"Curioso", programador constata gasto milionário com diárias de vereadores
Morador de Chapadão do Sul verifica diárias pagas por Câmara e constata que os 79 Legislativos municipais de MS declararam gastos de R$ 10,7 milhões com despesa em 2017
O que começou como uma curiosidade despertada por uma reportagem na TV levou o programador Jonas Orlando Rotilli, 30, a uma constatação que provocou sentimento de revolta. Ao longo de uma semana, ele verificou portais da transparência de Câmaras de Vereadores de Mato Grosso do Sul e acionou, por telefone, responsáveis pelos Legislativos municipais, a fim de verificar quanto as Casas de Leis gastaram com diárias em 2017. O total, tabulado, superou os R$ 10,7 milhões nos 79 municípios do Estado.
“Com R$ 10 milhões dá para se fazer muita coisa”, afirmou Jonas ao Campo Grande News, por telefone. Morador de Chapadão do Sul –a 306 km da Capital–, ele conta que começou a checagem por ali. “A cidade está em terceiro lugar entre os maiores gastos. Comecei a verificar outras cidades para ver se Chapadão estava na média e fui avançando no trabalho”, afirmou.
O trabalho teve início em 5 de janeiro, uma sexta-feira, depois de ele assistir reportagem na TV mostrando pessoas que atuam na fiscalização do poder público. Na sexta (12), a base de dados havia sido finalizada.
“Faltava a Câmara de Bataguassu, que não estava disponível na internet. Entrei em contato e arrumara. Todas as Câmaras têm portais da transparência, mas em algumas é um pouco mais trabalhoso para achar. Por exemplo: algumas têm tópicos específicos sobre diárias e passagens, e outras, não. Tem de entrar na despesa e buscar o elemento”, explicou Jonas.
Metodologia – O levantamento feito pelo programador envolveu não apenas os gastos dos vereadores com diárias, mas tudo aquilo que o Poder Legislativo de cada município declarou como despesa nesse sentido e disponibilizou na internet ou por meio da assessoria. Foram excluídas despesas com passagens de avião e o deslocamento rodoviário.
Na prática, as diárias cobrem as despesas de vereadores e servidores com alimentação e hospedagem. Entre as justificativas encontradas por Jonas, estavam a participação em cursos de capacitação, seminários e audiências públicas e, principalmente, reuniões com deputados e senadores.
Campeãs – Entre as 10 cidades que apresentaram mais gastos com diárias, sete estão na “costa leste” do Estado, isto é, nas divisas com São Paulo, Minas Gerais e Goiás. A primeira colocada é Paranaíba, que dispensou R$ 778,8 mil em diárias em 2017, o equivalente a 7,23% de todo o gasto no Estado.
Caso as diárias fossem destinadas apenas aos vereadores, significaria um gasto de R$ 59,9 mil para cada um dos 13 edis paranaibenses (ou R$ 4,6 mil ao mês). Contudo, como destacou Jonas, o valor envolve todos os gastos das Câmaras com diárias –podendo, assim, serem destinados também a assessores e servidores, muito embora, em maioria, as Casas de Leis destinem essa ajuda de custo principalmente aos seus parlamentares.
Em segundo lugar no estudo feito pelo programador está Costa Rica, com gastos totais inferiores à metade do que foi gasto na Câmara de Paranaíba: R$ 379,5 mil, ou proporcionalmente R$ 34,5 mil para cada um dos 11 vereadores da cidade.
Chapadão do Sul, lar de Jonas, viu sua Câmara Municipal destinar R$ 371,2 mil para diárias. Seriam R$ 41,2 mil para os nove vereadores do município que, em outubro do ano passado, entrou na mira do Ministério Público de Mato Grosso do Sul pelo aumento dos gastos dos vereadores com tal despesa de janeiro a setembro do ano passado, na comparação com igual período de 2016.
Três Lagoas (R$ 310,5 mil), Selvíria (R$ 305,1 mil), Bataguassu (R$ 301,5 mil), Água Clara (R$ 294 mil), Paraíso das Águas (R$ 293,8 mil), Batayporã (R$ 293,5 mil) e Itaquiraí (R$ 289,5 mil) completam a lista das dez cidades de Mato Grosso do Sul com mais gastos.
Enquanto isso, Itaporã (R$ 8 mil), Ponta Porã (R$ 4,9 mil0 e Douradina (R$ 1,4 mil) apresentaram os menores gastos com diárias em seus portais da transparência.
Em Campo Grande foram R$ 29,7 mil, segundo o levantamento de Jonas. Uma curiosidade é que a vizinha Terenos, a menos de 30 km da Capital, declarou gastos de R$ 188,4 mil com diárias, o 20º maior entre as cidades do Estado. A íntegra do estudo pode ser acessada por meio deste link.
Per capita – Jonas ainda fez comparativos envolvendo o valor que as três Câmaras com maior gasto pagam como diárias. Pelos valores por ele apresentados, em Paranaíba, o valor pago para deslocamento no Estado é de R$ 933,60, chegando a R$ 739,67 em Costa Rica e R$ 616,83.
Para fora do Estado, o valor chega a R$ 1.322,60, R$ 1.109,51 e R$ 1.233,70, respectivamente. Como comparação, em 2015, os ministros de Estado recebiam diárias para deslocamentos pelo Brasil que variaram de R$ 458,99 a R$ 581, de acordo com o destino da viagem.
Conclusões – Jonas Rotilli avalia que o estudo ao qual ele se dedicou deveria ser exercido por outras pessoas, como forma de melhor controlar o que fazem os seus agentes públicos.
“Acho que inibe um pouco os gastos. Em Chapadão do Sul houve gestão com vereadores afastados por conta de diárias”, afirmou o programador, segundo quem, diante da maior cobrança popular, os agentes públicos se tornaram mais criteriosos para justificar as viagens. Contudo, frisa Jonas, verificar despesas com diárias e passagens é mais complicado do que simplesmente comparar os gastos.
“Os vereadores estão mais atentos, não colocam tanta ‘abobrinha’ como motivo [da viagem]. Mas é difícil confirmar. Se o vereador diz que foi para Campo Grande visitar um deputado por interesse do município, não há muito o que fazer. Teria de cruzar a informação de que realmente foi. Se não foi, não tem como dizer que ele não fez isso. É um recurso considerável para ir a Campo Grande toda a semana”, disse.
Depois da primeira experiência, Jonas afirma que pretende continuar a investigar os gastos públicos, incluindo os governos de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e da cidade de Sapezal (MT), onde tem parentes. Em relação às diárias, o programador defende até o fim da despesa, a qual afirma não ver sentido.
“Acho que é um gasto talvez injusto. Ele foi eleito porque quis estar lá. Além do salário ganhar ainda esse benefício, que é algo da atividade dele, é meio surreal. Se for para um servidor que trabalha na Câmara até faz sentido, por que vai viajar a trabalho”, declarou Jonas, que não sabia da existência de verba para diárias nas Câmaras.
“Achei que era um reembolso do que gastou, e não diária de ir para uma cidade e ganhar aquilo”. Por regra, despesas do Legislativo com diárias devem ser comprovadas por meio de notas fiscais para serem reembolsadas. Ele ainda cita o caso de municípios como União da Vitória (PR), que em 2015 extinguiu o pagamento de diárias, investigadas pelo Ministério Público paranaense.