No auge há 10 anos, points do pagode foram minguando até fecharem de vez
As tardes e noites de pagode eram muito mais fortes, mas foram morrendo por conta da burocracia, dizem empresários
Em uma sequência que dura menos de uma década, quatro casas que tocavam exclusivamente pagode fecharam as portas em Campo Grande. Por aqui, empresários e profissionais da área garantiram ao Lado B que as causas vão da burocracia para se conquistar alvarás, à influência da tragédia nacional na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), no ano de 2013.
Os pagodeiros de plantão viveram anos dourados entre 2006 e 2013. Ditão, Trius Hall, Dedinho, Jatobá e até o Miça Bar foram os últimos locais que tinham lotação máxima há alguns anos.
Ditão – Quem lembra do endereço que movimentava o pagode e samba raiz na Avenida Mato Grosso? Primeiro, era o Delícias na Brasa, do empresário Cambará, no fim dos anos 90. Depois, quem assumiu o point do pagode foi Edson Eduardo Lechuga, de 50 anos, o Ditão, que já trabalhava com a promoção de pagodes desde os 24 anos.
Para ele, a burocracia por conta do som é o maior motivo de fechamentos até hoje, já que para abrir uma casa ou barzinho com música, a acústica deve ser totalmente fechada, a ponto de “não passar vento”.
“E não é dia ou noite, a Lei do Silêncio serve para os dois, só muda 10 decibéis, mas as vezes o barulho da rua já passa dos 55 decibéis. Hoje para manter som ao vivo é necessário de 7 a 10 tipos de alvarás. Se hoje eu volto a fazer o pagode aqui e uma pessoa a três quadras daqui reclamar, o Ministério Público já manda os fiscais. E quando a fiscalização bate, ninguém aguenta a bucha”, frisa.
Mesmo assim, para o empresário, o fim dos pagodes no Ditão foram influenciados, principalmente, pelo avanço do funk e do axé na noite campo-grandense. Este seria o principal fator para a queda do público e fim dos eventos.
“O primeiro que mexeu aqui foi o Cambará, depois o Cachopa e por fim eu. Mas o que me atrapalhou foi a mistura de ritmos. O samba e pagode sempre foram raízes, mas conforme foi entrando o funk e axé, o público do pagode baixou e as casas foram perdendo a força. O que me atrapalhou foi a mistura de ritmos. Fora o fato, de que os músicos estão ganhando o mesmo cachê que ganhavam há 15 anos. Na época, eu já pagava o que eles recebem hoje”, lembra.
Segundo Lei Municipal, se enquadra em poluição sonora barulhos de atividades industriais, comerciais, de prestação de serviço, de propaganda, religiosas, que não obedecerem os padrões estabelecidos em lei.
No gráfico acima, constam os níveis permitidos de acordo com o horário. A 'ZR' são zonas residenciais, ‘ZCs’, zonas comerciais, ‘ZI’, zonas industriais, ZTs, zonas de transição, CMs, corredores de uso múltiplo e C-Corredor Viário.
Trius Hall – Na 14 de Julho, na Vila Glória, o pagode acontecia três vezes na semana. A casa de shows funcionou de 2008 a 2013, mesmo ano em que aconteceu o incêndio da Boate Kiss. A tragédia em Santa Maria (RS) matou 242 pessoas e feriu outras 680. Na época ficou comprovado que o incêndio foi provocado pela imprudência e pelas más condições de segurança no local.
Nesta mesma época explodiram fiscalizações em todo o país. Como as licenças da casa de show estavam prestes a vencer, o ex-dono, o empresário Cledemir Bambokian, de 46 anos, decidiu pelo fechamento e não pela renovação.
A casa funcionou 5 anos e ficou conhecida pelas gravações de DVDs dos últimos 4 aniversários. Atualmente, Bambokian realiza o Quintal do Samba, na Vila Carvalho, que já completa cinco anos.
“A parte burocrática em relação a documentação é grande. Passo essa dificuldade com nível do som e licença ambiental até hoje. A documentação não é fácil, barata e nem rápida, porque a acústica tem de ser feita, é preciso contratar engenheiro e fica tudo caro. Mas o incêndio da Boate Kiss influenciou na quantidade de público e com relação as licenças”, garante Bambokian.
Além dos DVDs, o espaço ficou conhecido pelo pagode dos promoters às quartas-feiras. O idealizador, o promoter de eventos Hudson Bispo, de 32 anos, conhecido como Pimpolho lembra que arrastou muita gente para o Trius e, logo em seguida, para o Jatobá, onde trabalhou na sequência.
“Eu entrei como operador de caixa, mas como eu assessorava o grupo Samba de Improviso que tinha um fã clube de mais de 90 jovens uniformizadas, ele me convidou para promover pagodes. Fazíamos às sextas e sábados, até incluirmos mais um dia, com o pagode dos promoters às quartas. Quando saí do Trius, a casa fechou pouco tempo depois. Aí passei a divulgar o pagode dos promoter no Jatobá que era concorrente”, lembra Pimpolho.
Dedinho - Mas quando se fala da deliciosa combinação samba + feijoada das antigas, todo pagodeiro lembra do Dedinho. No espaço localizado até hoje na Avenida Euler de Azevedo, os eventos eram diferenciados.
Mas a fama do lugar reinou de 2006 a 2011, quando aconteceu o último pagode. Aos sábados rolava a tradicional feijoada com samba de roda até às 22h e aos domingos o pagode rolava das 20h às 5h.
O comerciante Edson de Souza Vande, 44 anos, o Dedinho, agora gerencia uma lanchonete. Ele lembra que a burocracia de se manter um espaço com música ao vivo o fez desanimar.
“Começaram a pegar muito no pé. Polícia. Fiscalização. Tivemos que parar. Eu nunca conseguia a documentação necessária porque tinha muita burocracia. Fomos levando até onde deu. Eu até entendo a cobrança, tinha muita aglomeração de pessoas, mas dentro do meu comercio tinha segurança contratada. Realmente foi o point de domingo por muitos anos”, pontua.
Jatobá Bar – Diferente das outras casas, o Jatobá foi o único que fechou para o investimento em outro estilo musical.
O espaço próximo ao Shopping Campo Grande, que foi sucesso da abertura em 2008 ao fechamento em 2012, deu lugar ao Bartholomeu, que inaugurou em 2013 com o sertanejo como base.
"Na verdade fechamos para a tentativa de um novo projeto, que é o Bartholomeu, que vem dando certo até hoje, depois de 6 anos. Com relação ao som, também tivemos que mudar bastante coisa, sempre fazendo as adaptações necessárias”, explica.
Miça Bar - Outra casa que fez nome com o pagode, em plena Avenida Afonso Pena, foi o Miça Bar. No entanto, o estilo musical não era exclusivo e a casa também promovia shows sertanejos e de funk, tendo recebido inclusive Mr. Catra, que faleceu no ano passado.
A casa foi aberta em 2008 e funcionou até 2013, quando foi fechado pela Polícia Civil e Semadur (Secretária Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano). Na época, um dos proprietários, o empresário Carlos Roledo Júnior, disse apenas que “não esperava”, que “todos os alvarás estavam em ordem” e que faltava um documento com a análise de “ondas de som”, procedimento para verificar a emissão de ruídos.