tempinho frio, é isso daí que esquenta. Se faltar, quem compra pode reclamar", esclarece.
A mercearia era do cunhado, que passou para a irmã e nos últimos 26 anos está nas mãos de Deusdete e do irmão Joaquim Araújo Ribeiro, de 70 anos. Após anos trabalhando em garimpo, sem a riqueza que buscava, eles resolveram começar de novo por aqui.
Nascidos em São Paulo, vieram ainda pequenos para Mato Grosso do Sul e cresceram na região de Fala a Verdade, no município de Corguinho.
Após abrirem a mercearia, o irmão investiu em outro comércio pequeno em bairro próximo. Mas Deusdete não abriu mão de ficar no negócio da Piratininga.
Apesar de não ser tão antigo, quem vê o estabelecimento lembra que o espaço já fez parte da vida de muito vizinho. Entre uma venda e outra de tubaína, ele lembra dos amigos que fez por esses anos.
"Já vi muita criançada comprando aqui. Hoje tem gente casando, formado e até com filho. Tem gente que já mudou, mas quando passa aqui, para pra pedir um refrigerante", comenta cheio de orgulho.
Comum em muitos botecos da cidade e quase insubstituível, a tubaína também é vendida na Mercearia de Deusdete. Por R$ 1,50, depois da cachaça, é a bebida que o pessoal mais leva por ali. teve tempo que o sucesso era combinar o refrigerante com paçoca.
"Tubaína não falta, antigamente vinha mais gente, hoje são os clientes mais antigos e a molecada que ainda fica na rua. Mas colocar no saquinho é sagrado", reforça.
Com as mesmas características, os irmãos nunca tiveram o interesse de mudar ou ampliar o local. O puxadinho tem cerca de 28m² e é abarrotado de coisas.
Além dos mantimentos, nas vigas de madeira ficam pendurados os baldes e as vassouras que ele vende desde o inicio. "Antes eu vendia a vassoura capira feita de palha, mas hoje é difícil de encontrar. Então a gente substituiu por essas mais modernas", explica, mostrando os modelos que a gente encontra nos supermercados.
Mas de moderno o local não tem quase nada. Não passa cartão, as contas são feitas de cabeça e tudo é anotado no caderninho. Apesar de vender fiado, ele já avisa que a venda a moda antiga é feita para os clientes mais "chegados" e tudo também está na memória.
"Aqui é tudo a mão, tem cliente que prefere a continha. São os mais antigos sabe... E por isso é quase uma tradição, porque a gente não evoluiu muito. Para modernizar, tem que ter dinheiro, mas a gente não conseguiu chegar nesse patamar e também estamos cansados", desabafa.
Depois de 26 anos, ele não garante que o local vai durar muito tempo. "A gente quer parar, estamos velhos já e cansados. Os clientes que compram são os mais antigos. O que a gente quer é arrumar aqui, reformar e alugar. Depois se aposentar", revela.
Mas enquanto esse momento não chega, o sorriso permanece mesmo com o pouco entra e sai. A simpatia prevalece enquanto fica sentado na cadeira de plástico vendo o movimento da rua para ocupar o tempo. "E a gente vai levando né... Mas a gente aproveita para conversar com o amigos e observar."
A Merceria Piratininga fica na Rua Anchieta, próximo a Avenida Manoel da Costa Lima. Abre de segunda a sexta das 08h às 17h30. E no fim de semana das 08h às 12h.