Anhanduí, muito mais que barracas de doces e artesanatos à beira da rodovia
Distrito é formado por pessoas que transformaram necessidade em renda
Entre as conquistas resultantes da venda de doces, a que mais orgulha Eva Nogueira, de 58 anos, é o diploma de Pedagogia da filha. “Tenho muito orgulho em dizer que formei minha filha com os doces que vendo”, afirmou Eva que, há 30 anos, tem banca às margens da rodovia BR-163, no distrito de Anhanduí, a 55 quilômetros de Campo Grande.
Eva está entre os cerca de 5 mil habitantes que fazem de Anhanduí, distrito criado há 69 anos, muito mais do que barracas de pimentas, doces e artigos artesanais às margens da rodovia. Fora do alcance dos olhares dos consumidores em viagem que param, rapidamente, no local, estão pessoas que aprenderam algum ofício pela necessidade, que têm rotina pesada, mas também sabem se divertir mesmo com opções limitadas.
“Acordo às 5h, faço alguma coisa em casa e venho pra cá. Eu abro aqui por volta das 6h30, 7h. Trabalho até as 7 da noite, mais ou menos, e vou pra casa descansar, assistir minha novela”, resumiu Eva a rotina de trabalho de, aproximadamente, 12 horas, algo comum entre os trabalhadores de Anhanduí.
Outra característica que se repete entre os moradores é a aprendizagem de algum trabalho, surgida da necessidade de sobrevivência. No caso de Eva, o conhecimento na produção de doces nasceu da necessidade de ajudar na renda da família. “Aprendi com minha patroa, quando era doméstica em uma das fazendas que trabalhei”, contou.
Com o tempo, ela foi aprimorando a técnica e hoje produz doces com considerável variedade de sabores. Goiaba, pêssego, leite, figo, caju, estão entre as opções ofertadas por Eva a seus clientes.
Assim como Eva, o sapateiro Jair Rosa Espíndola, 48 anos, aprendeu as técnicas de sua atividade com o antigo patrão. “Cheguei aqui moleque, em 1978. Já trabalhei em fazenda, na construção civil. Depois comecei aqui com o primeiro dono, que fundou a sapataria em 1990. Ele vendeu pra outra pessoa, que não conseguiu tocar. Aí eu comprei”, relata.
Ele produz sob encomenda para moradores da região, fazendeiros, trabalhadores da área rural e turistas. Os pares, feitos com couro bovino, custam de R$ 200 a R$ 600, mas nem sempre têm saída. “Tem gente que encomenda e não vem buscar. Às vezes, acontece isso”, detalha.
A jornada de trabalho de Jair também é, consideravelmente, extensa: ele começa sua rotina por volta das 6h e a encerra às 19h. Mas as tantas horas de conserto e fabricação de sapatos permitiram o sustendo de Jair e da família. “Criei meus três filhos com este meu trabalho aqui”, contou, sem esconder o orgulho de sua atividade.
Do cimento e da argila, Anhanduí é lugar de produção
As atividades urbanas de Anhanduí são limitadas e, em parte, dependem da demanda do comércio às margens da rodovia. Os doces, temperos, outros alimentos e os artesanatos vendidos nas bancas são produzidos no próprio distrito. É o caso, por exemplo, das esculturas de animais de cimento, fabricadas por Jair de Oliveira, 51 anos.
Assim como outros trabalhadores do distrito, Jair aprendeu o ofício, devido à necessidade de geração de renda. “Muitos falam que é dom. Pra mim, não é dom. É necessidade e dedicação”, afirmou. “Eu só estudei até a segunda série. Então tive que aprender alguma coisa por necessidade”, justifica, o que não significa que ele não goste do que faz. Ao contrário, Jair só se dedica horas e horas de seu dia ao trabalho por gostar da atividade.
Tudo começou há 25 anos. Na época, Jair produzia vasos de cimento para plantas em Campo Grande e os fornecia a floriculturas da cidade. Ele aprendeu sozinho, com tentativas, erros e acertos. “Eu tinha uma padaria. Um cliente, que comprava fiado, estava me devendo muito e me pagou com algumas esculturas. Achei interessante e quis aprender a fazer”, contou Jair, enquanto produzia uma onça. Ele também faz os próprios moldes.
Quando as vendas passaram a cair em Campo Grande, Jair decidiu se mudar para Anhanduí. “Eu coloquei os artesanatos na carroceria de um Pampa e trouxe pra cá. Todo mundo gostou. Aí começaram a fazer encomendas”, narra. As vendas, em bons tempos, rendiam até R$ 7 mil a Jair. “Mas ainda dá bom retorno. Quando pouco, dá mais ou menos R$ 3,5 mil”, detalha. As peças custam de R$ 20 a R$ 1,5 mil.
Olaria – Além de fabricações artesanais individuais, também há, no distrito, produção em larga escala – este é o caso de uma olaria, instalada em Anhanduí na década de 1980. São aproximadamente 300 mil tijolos por mês, volume que já foi muito maior.
“Meu pai mexe com olaria desde 1967”, disse Anderson Mortari, 42 anos. O pai dele, Jair Mortari, 75, veio do interior de São Paulo e abriu uma olaria em Campo Grande, no bairro Caiçara, em local com abundância de argila e onde hoje há uma avenida, que dá acesso ao Conjunto União. Depois, mudou-se para Anhanduí, onde também há muita matéria-prima.
Anderson, desde que nasceu, acompanha essa trajetória. Viu a olaria crescer e, agora, testemunha retração provocada pela crise econômica que marca o país nos últimos anos. “Já produzimos aqui 700 mil tijolos por mês. Eram 25 funcionários e hoje temos 12. Essa queda começou em 2015, com a crise”, comparou o empresário, enfatizando que, até 2014, quando a construção civil estava aquecida, as vendas eram acentuadas.
Com crise e pedágio, bancas fecham as portas
A crise dos últimos anos impactou, de modo geral, as atividades de Anhanduí. Pelo menos 11 bancas estão desativadas, conforme verificou a reportagem. “Aqui já foi muito melhor. Agora, com essa crise no País, as vendas caíram bastante”, observa Roseli Palmeira, 54, que, há 23 anos, vende queijo, temperos e outros alimentos, na margem da BR-163.
Ela nota que a quantidade de pessoas que viajam pela avenida reduziu expressivamente. “As pessoas estão sem dinheiro. Por isso, viajam menos”, afirmou. A banca dela funciona das 5h30 à meia-noite.
Além da crise, há outro fator, notado por Eva Nogueira. “O pedágio também ajudou a diminuir os clientes. Muitos já não passam mais por aqui pra não pagar pedágio”, afirma. A cobrança de pedágio é feita, devido à privatização da rodovia. Em Mato Grosso do Sul, a concessionária CCR MSVia é a responsável pela manutenção da BR-163.
Mesmo enfraquecido, o comércio de Anhanduí, na beira da rodovia, continua atraindo novos empreendedores. É o caso de Fátima Uchoa,. 47 anos. “Eu tinha uma lanchonete na Afonso Pena, em Campo Grande, contou a comerciante, que abriu, há cerca de cinco meses, uma banca de lanche em Anhanduí.
Embora avalie que as vendas não estão aquecidas, Fátima considera que o negócio em Anhanduí está melhor que o de Campo Grande. “O aluguel lá era muito caro. Por isso vim pra cá. Não vende tanto, mas os custos são menores. Além disso, meus pais são daqui”, justifica.
Vôlei de areia e banca de açaí, os points do distrito
Não só de trabalho vivem os moradores de Anhanduí. Também há as pausas para a diversão. E o point do distrito, espécie de altos da Afonso Pena de Campo Grande, é uma pracinha, onde amigos e familiares se encontram para jogar vôlei de areia.
“No fim da tarde, vai todo mundo pra lá. Levam tereré, ficam jogando. Eu mesma vou com meu marido e minha filha”, disse a gerente do posto de saúde do distrito, Geovânia Cabral Mandacari Pain, 37 anos. “Hoje, depois do trabalho, vou pra lá”, acrescentou.
No local, também há um campinho de futebol. Além da pracinha, os outros pontos de encontro são uma lanchonete em rua lateral à BR-163 e uma banca de açaí, na rodovia.
Educação e saúde – Além do lazer, outras áreas também não oferecem muitas alternativas. Há, no distrito, duas escolas, ambas públicas: a municipal Izauro Bento Nogueira e a estadual Polo Francisco Cândido de Rezende. Também tem uma agência do Bradesco, dos Correios, que também funciona como correspondente bancário do Banco do Brasil, e um posto de saúde, onde Geovânia é gerente.
De acordo com ela, são dois médicos, que atendem de segunda a quarta-feira. O posto, que funciona como UBS (Unidade Básica de Saúde) e UBSF (Unidade Básica de Saúde da Família), recebe, em média, 40 pessoas por dia. Além dos de Anhanduí, pacientes de Sidrolândia e Nova Alvorada do Sul também procuram o local.
Anhanduí também não tem ruas pavimentadas, com exceção das laterais da BR-163. Rede de esgoto não chegou ao distrito e ainda há pessoas que usam poço.
Maior que alguns municípios – Fundado em 17 de novembro de 1948, pela Lei estadual 1.131, promulgada pelo governador do então Mato Grosso uno, Arnaldo Estevão de Figueiredo, o distrito de Anhanduí, o primeiro de Campo Grande, tem aproximadamente 5 mil habitantes.
O número supera a população de cinco municípios de Mato Grosso do Sul: Rio Negro (4.834 pessoas), Novo Horizonte do Sul (4.041), Jateí (4.025), Taquarussu (3.570) e Figueirão (3.027).