Para quem já pesou 170, 98 quilos é o sonho de sair da escuridão da obesidade
Sabe aqueles dias em que você acorda, meio assim, sei lá? Então, daí eu tinha um material para escrever sobre comida. Pois é, eu, bariátrica escrevendo sobre comida. Gente, que difícil. E comecei a lembrar da minha mãe, e como deve ter sido a gestação dela, quando estava me esperando. Vai fazer um ano que minha mãe se foi no próximo dia 22 de novembro, e lembrei então que há nove meses, fiz a minha cirurgia bariátrica.
Claro que a primeira coisa que lembrei foi que nove meses depois nasceu uma nova mulher. Não, não é metáfora ou brincadeira, mas sim uma nova pessoa que renasceu por meio de um procedimento cirúrgico. Eu tenho umas paranoias que nunca tive, confesso, de me olhar no espelho e às vezes achar que estou vivendo um sonho, ou um pesadelo, e acordar e não ser nada daquilo que eu estou pensando. Até que olhei uma foto com um vestido em uma cor que eu nem tinha gostado muito.
Estava meio frio, eu gosto de decotes e o vestido não tem decotes... Mas ia para um programa de TV, e acredito que cabia na ocasião. Calcei um sapato de salto com bico fechado, estilo boneca, do jeito que eu queria usar. Antes de ir, passei na minha irmã. O Pedro é o meu “espelho”, quando ele acha que está bonito, ele fala na cara dura, e quando não.
Desci do carro e ele veio ao portão me receber. “Tia, tia, como você está magra!”
Eu abri um sorriso! Meu Deus, quando eu pensei que ser magra seria um grande elogio para uma mulher que ainda pesa cem quilos??? Não, aquilo não estava acontecendo. E pedi uma foto para meu marido. Afinal, eu estava feliz com o vestido, definindo melhor a minha silhueta, a cintura ali, aparecendo, mais fina... Corrige a postura! Gritou minha sobrinha...
Quando olhei aquele retrato, com caras e bocas, de cima para baixo e de baixo para cima, tentando perceber o melhor ângulo, aquela coisa de mulher, me descobri vaidosa e cheia de mim, porque vi ali que todas as fotos me agradavam de certa forma, porque nove meses depois, eu mesma pari uma nova mulher...
E pronto! A foto com o vestido que estava guardado, para uma ocasião especial, e aquela era uma ocasião especial, eu estava usando uma roupa para mim. Na verdade, eu acho que me assustei, porque eu estou numa “nóia” de reganho de peso e de efeito platô (quando estacionamos num peso) e pensando que meu sonho é pesar 98 quilos.
Meu Deus, quem no mundo quer pesar 98 quilos? Que mulher sonha em pesar 98 quilos? Pois é, eu mesma. Eu sonho com isso, sempre, e correr literalmente atrás dos 98 quilos não é fácil para quem já pesou 170 quilos e sabe que nunca vai ser “corpo padrão”.
Lembrei de todas as vezes que senti vontade de comer algo e não poderia, ou daquelas que passei mal, porque eu lindamente insisti em comer e percebi que meu estômago não é mais o mesmo, mas que vamos lá temos que nos conformar e a vida continua, só que de outra forma, e com tantas mudanças que nove luas trazem.
Eu ainda não sou mãe, de parir, mas imagino que não é fácil dar à luz. Assim como não foi comigo, me “parir” e dar à luz a uma nova pessoa que saiu da escuridão de uma doença cruel que é a obesidade – e, por favor, não pensem nisso como gordofobia, porque quem sabe o que é entalar na roleta da catraca do busão e ser alvo de ofensas apenas por ser gorda, sabe o que eu estou falando – onde
E ao postar a foto nas redes sociais, entre os inúmeros elogios e mais de 500 curtidas, me veio uma noção de como temos noções disformes de nós mesmos algumas vezes. Eu percebi que meu sonho ainda é pesar 98 quilos, mas me senti realizada, bem realizada em ser apenas chamada de “magra”. E olha que isso nem deveria ser um elogio... Mas olhando bem as fotos de antes e de agora, até que estou assim, “magra”...