Estilistas em lojas de tecido: raridades que hoje vão muito além do desenho
Cresci com roupas desenhadas por estilistas de lojas de tecidos de Dourados (onde morei até os 15 anos). Era só chegar com minha mãe, escolher o pano e aqueles homens, sempre muito falantes, desenhavam de roupa de festa e peças do dia-a-dia em minutos. Até bermuda era feita nesse esquema.
Hoje, depois de 23 anos em Campo Grande, resolvi procurar quem ainda faz moda desse jeito e encontrei apenas três, nenhum com menos de 35 anos. As lojas de tecidos também são raridade. Há poucas com produtos mais sofisticados e outras pequenas bem populares no Centro.
Estilista mesmo só encontrei na Riviera Tecidos e na Triana, dedicados ao desenho para festas, principalmente. São nomes que há muito tempo desenham, bordam e, com os anos, passaram a desempenhar ainda mais funções, transformando um pouco a profissão.
Jorge Afonso Torres, da Triana, garante que atende mais de cem clientes por dia. “É por telefone, ao vivo, por e-mail. Vivo em contato com alguém”, explica.
Já são 30 anos trabalhando em lojas, 18 deles na Triana. As noivas são as que mais aguçam a criatividade do estilista que se orgulha de ter formação na área. “Fiz faculdade de moda e pós-graduação”.
Ele ajuda a escolher o tecido, desenha o vestido, encaminha à costureira, monta a roupa e por fim faz as aplicações de pedrarias.
O homem vive para o que faz. De manhã, tarde e até de noite, diz estar até o último fio de cabelo envolvido com o ofício. “Também dou consultoria de estilo, presto serviços para casas de noivas e para boutiques. Estou sempre fazendo algo para minhas clientes”, comenta.
Jorge Afonso hoje é a cara da loja e sabe disso. “É a diferença. Atendo da mulher do governador a gente que mora nos bairros mais afastados. Consigo fazer um vestido por mil reais e ainda sobra dinheiro para o cabelereiro”, brinca.
Na concorrente Riviera, são dois profissionais que também não economizam tempo na profissão. Lecler (na versão abrasileirada) tem nome de estilista de novela e não é à toa. Há 20 anos desenha, um “talento de criança”, diz.
Em Campo Grande há apenas 5 meses, ele ainda conta nos dedos as clientes, mas aposta que não há riscos para os estilistas de loja. “Desde que comecei me perguntam se eu não acho que isso vai acabar. Bem, até hoje tenho serviço”.
Antônio de nascimento, Lecler aprendeu a costurar com a irmã, foi convidado a trabalhar em Mato Grosso do Sul e deixou Rondônia para apostar na clientela daqui. “Recebi um convite do dono da loja, que tinha dificuldade de encontrar alguém aqui. Decidi aceitar.”
Na mesa ao lado, Claudinei Aquino já ocupa há 18 anos o posto de estilista, primeiro na antiga Rakan, loja de tecidos famosa que fechou na década de 90.
A prática continua igual. É só chegar, conversar uns 10 ou 15 minutos, sobre preferências, estilos, e em pouco tempo o modelo está estampado na folha de papel.
Para ajudar a avó, Claudinei, fez um curso no SENAC e aos 18 anos começou com os croquis.
“Agora tenho uma clientela imensa, do Estado inteiro. Tenho clientes em Corumbá, em Três Lagoas. É gente que vem pra cá só porque tem o estilista”, comenta Claudinei.
O estilista garante que é mais fácil arrumar cliente que costureira, por exemplo. “Tem muitas indústrias e elas acabam aprendendo a fazer só uma coisa na linha de produção”.
É preciso fazer de tudo um pouco para sobreviver em uma profissão que já não rende tanto. “Tenho de me virar... Faço fantasia de Carnaval e trabalho muito em concursos de Miss”.
Ele já fez fantasias para Escola de Samba Igrejinha e neste ano ornamentou a comissão de frente de agremiação de Corumbá.
Mas a passarela das misses é a melhor propaganda para Claudinei, que adora falar de glamour. “Temos tecidos aqui baratos, renda por R$ 39,00, mas também temos peças de R$ 1,5 mil. Adoro ter tantas opções para tanto tipo de gente”.
O que irrita na relação com a clientela é justamente não poder criar. “Tem gente que chega aqui e pede para desenhar uma regatinha, por exemplo, sem nenhum detalhe. Tenha dó, eu tenho de usar a minha criatividade”.