Projeto de Lei do Pantanal proíbe cultivo, limita desmatamento e prevê recursos
Projeto de lei cria regras para a pecuária extensiva, veda confinamento e amplia área protegida
O texto da Lei do Pantanal, apresentado hoje ao Poder Legislativo define a forma como proprietários rurais poderão utilizar os recursos naturais e traz uma série de vedações, como agricultura e produção de carvão. O texto também estabelece as fontes de financiamento para o Fundo Clima Pantanal.
Pelo texto proposto, algumas áreas merecerão atenção especial, sendo as degradadas, as que podem se tornar corredores ecológicos, as nascentes, de recarga de aquíferos e as vulneráveis a erosões. Os resíduos também são tratados na lei, abordando a ampliação da rede de esgoto, tratamento de efluentes de atividades produtivas e destinação do lixo.
Ele veda a criação de novos assentamentos rurais, exceto para acomodar quem já vive no Pantanal. O projeto fala, ainda, em condução das águas de forma técnica na época das cheias, deixando claro que perda de áreas para alagamentos típicos do Bioma não são passíveis de indenização, situação que já ocorreu, por exemplo, em áreas da região de Coxim.
Diques, drenos, barragens e outras formas de alteração do curso das águas ficarão proibidos, exceto as necessárias para cumprimento de função pública e como autorização de órgão ambiental. Também são apontadas como incompatíveis centrais hidrelétricas e gado para criação confinada. Quem tem atividade carvoeira poderá seguir até o vencimento de licença.
O texto chega a pontuar como devem ser as intervenções no caso de obras de estradas, com a necessidade de uso de manilhas para a água seguir seu curso.
Entre as diretrizes da lei estão a ação coordenada com o Estado vizinho, onde está um terço do Bioma, com a União e os municípios; o envolvimento dos indígenas, comunidades tradicionais e o setor privado nos debates sobre o Bioma; a integração das ações referentes a todos os recursos naturais- solo, vegetação, água; melhoria dos serviços públicos aos pantaneiros; busca de parcerias.
O texto também põe como rumos a serem perseguidos a recuperação de pastagens degradadas e subutilizadas para que possam ser utilizadas na pecuária; incentivo a diferentes atividades, como a bioeconomia e o turismo; incentivo a ações alinhadas com objetivos da ONU e convenções internacionais.
Licenças para desmatar- O texto prevê que somente serão concedidas autorizações para imóveis com inscrição no CAR (Cadastro Ambiental Rural), sem registro de irregularidades nos três anos anteriores, com pecuária realizada com técnicas sustentáveis de manejo e estudo de impacto ambiental quando se tratar de área superior a 500 hectares. O texto anterior que regulava o tema exigia a licença para áreas superiores a mil hectares.
Para áreas abaixo disso, serão definidas regras administrativas. Conforme o texto, havendo extrações acima de 50% da área, haverá estudo especial e a autorização vai se limitar a mil hectares.
A lei vai prever, também, que situações já autorizadas ou mesmo realizadas de forma irregular “em um intervalo de cinco anos” serão enquadradas nos novos parâmetros. Quem cometer irregularidade vai ficar impossibilidade de ter acesso a autorizações até que demonstre ter revertido a situação que causou. Propriedades com vegetação nativa que se estenda até 60% da área, poderão fazer uso de até 40% para manejo.
Pelo projeto de lei, somente podem ser introduzidas nas AURs do Pantanal espécies exóticas que sejam reconhecidas por órgãos especializados. A Embrapa Pantanal estudou as pastagens que se adaptam bem ao Bioma, como é o caso da braquiária. Nessas áreas, ficam vedadas atividades agrícolas, com menção específica da soja, eucalipto e cana-de-açúcar. Há exceção para situações já consolidadas, que são impedidas de se expandir no Bioma.
Limpeza e retirada de espécies invasoras não serão consideradas irregulares, mas demandarão licenciamento, exceto quando se tratar de situações de limpeza com roçadeiras, foices e enxadas.
O texto admite a prática da queimada, com cautela para evitar incêndio e regras a serem fixadas pelo Executivo.
Presença da pecuária - Pelo projeto, alguns trechos do Pantanal são classificados como preservação permanente: salinas, veredas, landis e meandros abandonados. Será permitida a presença do gado criado de forma extensiva em locais com acesso a água, como baías, corixos, na tradição pantaneira, desde que a presença não provoque degradação.
Nas APPS e AURs (áreas de uso restrito, com vegetação típica do Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica) o gado também poderá ser criado, se não causar prejuízo à biodiversidade, ao fluxo gênico de flora e fauna ou risco de prejudicar o solo ou bem estar das comunidades.
Até as reservas poderão ser usadas para a cria, desde que existente pasto e a presença contribuir para a redução de material vegetal que favoreça risco de incêndios florestais .
Em alguns trechos, a norma será a proibição de retirar vegetação, como veredas, landis, salinas, capões, com a fixação de faixas para a proteção. Somente será autorizada a retirada para limpeza. Uma das grandes preocupações com a lei era não prejudicar a pecuária extensiva praticada há séculos no Bioma, considerada, inclusive, como um mecanismo de proteção, pelo manejo de material que produz incêndios florestais.
Fundo de preservação- Além de criar obrigações e restrições, o projeto de lei também cria o Fundo Clima Pantanal, prevendo várias possibilidade de composição dos valores, como convênios, doações de pessoas físicas e jurídicas nacionais ou estrangeiras, instituições, convênios, destinação de receitas de outros fundos voltados ao meio ambiente, aportes do poder público, créditos de carbono e metade do que for obtido em multas ambientais por infrações nas AURs. Até emendas parlamentares poderão contribuir com o fundo.
Ele foi pensado como forma de recompensar serviços ambientais e desenvolver atividades de preservação. As regras serão fixadas pelo Poder Executivo, que vai administrar o fundo na pasta do meio ambiente, no caso da Semadesc, sendo necessária a criação de um comitê de gestão.
Histórico - O texto é apresentado após cerca de dois meses de debates envolvendo não apenas membros do governo estadual, ambientalistas, ruralistas e pesquisadores, mas também representantes do Governo Federal, uma vez que a ideia é que Mato Grosso do Sul e Mato Grosso tenham regras que se harmonizem sobre a proteção do Pantanal.
Agora que o texto chegou ao Legislativo, ele será colocado para discussão em audiência conduzida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia, agendada para esta quarta-feira (29), às 14h. Também vai tramitar na Comissão de Constituição e Justiça. O presidente da Casa, Gerson Claro (PP), informou que o texto foi analisado até o tempo limite para o envio e considerou que ele representa consensos e avanços. “A lei é bem mais restritiva do que é hoje e nós buscamos aqui na Assembleia agora fazer o debate.”
A previsão é que a Casa faça um acordo de lideranças para assegurar uma tramitação mais rápida. Os deputados devem se reunir esta tarde para avaliar o texto.
O assunto ganhou polêmica no começo de agosto, após recomendação do Ministério Público Estadual recomendar a suspensão de todas as licenças concedidas para desmatamento no Pantanal. Na mesma época, técnicos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima engrossaram as críticas ao Decreto Estadual Nº 14.273/2015, que possibilitava a utilização de até 60% das áreas para atividades produtivas no Pantanal. Havia estudos da Embrapa defendendo o limite de 45%, no entanto acabou tendo mais influência posição defendida por ruralistas.
Após o barulho, o governador Eduardo Riedel (PSDB) anunciou a decisão de suspender todas as licenças concedidas, além de novas autorizações, com exceções, como obras para a locomoção e retirada de material lenhoso para limpeza, e o início de debates para a elaboração do projeto de lei que foi apresentado aos deputados. Ele considerou o texto avançado e a expressão de consensos.