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Meio Ambiente

O que antas e humanos têm em comum? Estudo comprova que é glifosato no sangue

Amostras coletadas em animais anunciaram contaminação de pessoas por agroquímicos e metais no Cerrado

Por Gabriela Couto | 19/02/2024 17:58
Pesquisadores coletando amostras de indivíduo vivo durante captura de animal no Cerrado de Mato Grosso do Sul (Foto: Incab/IPÊ)
Pesquisadores coletando amostras de indivíduo vivo durante captura de animal no Cerrado de Mato Grosso do Sul (Foto: Incab/IPÊ)

No Planeta tudo está conectado. Prova disso é o novo estudo multidisciplinar realizado pela Incab (Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira), do projeto IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) que comprovou a contaminação de humanos com agrotóxicos após analisar amostras coletadas em antas vivendo na natureza, na mesma região.

A pesquisa foi realizada Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina. Após analisar o sangue dos animais, os cientistas também avaliaram a dos moradores das duas cidades, confirmando a existência dos mesmos agroquímicos e metais, como o glifosato no sangue das pessoas.

Foram cinco anos de estudo com as antas da região que está no Cerrado. Os pesquisadores decidiram cruzar as informações porque a anta é uma espécie considerada ‘sentinela’, ou seja, pode ser utilizada para detectar riscos ou perigos a elas mesmas e a outras espécies, incluindo seres humanos.

Como foram encontradas a presença das substâncias nas antas, levantou a preocupação nos pesquisadores sobre a saúde das comunidades vivendo na região em que os animais foram amostrados.

Amostras de animais que foram a óbito após atropelamento na região de Nova Andradina e Nova Alvorada do Sul também foram coletadas (Foto: Incab/IPÊ)
Amostras de animais que foram a óbito após atropelamento na região de Nova Andradina e Nova Alvorada do Sul também foram coletadas (Foto: Incab/IPÊ)

Foram cinco agroquímicos encontrados durante a pesquisa, sendo dois Organofosforados (Glifosato e Malathion) e três Organoclorados (pp’DDD, Dieldrin e Beta-BHC). Ao todo, 94 moradores dos municípios de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina, fizeram parte do estudo e tiveram amostras coletadas para exame.

Desses, 36 pessoas testaram positivo para algum agrotóxico, sendo que em alguns casos há mais de um químico presente. Essa situação é conhecida como 'coquetel de agroquímicos'. Seus efeitos ainda são pouco conhecidos, mas a interação entre químicos pode ser ainda mais perigosa.

Do total de participantes, 78 foram testados para o glifosato em amostra de urina. Este é o herbicida mais utilizado no Brasil e possui potencial cancerígeno, segundo estudos. O glifosato se mostrou presente em 25 pessoas.

"O organismo humano é capaz de metabolizar e eliminar diversas substâncias, entretanto as moléculas de vários agrotóxicos podem se depositar no corpo e causar danos aos órgãos e tecidos, como fígado, rins, pele e sistema nervoso. A depender da dose no corpo, pode levar inclusive à morte", explicou o médico e doutor em doenças infecciosas, Maurício Pompílio.

Momento de anotação de dados durante coleta de amostra de anta; animal funciona como espécie 'sentinela' (Foto: Incab/IPÊ)
Momento de anotação de dados durante coleta de amostra de anta; animal funciona como espécie 'sentinela' (Foto: Incab/IPÊ)

A anta brasileira já apontava para esse cenário de contaminação durante o estudo realizado pela Incab-IPÊ, entre 2015 e 2018. O estudo gerou um relatório técnico e um artigo científico que foi publicado na revista científica internacional Wildlife Research, em 2021.

Durante os anos da pesquisa, amostras biológicas de antas foram coletadas, principalmente de carcaças frescas de animais atropelados ao longo de 34 rodovias do Mato Grosso do Sul, particularmente a BR-262, BR-267 e MS-040. Nos animais amostrados foi possível detectar 13 compostos químicos diferentes, incluindo nove pesticidas e quatro metais.

"Passamos a utilizar as antas como sentinelas na detecção de compostos químicos em áreas dedicadas à agricultura e pecuária – particularmente as grandes monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho e algodão. Começamos a pensar que, sendo as antas sentinelas e nos mostrando quais são os compostos presentes no ambiente, as comunidades humanas nessas regiões estariam também expostas a esses químicos. A gente espera que, com esse conjunto mais amplo de resultados, seja possível iniciar uma conversa com os órgãos governamentais, os laboratórios, as empresas do agronegócio que estão envolvidas com essa cadeia de utilização dos agrotóxicos em nosso país", explica a pesquisadora e coordenadora da Incab-IPÊ, Patrícia Medici.

Pompílio explica que, com os resultados obtidos na pesquisa com humanos, há medidas individuais e coletivas que devem ser tomadas. “No aspecto individual, identificar se seus exames estão normais ou alterados e, em caso de alterações, procurar ajuda para avaliar melhor seu estado de saúde. No aspecto coletivo, sensibilizar todos os trabalhadores rurais para a necessidade do uso dos equipamentos de proteção individual durante o manejo do solo e defensivos agrícolas".

Amostras de sangue coletadas em anta mostraram a presença de veneno; mesmo agrotóxico foi encontrado posteriormanete em moradores da mesma região que o animal usava como habitat (Foto: Incab/IPÊ)
Amostras de sangue coletadas em anta mostraram a presença de veneno; mesmo agrotóxico foi encontrado posteriormanete em moradores da mesma região que o animal usava como habitat (Foto: Incab/IPÊ)

O médico também esclarece que a contaminação pode ser proveniente de áreas com aplicação dos agroquímicos em larga escala. “Comunidades rurais, gestores locais e conselhos precisam somar esforços para que os responsáveis pela produção agrícola em larga escala empreguem estratégias para reduzir imediatamente esta contaminação e apliquem alternativas deste manejo do solo e produção agrícola de forma mais consciente e segura", destaca.

Os pesquisadores vão ampliar a pesquisa para outros biomas do país como Pantanal, Mata Atlântica e Amazônia. Como toda pesquisa científica, leva tempo para recolher as amostras e analisar os dados. Após os resultados uma nova rodada de exames na comunidade ao entorno devem ser realizadas.

Metodologia - Como produto dessa pesquisa, um relatório técnico foi gerado. Para realizar o estudo com humanos foi necessária uma equipe multidisciplinar, que envolveu um médico, Dr. Maurício Pompílio, e a bióloga e enfermeira, Valdirene Pires Macena.

Os laudos contendo os resultados dos exames foram entregues para cada um dos moradores que participaram da amostragem, assim como recomendações sobre como proceder nos casos positivos para agroquímicos e metais.

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Durante o procedimento, foram coletadas amostras de sangue para exames de hemograma, bioquímico e dosagem de agroquímicos e metais, assim como amostras de urina para a dosagem de glifosato. A urina é a melhor forma de identificar um químico pouco metabolizado, como o glifosato.

Os participantes do estudo passaram por uma consulta e foram entrevistados para identificação de potenciais contatos prévios ou atuais com agroquímicos.

Os moradores foram testados para 10 Organofosforados - entre eles estão Diazinon, Dimethoate e Malathion, e para 15 Organoclorados, como Aldrin, Dieldrin e Endrin. Além disso, foram testados para nove metais, como o alumínio, chumbo, arsênio, cobre e mercúrio.

O Glifosato, um Organofosforado, foi encontrado em 25 pessoas, sendo 16 homens e nove mulheres. Os valores das amostras estão acima do esperado, ou seja, acima de 0,6 µg/l. O Brasil permite altos limites de utilização do herbicida, se comparado com outros países. Por exemplo, o limite máximo de Glifosato na água, na União Europeia, é de 0,1 µg/l, enquanto no Brasil o limite é de 500 µg/l, ou seja, 5 mil vezes maior. Essa diferença de limites também se manifesta nas amostras humanas.

Equipe multidisciplinar fez a coleta de sangue de moradores das cidades de Nova Andradina e Nova Alvorada do Sul (Foto: Incab/IPÊ)
Equipe multidisciplinar fez a coleta de sangue de moradores das cidades de Nova Andradina e Nova Alvorada do Sul (Foto: Incab/IPÊ)

Na Dinamarca, por exemplo, o limite máximo de glifosato encontrado em pesquisas realizadas em humanos é de 3,31 µg/l. Na França o valor máximo foi de 9,5 µg/l. Na amostragem feita pela Incab-IPÊ, o valor máximo encontrado foi de 15,12 µg/l, sendo que sete pessoas, entre os 25 positivos para glifosato, possuem concentrações maiores que 10 µg/l.

Em 15 pessoas, das 25 positivas para glifosato, foram detectadas alterações nos exames de rotina. Além disso, em quatro indivíduos foram identificados outros agroquímicos no sangue. De acordo com Pompílio, o efeito desse coquetel de agroquímicos depende do tipo de produto, da dose e do sistema ou órgão afetado.

"Mas essa combinação tende a aumentar a intensidade de sintomas, como prurido e lesões de pele, disfunção do fígado e rins, mal-estar, náuseas e vômitos, diarreia, tremores, alteração do humor, perda da memória, insônia, entre outros", destaca.

Metais - Os participantes foram testados para nove metais. Entre os 94 participantes, quatro foram positivos para cobre e 18 para mercúrio. As concentrações de cobre estavam acima do limite máximo esperado.

O limite de cobre no sangue humano pode variar entre 60 e 140 ug/dL, segundo referências do Centro de Assistência Toxicológica - CIATOX. Um dos positivos para esse metal atingiu 223 ug/dL.

Os limites de mercúrio não foram altos, de acordo com a referência do CIATOX, mas o metal estava presente. É importante dizer que não deveria se encontrar mercúrio em humanos.

Voluntários participaram de uma consulta e entrevista para auxiliar na metodologia aplicada em pesquisa (Foto: IPÊ/Incab)
Voluntários participaram de uma consulta e entrevista para auxiliar na metodologia aplicada em pesquisa (Foto: IPÊ/Incab)

Ao contrário dos agroquímicos, os metais são encontrados naturalmente no ambiente. Entretanto, dependendo do tempo de exposição, quantidade e tipo de metal, pode-se gerar efeitos tóxicos. O cobre e mercúrio são classificados, pela IACR  (International Agency for Reserach on Cancer), como Grupo 3 – carcinogenia não classificável, pois não há evidências o suficiente em humanos e animais.

Apesar da falta de evidências sobre o potencial cancerígeno, o mercúrio pode se propagar para a corrente sanguínea e atingir o cérebro, o que pode resultar em danos ao Sistema Nervoso Central.

Entre as pessoas positivas para concentrações altas de cobre, três são mulheres e uma é homem. Das 18 pessoas positivas para mercúrio, 10 são homens e oito são mulheres.

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