Com fogo no Pantanal, araras-azuis novamente correm risco de extinção
Seis anos após sair da lista de animais em vias de extermínio, espécie, infelizmente, deve retornar ao rol
Depois de dois anos seguidos de destruição pelo fogo, o Pantanal vê uma de suas principais espécies de ave prestes a voltar à lista de animal ameaçado de extinção: a arara-azul, que venceu o risco de extermínio em dezembro de 2014.
Para a presidente do Instituto Arara Azul, Neiva Guedes, autoridade na espécie, o retorno dos animais ao grupo dos que estão em vias de serem eliminados, é certa. Em entrevista ao O Globo, ela afirma que “elas devem voltar para a lista dos animais brasileiros ameaçados de extinção.”
Isso decorre, infelizmente, do fogo na planície pantaneira em Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso. Em 2019, queimadas atingiram o Refúgio Ecológico Caiman, que é centro de reprodução da espécie, em Miranda. Segundo Neiva, o problema é o pós-fogo.
“Nas queimadas de 2019 perdemos 40% dos casais reprodutores, com um impacto grande no futuro da espécie. O pós-fogo é um período de agonia de duração incerta, muitas vezes, pior que as chamas. Ele traz fome e perda de habitat”, afirmou a especialista.
Citando a região de Miranda, ela sustenta ainda que lá, “as araras-azuis ficaram sem comida e ninhos. Elas são extremamente especialistas, comem apenas os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva. Vimos que filhotes sobreviventes das queimadas de 2019 tiveram deficiências devido à falta de comida. As araras tentam comer a bocaiúva queimada, mas não se sabe o quanto esta é nutritiva. E as araras também perdem seus ninhos.”
Já neste ano, em Mato Grosso, o fogo ativo atinge a Fazenda São Francisco de Perigara, em Barão de Melgaço, que teve 92% da área queimada. O local é considerado santuário da espécie e responsável por 15% de toda população do animal da natureza.
“Neste ano nem sabemos ainda, tamanha a destruição. Nunca vimos nada igual ao que presenciamos agora. Como as queimadas de 2020 já destruíram uma área muito maior (cerca de 3 milhões de hectares até setembro) que as do ano passado, tememos ainda mais pelo pós-fogo”, ressalta.
Três predações – a tragédia é tamanha, que Guedes afirma que neste ano, pela primeira vez desde o começo do monitoramento da espécie, na década de 90, houve ocorrência de uma arara matar a outra. “Essas araras são muito sociáveis, os bandos vivem em harmonia. Mas seus ninhos foram queimados. E as araras entraram em conflito. Esse tipo de comportamento brutal, movido pelo desespero, nunca tinha sido observado na espécie”, lamenta.
E não fosse isso, há ainda a predação por outros animais, que sem alimento devido as queimadas, encontram nas araras sua refeição. “Documentamos iraras (papa-mel ou jaguapé) e jaguatiricas matando e comendo araras-azuis adultas no ninho.”
Segundo Neiva, as araras-azuis são grandes e podem voar, mas “são vulneráveis. Elas acabam traídas por sua lealdade. Como os casais reprodutores não abandonam seus ovos e filhotes, eles se tornam presas de carnívoros, que aprenderam a escalar árvores muito altas. É desesperador!”
A especialista diz ainda que mais que a própria natureza tentando sobreviver, há, mais uma vez, a mão do homem, que para obter vantagens financeiras, capturam as araras para vendê-las no mercado ilegal.
“Temos recebido mais araras e papagaios apreendidos de traficantes de animais. Mas só tem tráfico porque há quem compre. É uma vergonha que exista gente que se aproveite da situação e compre esses animais para aprisioná-los por prazer e ostentação.”
Sobre as queimadas no Pantanal, Neiva é esperançosa, mas realista. “Tivemos queimadas recordes por dois anos seguidos, em 2019 e 2020. O Pantanal é muito guerreiro, resiliente, temos esperança de que vai se recuperar, não sabemos em quanto tempo. Mas é necessário trabalhar para evitar novos desastres. Bioma algum aguentará sucessivas tragédias.”
A reportagem entrou em contato com a veterinária, mas não houve retorno até a publicação deste material.