Comer sob olhares de censura: 1º contra o prato de pedreiro, agora pela ninharia
A primeira vez que ouvi um "Ei! Você é a moça do Campo Grande News? Eu posso ir até a fila com você ver seu prato?”, me dei conta da dimensão que escrever sobre o procedimento da cirurgia bariátrica, do processo de emagrecimento e da dieta em si é de uma responsabilidade muita grande. Todas as segundas-feiras, milhares de pessoas que leem a coluna, muitas vezes colocam em xeque se é mesmo verdade que alguém, que em um dia comia até mais de um quilo no almoço, no outro consegue (sim, consegue, porque NÃO entra hahaha) comer no máximo 100 gramas e tudo balanceado.
Antes da cirurgia, quando chegava ao restaurante, minha escolha era sempre o self service, onde pagava no mínimo R$ 20,00 por uma refeição e tudo começava com um mega prato de salada claro, porque eu tinha que ser saudável (risos eternos). Uma farta salada de macarrão (posso rir mais?), com frios (agora estou rindo de vergonha), um pedaço de carne (tem que ter proteína), legumes, folhas e conquistava um pedaço do paraíso nutricional com uma colher de linhaça por cima, óbvio.
Depois, eu voltava para a fila para comer umas três colheres de arroz, e não, não era de sopa, porque os donos de restaurantes são sabotadores e não deixam colheres de sopa para nos servirmos, mais um pedaço daquela belíssima lasanha ou um pouco de macarrão que estava ali com um pouco de molho branco.
Gente, como eu poderia perder um pouco daquela suculenta rabada com aquela polenta? E o purê de batata? Diminui um pouco do arroz e coloca aqui no cantinho um peixe a milanesa que cabe. Opa, espera que ali naquela cuba tem uma costelinha de porco a pururuca que está simplesmente divina. Pode porque é proteína, só não comer o gordura, oras!
No sábado, era feijoada, e a laranja e a couve refogada dava aquela balanceada na carne suína, costelinha defumada, toicinho e tudo que envolve a comida típica do sábado do brasileiro. E de sobremesa eu ia de frutas sempre, porque eu era a gorda saudável e dizia: “Mas gente, eu como normal”.
Foi quando eu comecei a comer na base do quilo. E na primeira vez, que fui pesar meu prato já na dieta sólida, onde servi uma colher de sopa de arroz, uma de feijão, uma porção pequena de carne, legumes, pesei o prato e vi divinas cem gramas, isso mesmo CEM GRAMAS de um almoço ali à minha frente. Me senti saciada (aliás, não consegui comer tudo). Foi quando percebi que na verdade, eu vivia para comer e não comia para viver.
A alegria eu não sei se é comer bem, pouco e “normal”, comer de tudo sem se sentir um alienígena devorador (sim, quando o gordo entra no restaurante os olhares são inevitáveis) ou quando o valor é no máximo R$ 5 e você que gastava R$ 200 por semana para comer, passa a gastar R$ 50! É um prazer inenarrável gente! Hahahahaha!
Como já disse em outras colunas, escrever é expor-se e desnudar-se e isso significa também estar disposta a ter dedos apontados e cobrança. Tem dias que estou irritada e queria comer o que me desse na telha e mandar todo mundo catar coquinho, afinal, sou ser humano e também acordo com a vó atrás do toco.
Mas por outro lado, minha gente, me sinto privilegiada, porque são muitas demonstrações de carinho e de incentivo no dia a dia e por onde passo, ouço perguntas sobre como é o meu alimentar hoje.
Ao longo desses quatro meses coleciono histórias, como no dia em que estava no shopping e a moça, muito simpática, foi comigo até o final da fila e me parabenizou, me abraçou e me falou que se sentiu feliz com minha coragem e que tinha uma prima que tomou coragem após ler a coluna. Ou do dia que duas lindas meninas que trabalham comigo na Câmara pararam do nada no estacionamento, a Gisa e a Tânia, e gritaram: “Não vai comer isso, vai fazer mal!”. Levei um susto! Estava comprando o pão para meu pai e ri, porque sei que isso é forma de cuidar.
Também me sinto cuidada com carinho quando eu chego ao serviço e as pessoas gritam: “Vai gordinha!” ou num restaurante novo e o dono fala: “Nossa você a moça do Campo Grande News? Que bom que você está indo bem!”. Na fila do supermercado, na feira, no banco, na loja, as pessoas querem saber, a ordem do dia hoje é sim emagrecer e expor a dor do preconceito é um ato de coragem, e enfrentar isso de peito aberto então, gera curiosidade.
Mas engraçado mesmo foi outro dia, eu e Josiel, meu noivo, sentamos para comer no lugar de sempre e os funcionários de lá já estão acostumados, mas uma senhora, muito boazinha que sentou perto de mim falou: “Nossa, você come menos que minha filhinha, está tudo bem? Você não vai ficar fraquinha”. Eu me senti uma criança e ali já fiz mais uma amizade!