Rio Anhanduí banha a cidade se equilibrando entre vida, lixo e “invisíveis”
O último retrato oficial da qualidade da água é de 2020, enquanto placa da prefeitura parou em 2018
Fruto do encontro das águas dos córregos Prosa e Segredo, na confluência das avenidas Ernesto Geisel e Fernando Corrêa da Costa, o Rio Anhanduí corre pela área urbana de Campo Grande se equilibrando entre vida, lixo, degradação e dados defasados. Como nos conta a Enciclopédia das Águas de Mato Grosso do Sul, o nome deriva de Inhanduhy (água onde se encontra seriema pequena (perdiz), na língua guarani).
Pelo rio e suas margens, neste janeiro de 2022, se encontram os resistentes cágados; capivara em meio ao lixo; a solidão dos que habitam os barrancos, praticamente invisíveis na paisagem; a tristeza da aposentada que, há duas décadas, testemunha as águas imundas; e uma placa esquecida, com dados de 2018 sobre a saúde do Anhanduí.
Vizinha do rio há 21 anos, Angélica Nunes Dourados, 72 anos, conta que o descarte de lixo nunca tem fim. “É sempre a mesma coisa e a situação vai piorando. O saco plástico pode matar os animais. Mas ninguém cuida”, diz.
Angélica relata que, com ajuda de outro morador, chegou a plantar árvores no entorno do curso de água. “Quero dar minha voz de repúdio a imundície dessa água. É triste de ver. Um rio tão bonito deveria ser bem cuidado”, afirma a moradora.
A rotina de fazer o Anhanduí de cesto de lixo também é acompanhada por Valdir Luiz dos Santos, dono de oficina. “Sempre vejo as pessoas jogando lixo”, diz. Ele conta que ficou um ano com as porta fechadas por conta de obras no paredão que margeia o rio.
À vista de todos, placa do projeto Córrego Vivo Cidade Limpa informa que a qualidade da água é regular. O painel tem a data de “1º trimestre/2018”.
A reportagem solicitou à Semadur (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) o dado mais recente do monitoramento do rio. O documento ainda data de 2020. De acordo com a secretaria, o relatório de 2021 está em processo de elaboração. Quanto à placa, a informação é de que os painéis vão passar por manutenção e, desta forma, não são atualizados.
Dos 11 pontos monitorados pelo projeto no Rio Anhanduí, cinco estavam com qualidade da água ruim, quatro pontos foram regular e dois trechos bom. As coletas foram realizadas nos dias 4 de fevereiro, 17 de março, 28 de julho, 18 de agosto, 28 de outubro e 24 de novembro de 2020.
O Anhanduí tem o entorno mais populoso. A microbacia hidrográfica abrange 36 bairros da Capital, como o Aero Rancho, Jacy e Parati. Ele deságua no Rio Pardo e as águas seguem viagem até o Rio Paraná.
Retrato da água – O programa monitora 21 cursos de água em Campo Grande: Segredo, Cascudo, Maracaju, Imbiruçu (mais comumente grafado como Imbirussu), Serradinho, Bálsamo, Cabaça, Bandeira, Portinho Pache, Lageado, Estribo, Lagoa, Buriti, Sóter, Vendas, Prosa, Botas, Pedregulho, Coqueiro, Formiga e Rio Anhanduí.
A abrangência é de 64% da malha de drenagem hídrica municipal, que conta com 33 córregos na área urbana.
A rede de monitoramento inclui 83 pontos de amostragem, distribuídos em nove das onze microbacias de Campo Grande, com exceção da Gameleira e do Ribeirão Botas, pois apresentam características de uso e ocupação do solo estritamente rurais.
De acordo com a Semadur, os dados mostram a predominância da condição de qualidade “boa” para as águas superficiais do município: presente em 66% dos pontos de monitoramento.
Já 23% dos pontos apresentaram qualidade regular, 10% ruim e 1% péssimo. A pior situação encontrada no ano de 2020 foi no Imbirussu, que nasce perto da Avenida Euler de Azevedo e passa pelo Nova Campo Grande. A classificação foi no primeiro e terceiro trimestres de 2020.
Para proteger os córregos, a prefeitura informa que faz fiscalizações para combater ações irregulares, como lançamentos de água servida (derivada de banhos, cozinha, tanques, máquinas de lavar louça, lavagem de automóveis) e de esgoto.
O rio começa na rua – As águas sofrem também o impacto do lixo lançado de forma irregular nas ruas. Ou seja, mesmo a quilômetros de distância, resíduos são carreados para o rio quando a chuva forte “lava” a cidade.
“Chove na cidade e vai lavando, arrastando sólidos, poluentes oriundos dos veículos, como óleo, graxa; o lixo lançado pela população em locais inadequados. Com isso, diminuiu o oxigênio da água e a vida aquática some”, afirma Fernando Magalhães, engenheiro sanitarista e ambiental.
Oficialmente, a água do Rio Anhanduí não está no rol do abastecimento na Capital. Mas o rio que banha a cidade, na realidade da rua, também banha os sem-teto que perambulam por suas margens e consomem água suja.
Metade da água que abastece a Campo Grande que pode pagar vem dos córregos Guariroba (34%) e Lageado (16%). O restante é captado em 150 poços profundos, sendo 10 no Aquífero Guarani.