Para recuperar os grandes torneios, grupo faz maratona de 20 horas no truco
Pode esquecer o silêncio e as horas, porque agora é truco. No fim de semana, o 2º Torneio das Estrelas reuniu os maiores truqueiros desta cidade e do Brasil. Tamanha é a loucura pelas cartas, que eles ficaram mais de 20 horas jogando sem parar, em uma festa regada a cerveja e arroz carreteiro para quem só pensava no prêmio.
E não é por menos, o primeiro lugar levou o prêmio de R$ 15 mil pra casa. O segundo ganhou uma moto e o terceiro saiu com R$ 1 mil no bolso. Tem gente que começou na infância e hoje carrega a família para o carteado. Acaba virando um show cheio de truques, sinais, gritaria e abraços a cada vitória.
O torneio foi realizado em uma chácara no bairro Universitário. Os jogadores e amigos chegaram ao local às 19h de sábado e o torneio só acabou às 18h do domingo. Mulher não tem vez no clube. Os competidores são homens e, para competir, cada dupla paga uma inscrição no valor de R$ 500,00.
A ideia do torneiro foi de Rodrigo Moreno, que joga há 10 anos, desde que aprendeu com o pai. Mais do que brincadeira, truco pra ele é um esporte e o evento veio para divulgar a modalidade a quem não conhece. “Estamos fazendo para conseguir reerguer os torneios que acabaram desde 2005”, explica.
O problema, segundo ele, foi o preconceito contra o jogo. Os organizadores acabaram, por exemplo, com as apostas, que reforçam a imagem do truco como jogo de azar. “Porque muita gente acha que é um jogo de roubo, mas não é. O pessoal gosta de se divertir e aqui é um campeonato. Não é uma aposta, ganha quem for o melhor nas jogadas e também quem seguir as regras”, afirma.
Apesar da gritaria e dos tapas na mesa, falta de respeito não é tolerada. Não vale xingar e nem ofender o adversário, se ocorrer, o jogador sai do campeonato.
Para garantir a noite, o local foi organizado com mesas, uma cozinha para servir carreteiro e pastel durante toda a noite, a R$ 10,00 a porção.
Na mesa, o que rola é troca de olhar e alguns sinais de maneira que ninguém perceba. Durante o jogo é tudo ou nada e se não tem a carta certa na mão, vale até intimidar o adversário na palavra. “Aqui ninguém joga sozinho” ou “Tá pensando o que? Não comecei agora”, são frases chaves para Adalton Garcia, de 44 anos, conhecido como Baianinho.
Ele que é campeão paulista de truco, tem um jeito manjado e não perde a oportunidade no jogo. Quando sabe que vai ganhar, faz escândalo na mesa e já levanta gritando. Conta que veio de Piratininga, no interior de São Paulo e já são 20 anos sentados na mesa jogando. “Já ganhei em um campeonato em São Paulo com mais de 22 mil duplas. Aqui não é de hoje que sabe”, diz se gabando.
E Baianinho não conta só com a sorte. Os anos de experiência fizeram dele truqueiro de verdade. Com o baralho na mão, mostra como faz para ver quais as cartas são entregues ao oponente. O truque vai depender do ângulo e da rapidez do jogador, mas isso já nem é problema para Baianinho. “Se vale roubar no jogo? Só se ninguém tiver vendo”, ri.
Sem perder o bom humor, lembra que foi mais fácil esquecer o divórcio do que os troféus. “Fui casado 15 anos com a primeira esposa que me largou porque eu jogava, mas no dia que eu sai de casa eu fiz questão de chamar um caminhão para levar meus troféus. Não largo por nada”, descreve.
O advogado Junior Castilho, de 39 anos, enfrentou viagem de Rondonópolis a Campo Grande para o torneio, na companhia dos amigos. "Eu jogo há 20 anos e a gente sentiu que o truco diminuiu por conta do poker que evoluiu muito. E aqui é bacana pra gente se divertir e claro, quem sabe levar o prêmio né", comenta.
Tem até amizade que truco nenhum é capaz de separar. As amigas Bernadete, Hellen e Sirlene são amigas há 15 anos, desde que os maridos começaram a participar dos campeonatos. "Eles eram amigos e jogavam toda vez, um dia a gente acabou se conhecendo e somos melhores amigas até hoje. Somos as verdadeiras truqueiras", brinca Bernadete Guimarães, de 46 anos.
Elas não jogam cartas, mas passam a noite acordadas jogando conversa fora e bebendo, e juram não sentir ciúmes. "A gente só acompanha porque somos parceiras, mas não é toda viagem. É mais quando a gente quer se reunir", diz Hellen Silvia, de 44 anos.
João Vitor, de 13 anos, acompanha o pai Charles Miess, de 40. Os dois vieram de Birigui para competir. Todo tímido, o menino começou no truco aos 10 anos, hoje é parceiro do pai. "Ele é tímido assim, mas na hora de jogar é uma fortaleza. É meu amigo e companheiro, mas ele joga pra valer", diz o pai.
Charles é comerciante e joga desde os 14 anos. Ao lado do filho, a diversão é garantida, mas admite que é preciso enfrentar a braveza da esposa. "Ela fica brava né, mas sabe que isso é uma paixão e que faz a gente estar sempre juntos", afirma.