Pâmela abandonou a loucura do faturamento, para ser feliz com sapatos artesanais
Estilista, sapateira e jardineira, a campo-grandense volta a MS para contar sua trajetória e como é possível começar um negócio com muito pouco
Desde o dia que começou a cursar Moda, em uma universidade de Campo Grande, Pâmela Magpali, de 30 anos, sentiu que o vestuário não era sua praia. Em um desfile promovido pelo curso, a estudante transformou restos de materiais e tecidos em um original par de sapatos. A criação artesanal despertou o olhar da campo-grandense para um nicho quase abandonado no universo da moda e, ao mesmo tempo, a fez enxergar o lado mais cruel da fabricação em massa que a fez questionar o que é de fato ter sucesso.
Pâmela deixou Campo Grande há oito anos para estudar sapatos, já que no curso de Moda o assunto é escasso. Morou em Franca (SP), Santa Catarina e diversas cidades do interior do Rio Grande do Sul, em busca de aprendizado. Mas o foco sempre foi colocar em prática a ideia de reaproveitamento para fabricação de sapato sustentável.
Mas o mercado trouxe momentos de desilusão para a artesã. Em 2014, em Porto Alegre, Pâmela criou ao lado de uma sócia a Insecta Shoes, uma marca de calçados que tinha como diferencial a produção sem usar matéria-prima de origem animal. Os modelos eram feitos com tecidos de brechó, restos de borracha da indústria e plástico reciclado. De início foram feitos apenas 20 pares, mas em um ano, Pâmela viu a marca deslanchar com uma loja virtual e outra física, que chegou a um R$ 1 milhão de faturamento. Mas a sócia fundadora deixou a empresa em 2015, porque o sucesso fez o caminho inverso do propósito que ela sempre buscou.
“Eu não quis mais por uma questão de ideal. Meu foco sempre foi o trabalho artesanal e sempre tive gosto pelo diferente que é fazer um trabalho com as próprias mãos. Quando isso passa para a indústria, você não consegue em uma grande empresa colocar em prática suas ideias, trocar aquela conversa com a costureira, acompanhar de perto os materiais, tocar os tecidos, é outro mundo”, descreve Pâmela.
Foi dois anos traumáticos até conseguir realizar o romantismo de ter ateliê pequeno, ao lado de um sapateiro experiente, sem o pretensioso sucesso de estar em todos os lugares ou desfiles. “É óbvio que o empreendedorismo é importante, sempre será, mas o sucesso também pode ser pessoal, porque eu me sinto realizada ao ver que estou montando uma cadeia produtiva de amor”.
Na visão de Pâmela o mercado calçadista é quase todo industrial, se difere do setor de vestuário que ainda mantém o lado mais artístico, da costureira eu produz em pequena escala, do profissional que faz tudo manualmente, por isso, ela busca fazer diferente. “Esse novo passo foi importante para aprimorar minhas técnicas, mas também valorizar uma profissão tão antiga que tem ficado abandonada. O sapateiro fica num setor de serviço, enquanto as fábricas produzem milhões. Somos um País famoso por fazer calçado, mas não pelo design, pela fabricação em massa. Sei que é uma arte que parece estar morrendo, como tudo que está diante do maquinário, mas eu busco resgatar essa valorização e produção artesanal”.
O simples é o que move e transforma os dias de Pâmela, justamente, pela imperfeição. “No mercado todo mundo quer ficar igual, o design do sapato que tem que ser perfeito e não pode haver diferenças. Mas o artesanal é imperfeito, é único e toda vez que você está produzindo, você se preocupa com os detalhes, mas as diferenças é que tornam cada peça especial. Por isso, acredito que esse padrão de beleza que o mercado exige em tudo é muito cruel”.
Hoje, Pâmela mantém sua terceira marca “Sapato Sem Nome” com modelos bem alternativos. São no máximo 20 sapatos feitos por mês sob encomenda, afinal, o público ainda é limitado, mas a proposta também não é atender em grande escala. “É desafio do começo ao fim. Mas, com as mídias, a gente tem essa facilidade de ir direcionando o público. Aos poucos, percebemos que há um público que entende a proposta e é exigente com o que consome. Isso é muito legal porque está nascendo uma nova fatia do mercado, que somos nós mesmos”.
Morando em Porto Alegre, a ideia de Pâmela é reaproveitar tudo o que sobra das indústrias. “Em Novo Hamburgo, o restante do couro é absurdo. Então vou garimpando, testando novos materiais e o que eu tiver sobrando vira sapato”. Cada modelo custa R$ 280,00 e ela envia para qualquer local do País.
Sem o sonho de ficar rica ou ter sucesso por um faturamento milionário, Pâmela vem a Campo Grande nesta semana para falar sobre o mercado de sapatos artesanais para Mato Grosso do Sul. “Sei que isso ainda é pequeno no nosso Estado”.
Serviço - Na próxima sexta-feira (16), a partir das 18h30, Pâmela vai dar uma palestra em Campo Grande sobre inovação no mercado de sapatos. O bate-papo propõe falar um pouco sobre o universo da produção, mercado, sustentabilidade na prática, inovação no setor e o que é de fato ter sucesso.
As inscrições podem ser feitas pelo site e o ingresso é 1 kg de alimento não perecível. O evento será Living Lab que fica na Rua Brasil, 205.