A arte de fazer um Quebra Torto de levantar qualquer pantaneiro
Quebra Torto. Não tem outra resposta à pergunta que fiz durante estes dias, sobre o que mantém o homem pantaneiro de pé. É arroz carreteiro e ovo frito, no caso eram ovos mexidos e servidos pontualmente às 6h da manhã.
O sol mal tinha dado às caras, mas ele já estava lá. Era o centro das atenções na mesa de café-da-manhã. Feito com carinho e por quem conhece com propriedade de Pantanal. O quebra torto tem a assinatura de ‘seo’ Helinho e sua comitiva. Personagem famoso por dar de comer e, muito bem, aos pantaneiros.
Apesar de manter restaurante em Campo Grande há oito anos, onde tiver festa pantaneira, ‘seo’ Helinho puxa a comitiva e chega de panela e cuia. Sem fazer cerimônia pra seo ninguém, bem ao estilo pantaneiro, ele já deixou escrito numa placa no próprio restaurante: “Fechamos. Reabriremos tal dia. Estou estressado e fui pescar”.
Sempre de chapéu, ele é a simpatia em pessoa. A trajetória na cozinha é de muitos anos. “Comecei a queimar lata e fazer desde guri”, conta. Na época, Hélio Martins Lopes era mesmo o Helinho, tinha apenas 8 anos. Desde então já se passaram 44 anos de experiência à quem viveu o gosto e o sabor da terra.
Nascido em Amambai, não sabe dizer se se criou no Pantanal ou se foi o Pantanal que o criou. “Eu tive comitiva por 12 anos. Minha clientela é o povo da pecuária, eu puxei boi a vida inteira”.
Durante a conversa, ele é interrompido para receber os parabéns pela comida. Merecido. O cardápio de toda 5ª Cavalgada no Pantanal estava à altura da Nhecolândia. Arroz carreteiro, macarrão com carne seca, bobó de galinha caipira, churrasco, carneiro e virado de feijão. Comida para satisfazer e que dá sustância para quem ainda tem quilômetros pela frente em cima do lombo do cavalo.
“Toda vida eu tinha o sonho de mexer com gastronomia”. Sonho realizado com todo gosto.
E receita? Será que é segredo de pantaneiro ou pode ser contada aos quatro ventos? Pode sim. Ele não faz mistério não. Ensina passo a passo como fazer a queima do alho ao estilo da Comitiva do Helinho. Mas desafio que fique tão suculenta e com gostinho pantaneiro como a do chefe de cozinha.
A culinária típica regional tem como especialidades do cozinheiro o porco, frango caipira, carne de panela de sol, costela, porco no tacho e macarrão com carne seca. “Ah, mas o principal é o carreteiro e o churrasco, né?”.
A pergunta é retórica. Até porque quem ainda não está de boca cheia está
com água na boca. Para seguir a variedade de pratos e dar conta da quantidade para a cavalgada, era terminar um prato pra começar outro. Na cozinha tinha gente o tempo todo. Até chegar à mesa, vai tempo. A comida começa a ser feita 3h antes.
Papel e caneta na mão? Anote os ingredientes: carne de sol, arroz, alho e laranjas. O primeiro passo é fritar bem a carne.
“Frita bem frita, joga água e frita até ir dourando. É demorado, frita, pinga água, frita”, ensina.
Para o tempero, alho e de duas a três laranjas. “É bom para dourar, aí fica amarelinho”. Em seguida, coloque alho e frite junto da carne. Depois o arroz e frita tudo novamente.
“Para saber o ponto certo? Ai isso aí tem que ter o conhecimento”, brinca. “Depois de bem frito, coloca água. Tem que tampar o arroz até passar 3 centímetros”.
As instruções a seguir é deixar aflorar o lado pantaneiro. Pegue a guampa, cuia, erva-mate e água gelada. Tome um tereré e espere. A ordem é “deixa quieto para ir secando, depois dá uma virada nele, mas só quando tiver secando já. Eu só de olhar já sei se está cozido ou não”, explica. Isso, ele não sabe ensinar. Veio mesmo com a experiência. Ah sim, o sal é à gosto.
‘Seo’ Helinho recomenda que para cada 1kg de arroz seja feito 1kg de carne.
E já que estamos falando de comida típica, ele não se nega a ensinar o segundo prato: macarrão com carne seca. Os ingredientes são carne de sol e macarrão espaguete.
“É o mesmo procedimento. Frita a carne, como faz o carreteiro. Quebra o macarrão, mas quebra em cinco, que fica bom de fritar”. Quem ouve obedece, quem lê, toma nota.
“Vai fritando, não pode parar de mexer, até assentar na panela, não pode deixar o macarrão armado”, descreve. A quantidade de água agora é metade da de arroz e o segredo é deixar que o prato termine por si só.
“Põe em fogo brando e de vez em quando vira, não fica mexendo”.
Ele termina perguntando se está tudo anotado e que agora, vai servir para a repórter provar do quebra torto. “Mas às 6h da manhã?”. Quem mal é acostumado a tomar um pingado, pode até estranhar o quebra torto logo cedo.
Pantaneiro de vivência ele responde “a refeição fundamental é a da manhã. No Pantanal sempre tem comida cedo por causa da jornada do peão que é longa. Na fazenda, se não come cedo, não agüenta o dia. Prova”.
‘Seo’ Helinho estava certo. O segundo dia da cavalgada rendeu bem mais que o primeiro. O carreteiro deu sustância e junto dos outros pantaneiros, nem me pareceu estranho o quebra torto antes do sol nascer. O Pantanal também é vivido pelos sabores.
“Toda vida meu sonho era de mexer com gastronomia. Para mim isso aqui é higiene mental. Porque eu gosto, é onde eu fui criado, dá uma limpada na cabeça”.
E para quem não consegue ir ao Pantanal, pode provar do gosto da comida do "seo" Helinho aqui mesmo. O restaurante dele abre de segunda a segunda, tanto para o almoço, quanto para a janta, na rua Pedro Celestino, no bairro Monte Líbano. O risco é só do cliente chegar e se deparar com o anúncio de que por estar estressado, "seo" Helinho foi pescar.