Juiz barra pedido de agropecuária sobre miniusina da década de 70 no Rio Formoso
Promotoria vê “obsoleta estrutura”, enquanto defesa aponta geração de energia limpa e custo da conta de luz
O embate entre fazendeiro, Ministério Público e Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) sobre o funcionamento de miniusina de energia elétrica no Rio Formoso, uma joia de Bonito, cidade turística a 257 km de Campo Grande, já soma 2.412 páginas na Justiça de MS.
Nos últimos meses, os magistrados impuseram derrota à Agropecuária Rio Formoso, impedida de utilizar ou fazer licenciamento ambiental da usina. Para a promotoria, uma obsoleta estrutura que ameaça o curso de água. Para a defesa, uma fonte de energia limpa, que resultará em dano ambiental caso seja desmontada, além da proibição do uso redundar em altíssimas conta de luz todos os meses.
No dia 30 de maio, o juiz da 1ª Vara de Bonito, Milton Zanutto Junior, negou pedido da agropecuária que tentava liberar funcionamento da miniusina. A empresa buscava reversão de decisão do órgão ambiental estadual, que havia negado outorga das águas do Rio Formoso para regularização da estrutura.
“Ainda, não cabe a este Juízo, ao menos não neste palco processual, se imiscuir no mérito de decisões administrativas proferidas pelo Imasul no âmbito de processos regulatórios de sua competência, sob pena de usurpação de competências e afronta ao princípio da Separação dos Poderes”, afirma o magistrado.
Em 27 de novembro de 2020, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) ingressou com a ação civil pública contra a Agropecuária Rio Formoso e Luiz Lemos de Souza Brito. Ele é irmão do ex-prefeito de Bonito, Leonel Lemos de Souza Brito, o Leleco (falecido), e do ex-presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Leôncio de Souza Brito Filho.
A promotoria denunciou a realização de represamento e desmatamento sem autorização legal na Fazenda América, a 26 km da área urbana. Após denúncia anônima, foi constatada a obstrução do curso normal do Formoso, no trecho que passava pela propriedade rural, com a colocação de cascalho no leito do rio para a construção de "barragem" com objetivo de desviar o rumo natural das águas para um canal existente no interior da fazenda.
“Tudo com a finalidade de fazer funcionar uma obsoleta turbina integrante de uma miniestação de energia elétrica existente no local”, informa o documento. Noutra passagem, a promotoria reforça o dano.
É inacreditável, mas, para mover uma turbina velha, o requerido resolveu colocar toneladas e toneladas de ‘cascalho’ no rio mais conhecido e importante do município de Bonito”, afirmou o promotor Alexandre Estuqui Júnior.
Desta forma, conforme a denúncia, a barragem dividiu o rio. Os peixes que estavam acima da barragem acabavam ficando confinados no canal da turbina, enquanto os que estavam abaixo, eram impedidos de subir até a cabeceira.
Também foi identificada supressão de aproximadamente 0,007 hectares de área de vegetação nativa, localizada na APP (Área de Proteção Permanente). A estrutura da miniusina era dá década de 1970, considerada obsoleta e sem licença ambiental.
Conforme o Ministério Público, o mesmo dano ambiental aconteceu em 2007, oportunidade em que foram colocadas aproximadamente sessenta toneladas de cascalho no leito do Formoso, fazendo com que o recurso hídrico secasse por cerca de dez quilômetros, sendo tema de reportagem em rede nacional.
O pedido à Justiça era de desobstrução do canal no Rio Formoso e proibição de utilizar a miniusina. Ação tinha valor de R$ 1 milhão.
Em 19 de fevereiro de 2021, a Justiça de Bonito deferiu liminar para a desobstrução do braço do Rio Formoso, sob supervisão do Imasul e do Ministério Público, além da proibição de utilizar a miniusina de 45 anos (atuais 47), salvo se obtivesse autorização dos órgãos ambientais competentes.
Situação consolidada - Na sequência, em março de 2021, o advogado Luiz Carlos Ormay Júnior, que atua na defesa da agropecuária, alegou que laudos técnicos demonstravam não haver dano ambiental nos termos alegados pela promotoria.
Foram destacados os seguintes pontos pela defesa: inexistência de dano ambiental causado pelo levante de pedras existente no Rio Formoso; que a desobstrução tinha potencial para causar grandes danos ambientais; que a situação está consolidada há mais de 40 anos; que o Ministério Público tinha conhecimento da questão há pelo menos 14 anos; que caso seja executada, a medida não pode ser desfeita; e que o dano ambiental gerado pela execução da medida também é irreversível.
Esse potencial dano ambiental tem condão de atingir não apenas a fauna e as águas do rio, mas também, por conta do grande aumento de vazão do rio que seria ocasionado pela desobstrução, podem ocorrer danos nas propriedades rio abaixo”, afirmou o advogado Luiz Carlos.
O parecer da Arater Consultoria e Projetos, anexado em 9 de março de 2021, reforça a preocupação com fim da barragem, como determinado pela Justiça. A consultoria foi contratada pela Agropecuária Rio Formoso.
“Destaca-se novamente que o desfazimento das obras requer um licenciamento ambiental para prever os grandes impactos que isso poderá gerar, principalmente com a liberação da grande estocagem de água no canal (calculados em mais de 25.000 metros cúbicos). Portanto, não é recomendável, de modo algum sob o ponto de vista socioambiental, o desfazimento do levante de pedra, principalmente sem qualquer estudo técnico prévio. Caso isso seja feito, poderá ocorrer grande dano ambiental na região, não apenas à fauna e ao Rio Formoso ali existente como também aos demais proprietários de terras rio abaixo”.
De acordo com a consultoria, o projeto da miniusina hidrelétrica surgiu em 1976 com a dificuldade de ter energia elétrica e manter a família na propriedade.
“Procurou o proprietário (Sr. Leôncio de Souza Brito) à época o engenheiro Diomedes de Araújo França que fez os estudos técnicos para o canal e as obras civis (...) e após comprou os equipamentos da melhor empresa de turbinas hidráulicas (LINDNER) para desenvolver o projeto, e que juntos montaram o belo projeto que até hoje funciona perfeitamente, gerando uma energia limpa e barata. Com isso reduziu os custos de produção agropecuários, garantindo uma boa gestão e condição de vida às famílias dos funcionários”.
A defesa ainda informou que o levante de parte da barragem em 2021 resultou na formação de extravasamentos (arrombados) e apontou a demora do Imasul em avaliar o pedido de licenciamento ambiental da mini-usina.
Na decisão de 30 de maio, o magistrado Milton Zanutto Junior também determinou que a agropecuária e o MPMS informassem as provas que pretendem produzir para o julgamento final do caso em primeira instância.
Pressão no Imasul e vazão irregular – O embate para manter e utilizar a miniusina resultou também em processo da Agropecuária Rio Formoso contra o diretor-presidente do Imasul na 3ª Vara de Fazenda Pública de Campo Grande.
O grupo buscava mandando de segurança para obrigar o Instituto de Meio Ambiente de MS a prosseguir com o processo de licenciamento ambiental e outorga do uso de recursos hídricos. A primeira tentativa de regularização foi em 2008, com novo pedido em 2010.
A defesa argumentou que o Imasul se apoiou em legislação da Prefeitura de Bonito, mas o Rio Formoso é bem de domínio do Estado. Em 7 de março de 2018, decreto municipal havia proibido qualquer tipo de captação de água em escala mecânica ou por gravidade no rio. A exceção era para consumo dos animais, a chamada dessedentação.
A Justiça negou a liminar, mas a decisão foi derrubada em 27 de novembro de 2021 pela 1ª Câmara Cível do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Nesta etapa, foi liberado o prosseguimento do licenciamento da miniusina no órgão ambiental estadual.
Porém, no último dia 16, foi publicada a sentença pelo juiz da 3ª Vara de Fazenda Pública de Campo Grande, Fernando Paes de Campos. O magistrado negou o pedido da agropecuária contra o Imasul.
Na sentença, prevaleceu a Lei Estadual 5.782, publicada em 2021, que instituiu a Área Prioritária Banhados das nascentes do Rio da Prata e do Rio Formoso para ações governamentais relativas à qualidade ambiental e ao equilíbrio ecológico.
A decisão ainda destaca a Resolução 25, publicada em 2015, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul, que estabelece critérios de outorga de direito de uso de recursos hídricos. A vazão máxima outorgável para fins da água de cada rio é de 70% da vazão de referência, e o limite máximo outorgável individualmente é de 20% da vazão de referência.
“No caso dos autos, os 20% outorgáveis individualmente correspondem a 12,9 litros por segundo, sendo que no caso da míni usina hidrelétrica da impetrante restou apurada no processo administrativo a vazão de 760 litros por segundo, correspondente a 1.177,4% da vazão de referência, totalmente em desacordo com a norma de regência”, afirma o magistrado.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa nesta terça-feira (dia 27).