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Sabor

Entre uma viagem e outra, bolo faz nordestino matar saudade do Recife

Tradição pernambucana, bolo de rolo é a sobremesa que Jediel e a esposa praticam os laços culturais e ainda faturam renda extra

Raul Delvizio | 08/02/2021 07:54
Jediel é o motorista de aplicativo que comercializa o mais tradicional doce pernambucano: bolo de rolo (Foto: Paulo Francis)
Jediel é o motorista de aplicativo que comercializa o mais tradicional doce pernambucano: bolo de rolo (Foto: Paulo Francis)

Não tem coisa melhor que a comida nordestina, visse?"

A frase de Jediel José da Silva, 56 anos, resume bem a paixão que ainda carrega pela terra que deixou há pouco mais de 1 ano. Natural de Vitória de Santo Antão – terra da cachaça Pitú – e até então vivendo com sua família na capital do Pernambuco, viajou  com esposa e prole os 3 mil e 600 quilômetros que separam Recife à Campo Grande.

Por aqui, recomeçou a vida do zero e para sobreviver se tornou motorista de aplicativo. Mas tem um diferencial aí, com cheirinho de doce e sabor bem brasileiro. De segunda a segunda, para cada viajante que "o acompanha", ele oferece a venda exclusiva de uma sobremesa caseira que é a maior sensação e tradição recifense: o bolo de rolo.

Nas costas do banco do carona, sobremesa é divulgada em um banner (Foto: Paulo Francis)
Nas costas do banco do carona, sobremesa é divulgada em um banner (Foto: Paulo Francis)

De forma simples, até um banner prendeu nas costas do banco do carona. Afinal, sua opinião é de que não há melhor "ponto comercial" do que o próprio carro. "Faça sua encomenda ou pegue comigo. Não tem 'freguês' que não pergunta do que se trata. Quem nunca ouviu falar acaba descobrindo comigo na hora da viagem. Bolo de rolo da minha esposa é sem igual, só provando pra saber", vende o peixe – no caso o doce.

Contando com a ajuda da companheira e boleira Laudilene "Lau" Maria Lima de Souza, 46 anos, a receita da mulher é "sem frescura": manteiga, ovos, farinha de trigo, açúcar e recheio de goiabada cascão. Mas para transformar simples ingredientes em uma massa fofa e úmida, tipo a de pão de ló, só que na versão nordestina de um rocambole, demorou um bocado.

Laudilene é a esposa e boleira da casa (Foto: Paulo Francis)
Laudilene é a esposa e boleira da casa (Foto: Paulo Francis)
Bolo de rolo é um tipo de rocambole recifense recheado tradicionalmente com goiabada que tem origens portuguesas, da época do Brasil colônia (Foto: Paulo Francis)
Bolo de rolo é um tipo de rocambole recifense recheado tradicionalmente com goiabada que tem origens portuguesas, da época do Brasil colônia (Foto: Paulo Francis)
Aqui, goiabada cascão derretida vira o recheio do bolo (Foto: Paulo Francis)
Aqui, goiabada cascão derretida vira o recheio do bolo (Foto: Paulo Francis)

"Eu até já sabia como tinha que ser feito, mas não tinha a técnica. Minha cunhada passou tudinho por telefone e fui pondo em prática. Demorou 4 meses para eu chegar na versão de agora, pronta para ser comercializada. É uma massa amanteigada que tem quantidades, ponto de forno e até tempo de descanso tudo certinho. Não diria que o meu é o melhor, mas que é o verdadeiro recifense, isso sem dúvida", garante Lau.

Até quem é conterrâneo do casal e também vive aqui em MS ficou maravilhado com a novidade. "Costumam dizer que dá uma saudadezinha da nossa terra. Fico super orgulhosa", relata.

Mas como que Jediel e Lau trocaram o litoral do Nordeste para o cerrado sul-mato-grossense? A explicação não poderia ser outra: vieram ficar mais próximos do filho mais velho Werllan, que é 3º sargento do exército e já mora em Campo Grande tem 2 anos. "Só trouxemos as roupas, nossa filha adolescente e o cachorrinho. Pegamos o carro e viemos embora pra cá. Isso foi em dezembro de 2019", disseram.

"Não é fácil": Lau diz que demorou quase 4 meses para "pegar a manha" da receita (Foto: Paulo Francis)
"Não é fácil": Lau diz que demorou quase 4 meses para "pegar a manha" da receita (Foto: Paulo Francis)

Em Recife, o casal também deixou para trás a mercearia que cultivaram por anos. Lá, tinham o costume de vender – entre outros tantos itens – os bolos caseiros que Lau também fabricava. Na Cidade Morena, porém, Jediel apenas transferiu a característica de vendedor nato de endereço.

"Quem tem Deus no coração, luta e trabalha com ternura e dedicação, a recompensa está no caminho. E nós aqui somos dois bichinhos trabalhadores", brinca a esposa. "Honestidade acima de tudo", ressalta.

Antes de morarem no Conjunto José Abrão e Jediel ficar responsável pela propagando dos bolos de rolo durante a atividade de motorista de aplicativo, era Lau quem passava de porta em porta em tudo que era mercadinho de bairro, salão de beleza, agência de banco, posto de saúde, enfim, onde tinha possíveis fregueses.

Antes, Lau andava pelo bairro à procura de possíveis consumidores; para eles, prova vinha em saquinho (Foto: Arquivo Pessoal)
Antes, Lau andava pelo bairro à procura de possíveis consumidores; para eles, prova vinha em saquinho (Foto: Arquivo Pessoal)

"Entregava uma provinha em um saquinho bonitinho para todo mundo. Assim fazia um pouco de nome, mostrava essa tradição pernambucana. No início foi bem difícil, a venda era fraca. Tudo foi melhorar mesmo quando uma cliente fez uma postagem no Facebook sobre a gente, e daí a coisa explodiu", agradece Lau. Só na semana passada, foram pelo menos 15 entregas feitas – e crescendo – fora o que foi vendido no próprio carro.

São 2 opções de bolo de rolo caseiro: de ½ quilo (R$ 20,00) e de pouco mais de 1 kg (R$ 45,00). Nas encomendas, Jediel cobra a taxa de entrega de R$ 5,00 por toda a Campo Grande.

Produção agora está a todo gás (Foto: Arquivo Pessoal)
Produção agora está a todo gás (Foto: Arquivo Pessoal)

"E o café da manhã ou cafezinho da tarde, tem bolo de rolo no meio?", pergunto. "Por aqui só cuscuz com carne de charque e queijo coalho. Não tem nada igual!", recomenda o motorista-entregador.

Muita adaptação – desde o jeitinho do campo-grandense, mapa da cidade e até o "calorão brabo" de MS – percorreu esses últimos 12 meses na vida do casal de pernambucanos. Porém, asseguram: não sentem nenhuma falta da praia. "Apenas saudades da família, dos amigos de Recife. Aqui é uma terra muito boa, muito gostosa. Estamos felizes, mais ainda por até agora só termos sido bem recebidos", finalizam.

Vivendo na Cidade Morena, morando perto do filho mais velho e ainda cultivando as raízes, casal tem motivos de sobra para sorrir (Foto: Paulo Francis)
Vivendo na Cidade Morena, morando perto do filho mais velho e ainda cultivando as raízes, casal tem motivos de sobra para sorrir (Foto: Paulo Francis)

Quem sabe na próxima viagem você não de cara com Jediel e experimente a sobremesa mais pernambucana de todas?

Mas para atender os "formiguinhas" de plantão, encomendas do bolo de rolo podem ser solicitadas via WhatsApp ou então por telefone, pelo número (67) 99337-3355.

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