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Consumo

Em feira, cegos mostram que produzir sabores de qualidade só exige determinação

Acadêmicos de curso de Administração oferecem monitoria gratuita para cegos que querem empreender

Gustavo Maia | 12/12/2018 08:54
Projeto Bocaiuva, de Aquidauana gera renda para 28 famílias. (Foto: Gustavo Maia)
Projeto Bocaiuva, de Aquidauana gera renda para 28 famílias. (Foto: Gustavo Maia)

Lorival da Silva, de 64 anos, vive em Aquidauana, e de lá trouxe para vender os produtos que aprendeu a produzir com o Projeto Bocaiuva - grupo que trabalha com a coleta e o processamento da fruta. Eles extraem a farinha e, a partir dela produzem uma variedade de coisas como bolo, pão, biscoito, milkshake e até arroz carreteiro. Mas não para por aí - também é possível conseguir o óleo da bocaiuva, que serve para fazer sabão, creme e até combustível de avião.

Estudante do ISMAC, Lorival conta que ficou cego por causa de um erro médico durante cirurgia feita há oito anos, mas isso não o impediu de seguir trabalhando com a fruta e ainda se tornar um empreendedor. “Eu já colhia bocaiúva desde 2005 lá em Aquidauana, mas foi em 2011 que o pessoal dos cursos de Física e de Biologia da UFMS foi lá, interessado na farinha. Foi aí que a gente começou a vender”, relata.

Hoje são mais de 28 famílias beneficiadas pelo projeto, divididos em 20 coletores da fruta e 8 produtores das receitas com a farinha e o óleo. A safra da castanha é de setembro a fevereiro, mas ele garante que a renda conquistada ajuda no sustento da família o ano inteiro, e que a cegueira não o atrapalha em nada - “dá pra ajudar em casa tranquilo. A cegueira não é barreira pra mim. Nunca foi”.

Alunos também são massagistas.  (Foto: Gustavo Maia)
Alunos também são massagistas. (Foto: Gustavo Maia)
Sueli Maria trouxe receitas do Paraná.  (Foto: Gustavo Maia)
Sueli Maria trouxe receitas do Paraná. (Foto: Gustavo Maia)

Lorival é um dos empreendedores que se reinventou depois de conhecer as limitações no mundo sem a visão. Exemplos como o dele acrescentaram histórias aos produtos à venda durante feira criada pelo Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas (ISMAC), que revelou o potencial empreendedor dos alunos. Eles realizaram nesta terça o evento no Fórum da capital onde cegos e pessoas com baixa visão puderam expor e vender produtos e serviços. A ideia inicial é que a feira se repita anualmente e nesta estreia o curso de Administração da Uniderp ofereceu consultoria gratuita para os novos empreendimentos.

O bacana é que só dentro do ISMAC foram cadastrados mais de 30 empreendedores, que percebendo o potencial que eles têm, decidiu estimular esse poder criativo. Além de atrair a atenção dos empreendedores da comunidade em geral, a proposta mostra que a pessoa cega ou com redução da visão também está apta ao mercado de trabalho.

Outra empreendedora descoberta pelo instituto é Sueli Maria, de 53 anos e que há dois mora em Campo Grande. Vinda do Paraná, ela diz que aprendeu suas receitas ainda jovem “sempre fui curiosa, fazia pão, bolo, bolacha”. Mas ela não tinha a intenção de transformar suas receitas em negócio. “Comecei a vender um pouco, e as pessoas foram comprando, comprando. Aí eu nunca mais parei”.

Sueli, que na feira ela vendeu biscoito de nata, pão bisnaguinha e cuca, conta que o preconceito já bateu em sua porta, mas ela não deu ouvidos e segue determinada. “As pessoas pensam que porque a gente é cego, a gente não consegue fazer as coisas, mas isso não existe”, desabafa.

Mariana Correia, de 47 anos, veio de um assentamento em Sidrolândia participar da exposição. Ela vende os produtos feitos pelo esposo, Paulo Ferro, de 60 anos, que produz queijo, manteiga de garrafa, doce de leite e biscoito. Mariana conta que trazia os produtos para vender a colegas e funcionários do ISMAC, para comprar a medicação que usa regularmente, mas o que era apenas um negócio entre amigos, acabou virando “coisa séria” e hoje é sua principal atividade. “Eu já fazia esses doces antes de ficar cega, eu só não vendia. Mas agora eu preciso vender, já que não posso mais trabalhar com outras coisas. Não posso mais dirigir, não posso lavar roupa”, relata.

Cega do olho direito desde os 16 anos, ela usa uma prótese ocular, e foi por causa dela que perdeu a visão lateral do olho esquerdo quando a prótese quebrou e descolou sua retina há 1 ano. Hoje, com a visão reduzida, ela só enxerga o que está exatamente à sua frente, mas isso não a desanimou. Sempre com um sorriso no rosto ela oferece seus produtos: “quem quiser comprar pode procurar a Mariana toda quarta-feira lá no ISMAC, que eu tô lá”, anuncia.

Sempre sorridente, Mariana vende produtos do assentamento onde vive.  (Foto: Gustavo Maia)
Sempre sorridente, Mariana vende produtos do assentamento onde vive. (Foto: Gustavo Maia)
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