16 anos da Lei Maria da Penha
O que poderia ser feito para a lei ser mais respeitada?
Esta foi uma das perguntas feitas por estudantes do Centro de Ensino Fundamental 04 de Planaltina, em visita feita, na última sexta-feira, ao campus Darcy Ribeiro. Eram estudantes entre 14 e 16 anos.
Foi interessante constatar que, sendo ainda adolescentes, possuíam algum conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e que a maioria das perguntas circundava o problema de falta de efetividade da lei, dado que as agressões às mulheres continuam a ser praticadas e muitas mulheres são mortas por seus parceiros ou ex-parceiros, mesmo tendo medidas protetivas concedidas.
A constatação, ainda que em um pequeno grupo, diz muita coisa. Sentados à minha frente não havia o lado dos garotos e o lado das garotas, nem do ponto de vista físico, nem do ponto de vista das ideias expressadas. De modo que os comentários e as perguntas me passaram a impressão de que a violência incidente sobre as mulheres pelo fato de serem mulheres é percebida tanto pelas garotas quanto pelos garotos. Elas e eles se preocupam sobre o que pode ser feito para a lei ser mais respeitada.
Na condição de integrante do Consórcio Lei Maria da Penha pelo Enfrentamento de Todas as Formas de Violência de Gênero contra as Mulheres, desde 2002, avalio a percepção desses/as adolescentes, como um resultado da mobilização feminista no final dos anos 1990, de denúncia da violência, em especial no âmbito da vida privada. Já em 1994, a Convenção de Belém do Pará, chamava atenção para a violência contra as mulheres em todos os espaços, o que só agora parece estar sendo reconhecida no debate em curso sobre violência política.
A mobilização dos feminismos e das mulheres no Brasil possibilitou a criação de uma lei de enfrentamento à violência de gênero no âmbito doméstico e familiar e trouxe à discussão pública a desigualdade de gênero e a injustiça da inferiorização das mulheres. Não é mais possível ignorar a desigualdade, ocultá-la ou negá-la. O bastião do patriarcado foi abalado.
Contudo, ainda continua em pé, sofre reformas e se reinventa, no esforço de manter o padrão de submissão das mulheres à vontade e aos interesses dos homens. Perceber jovens mulheres e homens pensando igualdade de gênero, mesmo que nas escolas o esforço conservador crie entraves ao debate do tema, fortalece a esperança de que uma outra sociedade é possível.
A resposta para o que pode ser feito para que mulheres e meninas usufruam dos ”direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (art. 3º) é dada pela própria Lei Maria da Penha, quando diz que “cabe à família, à sociedade ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos” antes enunciados (art. 3º, § 2º).
Todos/as nós, seja no plano individual, familiar, coletivo, ou nas instituições que constituem o Estado precisamos assumir o compromisso de estabelecer a participação plena das mulheres e em igualdade de condições no processo de tomada de decisões econômicas, sociais, culturais e políticas. Esse compromisso, apontado na Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995) exige empenho contínuo e de longo prazo, a fim de que se transforme a ainda prevalente relação desigual entre homens e mulheres.
No 16º aniversário da Lei Maria da Penha registro que ela não é uma lei direcionada apenas ao sistema de justiça e de segurança pública ou de natureza repressiva. Ela orienta para uma política pública de prevenção, mediante um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais. Uma das diretrizes assinaladas é a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia (art. 8º, VIII). Nessa atividade, a Universidade de Brasília pode e deve tomar a dianteira, por sua Secretaria de Direitos Humanos e pela Câmara de Direitos Humanos do Conselho Universitário.
(*) Ela Wiecko Volkmer de Castilho é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
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