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Meio Ambiente

Campo Grande ficou 2,2ºC mais quente em 60 anos, revela análise

Balanço das temperaturas marcadas entre 1963 e a metade de 2024 comprova elevação

Por Cassia Modena | 15/08/2024 08:05
Sol brilha forte durante o dia de inverno, no céu encoberto por fumaça de incêndio em vegetação (Foto: Osmar Veiga)
Sol brilha forte durante o dia de inverno, no céu encoberto por fumaça de incêndio em vegetação (Foto: Osmar Veiga)

Campo Grande está mesmo ficando mais quente e não é só impressão. A capital de Mato Grosso do Sul esquentou 2,2ºC em pouco mais de 60 anos, como revela uma análise feita com dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

As temperaturas máximas e mínimas marcadas diariamente por uma estação meteorológica instalada perto do Aeroporto Internacional, tiveram essa curva para cima em graus celsius entre janeiro de 1963 e junho de 2024.

O equipamento que faz as marcações fica dentro de uma área de mata vizinha à região urbana. A análise usa seus dados e foi feita pelo doutor em Meteorologia e professor do Instituto de Física da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Vinicius Buscioli Capistrano, usando um teste conhecido como Mann-Kendall.

No balanço, foram consideradas as temperaturas registradas pontualmente às 14h, horário mais próximo ao auge do aquecimento pelo sol.

Não é pouco - “Podemos dizer que a temperatura subiu aproximadamente 0,4ºC por década e atingiu essa soma de 2,2ºC acima da média em pouco mais de 60 anos”, detalha. Só nos últimos 20 anos, houve acréscimo de 1,4ºC na média, ele destaca.

Segundo Vinícius, a análise permite observar que o intervalo que começa no fim da década de 1990 e vai até a metade de 2024, teve os maiores picos de temperaturas máximas e as temperaturas mínimas mais elevadas. Ou seja, o calor está mais extremo e o frio, mais ameno.

Gráfico: Barbara Campiteli
Gráfico: Barbara Campiteli

“Pode parecer pouco esse aumento, mas não é. Temos de plano de fundo o aquecimento global, que ficou 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais no ano passado”, frisa. Essa elevação foi confirmada pelo serviço climático da União Europeia.

Ondas de calor - Especialmente a partir dos anos 2000, ficaram mais frequentes as ondas de calor na Capital de Mato Grosso do Sul. Elas acontecem quando os marcadores dos termômetros superam os 35ºC.

A média das temperaturas máximas saiu de 34,5ºC para 36,7ºC, do início até o final da série. Na parte sombreada do gráfico acima, é possível observar picos tocando os 40ºC.

Enquanto isso, as médias das mínimas que ficavam em 27,6ºC nos registros mais antigos, subiram para 29,8ºC no período atual.

Confusão e oscilação térmica na Capital: mesmo esfriando à noite e de madrugada, temperaturas podem subir muito durante o dia (Foto: Marcos Maluf)
Confusão e oscilação térmica na Capital: mesmo esfriando à noite e de madrugada, temperaturas podem subir muito durante o dia (Foto: Marcos Maluf)

Mesmo depois que o sol vai embora, as temperaturas mais extremas andam beirando o insuportável nas estações quentes, em Campo Grande. O recorde da série é o pico de 32,6ºC registrado na noite de 17 de novembro de 2023. Reclamações não faltam sobre a dificuldade de dormir nessa condição.

O que explica - Doutor em Física Ambiental e professor da Uniderp, Higo José Dalmagro reforça que o aquecimento global e também fenômenos regionais como o El Ñino, que afetam não apenas Campo Grande, provocam o aumento das temperaturas em todo o mundo.

Fatores locais também estão envolvidos. Em Campo Grande, um deles é o surgimento de mais ilhas de calor formadas pela expansão urbana e redução de áreas verdes, diz Higo.

“Absorção e aprisionamento da radiação solar e do calor pelas construções, a redução dos efeitos benéficos de brisas e ventos devido aos edifícios que funcionam como obstáculos, a impermeabilização do solo com asfalto e concreto, além das emissões de calor e vapor d'água gerados por atividades urbanas, como a queima de combustíveis e o funcionamento de sistemas de refrigeração. Tudo isso são exemplos do que pode formar as ilhas de calor”, ele descreve.

A arborização que certificou a cidade como "Tree City of the World" (Cidade Árvore do Mundo) consegue atenuar, mas não impedir completamente os efeitos das ilhas de calor.

O Centro e os Bairros Amambaí e Vila Glória tendem a ser os mais afetados pelo aumento gradual das temperaturas na Capital, cita Higo, por possuírem menos cobertura vegetal, asfalto e concreto.

Centro tem ilha de calor, que provoca aumento local da temperatura (Foto: Arquivo/Juliano Almeida)
Centro tem ilha de calor, que provoca aumento local da temperatura (Foto: Arquivo/Juliano Almeida)

Irreversíveis, mas mitigáveis – Higo e Vinícius lembram que medidas para evitar mais aquecimento nas cidades e mitigar seus efeitos, hoje irreversíveis, precisam ser tomadas pelo Poder Público e a sociedade.

O doutor em Física Ambiental avalia que falta em Campo Grande um sistema integrado de monitoramento e alerta meteorológico para prevenir melhor os possíveis impactos do clima na vida das pessoas na cidade e à biodiversidade. Atualmente, são combinados dados do Inmet e de estações pluviométricas para fazer essas previsões.

Um sistema mais avançado poderia usar dados de satélite para gerar mapas de calor e de precipitação da cidade, com alta resolução espacial, sugere o professor. “Com esses mapeamentos, seria possível avaliar opções de adaptação às mudanças climáticas em pontos críticos urbanos, ajudando a selecionar as melhores estratégias de adaptação para a cidade. Além disso, a eficácia econômica das medidas de mitigação poderia ser priorizada e avaliada”, fala.

Desde o ano passado, Campo Grande tem um Comitê Municipal de Enfrentamento às Mudanças Climáticas coordenado pela Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano). A diretora de Planejamento e Monitoramento da pasta, Mariana Massud, explica que ele conta com membros diversos, do Poder Público e da sociedade civil, para definir um plano de descarbonização capaz de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO₂) e outros gases por meio de iniciativas sustentáveis. O trabalho recebe financiamento do BID (Banco Internacional de Desenvolvimento) e ajuda de especialistas de outros países.

Reunião, este ano, com consultores climáticos da Espanha em Campo Grande (Foto: Divulgação/Planurb)
Reunião, este ano, com consultores climáticos da Espanha em Campo Grande (Foto: Divulgação/Planurb)

Mariana afirma que a Capital já construiu uma retaguarda ao longo dos anos. “Sempre foi uma preocupação, desde o plantio de árvores hoje centenárias na Avenida Afonso Pena, a instituição de zonas especiais de interesse ambiental no Plano Diretor da cidade e criação de seis unidades de conservação”, exemplifica.

Veículos e termelétrica - Vinícius Buscioli coordena uma pesquisa que está em fase de conclusão. Ela poderá mostrar qual foi o impacto do aumento da frota de veículos em Campo Grande e a emissão de mais gases poluentes à atmosfera.

O estudo também vai estimar quais serão os efeitos das operações da termelétrica, William Arjona, instalada na Capital.

Os resultados poderão contribuir para a tomada de decisões pelo governo estadual, levando em conta a meta do Estado se tornar “carbono neutro” até 2030.

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