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A religiosidade online na umbanda

Geovanne Flores (*) | 03/07/2022 13:30

Em sua obra “Cultura Religiosa: as religiões no mundo”, Irineu Wilges afirma que as religiões surgem não apenas como um conjunto de valores, crenças, leis e ritos que regem a adoração do homem ao ser supremo, mas também incluem o reconhecimento de sua dependência para com este ser. Como essa religiosidade e suas relações de trocas comunicacionais entre os fiéis e as instituições se perpetuam, contudo, em uma sociedade rodeada por processos de expansão de dispositivos midiáticos?

Para Pedro Gilberto Gomes, a midiatização é um conceito essencial que busca compreender a história dos meios e como eles geram mudanças comunicativas na construção da cultura, da sociedade e de práticas sociais. Um exemplo do fenômeno de midiatização é destacado pela autora Viviane Borelli, que visualiza as instituições religiosas sendo afetadas pela mídia, cujas lógicas e processos acabam por modificar os modos pelos quais o campo religioso se estrutura para atingir seus públicos.

Esse movimento ilustra um processo comunicacional e midiático que reflete as transformações sociopolíticas vivenciadas pelo Brasil e o mundo. Nesse processo, o avanço tecnológico e o capitalismo globalizado acabam por gerar modificações nos sentidos, nas formas e nas ritualidades dessas instituições, como apontado por Magali Cunha. Essa mudança possibilita uma atuação do ente social (o fiel/o religioso) mais preponderante e independente frente às instituições, sem a necessidade de frequentar um ambiente sagrado (igrejas, templos e centros) para perpetuar sua religiosidade.

Na academia, denominamos esse fenômeno de midiatização da religião, que reflete a articulação complexa de sentidos, de formas, de ritualidades que reconfiguram o pensar e o fazer religião. Com os avanços tecnológicos, ocorre a possibilidade de novos ambientes de interação do religioso com determinada doutrina, modificando os processos comunicacionais das instituições religiosas.

Se com o uso dos veículos midiáticos tradicionais verificamos uma expansão da religiosidade, o avanço do acesso à internet amplificou ainda mais a autonomia dos fiéis em praticarem suas crenças e ritualidades de forma online e sem barreiras territoriais.

No meu trabalho de conclusão de curso, procurei discutir a relação da religião com as mídias, tendo como pano de fundo a sociedade em vias de midiatização. Para isso, trago a umbanda, religião brasileira que tem sido impactada pela ampliação da presença da mídia em suas ritualidades e, também, nos seus encontros religiosos que, antes, eram realizados estritamente no espaço físico (terreira) e agora acabam sendo mediados por dispositivos tecnológicos. O estudioso Maurício de Souza Santana aponta como um dos fatores dessa expansão midiática da doutrina umbandista o fechamento dos terreiros, em 2020, devido aos protocolos de prevenção contra a covid-19. Essa movimentação representa uma tentativa da religião de se conectar com os seus fiéis e não praticantes para além da copresença física em um terreiro.

Como objeto midiático, destacamos o caso do sacerdote umbandista Alan Barbieri que, desde 2014, se posiciona nas redes sociais digitais e nos seus sites de ensino teológico e ritualístico a distância. Todavia, ele adquiriu destaque midiático por ser detentor do maior canal de umbanda do Brasil no YouTube. O líder religioso possui mais de 655 mil inscritos e mais de 40 milhões de visualizações ao longo de seus 602 vídeos disponibilizados na plataforma.  Com isso, escolhi o canal do YouTube de Alan Barbieri como objeto empírico.

A metodologia da minha pesquisa é de teor qualitativo, com técnicas metodológicas como a pesquisa bibliográfica e a análise de conteúdo. O corpus da pesquisa é constituído por dois vídeos e 19 comentários compartilhados na plataforma. O primeiro vídeo apresenta um formato de tutorial ritualístico e explicativo, intitulado “Proteção Contra Demanda” em que o sacerdote ensina aos espectadores como realizar  uma proteção contra energias negativas dentro de suas casas. Já o segundo vídeo, denominado “Guias e Brajás na Umbanda”, apresenta os diferentes tipos de guias da umbanda e expõe suas especificidades e funções dentro de um terreiro.

O objetivo geral da pesquisa foi reconhecer a religiosidade online que emerge a partir dos vídeos produzidos pelo sacerdote umbandista Alan Barbieri em seu canal no YouTube. Ao final do trabalho, identifiquei que Barbieri possibilita uma emergência da religiosidade online, a qual entendo como o movimento de ressignificação e reconfiguração de vivências, de experiências e da relação profética com uma determinada doutrina religiosa em um ambiente digital. Nesse contexto, o fiel vivencia uma nova forma de praticar suas rezas, preces, orações, pedidos e agradecimentos, como apontados por Moisés Sbardelotto e Maurício de Souza Santana.

Os elementos característicos desse fenômeno são: (1) a reconfiguração do ambiente sagrado em que os conhecimentos teológicos e ritualísticos deixam de estarem restritos às limitações de um espaço físico e passam a perpetuar-se em espaços midiáticos; (2) a ressignificação de práticas ritualísticas, dando a elas novas formas de confecção e novos significados às experiências e à relação profética com determinada religião; e (3) a autonomia dos indivíduos que podem se apropriar de tais conhecimentos teológicos e realizar as práticas ritualísticas em qualquer ambiente, reconfigurando os aspectos comunicacionais da religião.

A religiosidade online propicia para a umbanda e outras religiões novas formas de pensar e de fazer a religião, pois se alia aos dispositivos tecnológicos e aos novos formatos de comunicação intensificados pela midiatização da religião. Por conta disso, salientamos a importância do fomento às pesquisas de comunicação social que possuam o propósito de problematizar a religiosidade online e a midiatização da religião em trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses e artigos científicos.

 (*) Geovanne Flores é graduado em Relações Públicas pela UFRGS e, no trabalho de conclusão de curso, foi orientado por Fabiane Sgorla.

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