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Algumas preocupações sobre energia

José Roberto Cardoso e Suani Teixeira Coelho (*) | 16/08/2022 13:05

Em recente palestra proferida por ocasião da 74ª Reunião da SBPC realizada na UnB, Paulo Artaxo destaca que o setor com maior potencial de contribuição para o combate às mudanças climáticas é o setor energético, o que mostra a relevância deste setor para o mundo. Na verdade, esta contribuição não se reduz à simples mitigação das emissões de carbono, mas, sobretudo, pelo seu impacto em quase todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Neste contexto, o eixo temático Energia do programa ProETUSP busca encontrar caminhos para a aceleração das ações que impactam positivamente as metas dos ODS.

Neste primeiro manifesto convidamos componentes do grupo a expressar tendências nas diversas áreas do conhecimento da Energia para que o leitor possa ter uma visão geral dos trabalhos em andamento.

Matriz energética

Segundo André Gimenes, professor da Escola Politécnica da USP, a matriz energética mundial, conforme o relatório Statistical Review of World Energy 2021 da BP, manteve o petróleo como principal energético mundial. Por outro lado, as energias renováveis bateram um recorde, alcançando 5,7% da matriz de energias primárias, ultrapassando a energia nuclear que teve 4,3%.

Os dados mostram que, apesar do expressivo crescimento das energias renováveis, 83,1% da energia mundial vem de três fontes primárias fósseis: petróleo, carvão e gás natural.

Já a matriz energética brasileira, segundo dados do Balanço Energético Nacional de 2021 – BEN, apresenta 48,3% de participação renovável.

Pensando-se em termos de fontes renováveis para transição de matrizes energéticas com altas emissões de carbono para geração limpa e livre de emissões, a matriz brasileira de geração elétrica (Oferta Interna de Energia Elétrica) é privilegiada, com 75,96% de participação renovável. As fontes primárias que mais cresceram entre 2019 e 2020 foram a solar fotovoltaica, com 61%, derivados do petróleo com 11,8%, biomassa com 6,9% e eólica com 1,9%.Em termos mundiais, o Brasil ocupa posição destacada entre os países do G20.

Será que esses números apresentados por André Gimenes podem nos deixar tranquilos quanto ao nosso futuro? Esta será uma linha de trabalho importante do nosso grupo.

Recursos energéticos

Os professores Eduardo Asada e José Carlos Vieira, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, avaliam o impacto da geração de energia nos níveis municipal, estadual e federal, segundo eles: a disponibilidade de recursos energéticos em um país apresenta valor, principalmente, quando os mesmos chegam aos locais onde esses recursos podem ser utilizados para atividades econômicas ou de bem-estar da sociedade.

Em países como o Brasil, que possuem grande dimensão territorial e com as principais fontes energéticas localizadas longe dos centros de consumo, formas de transporte como as linhas de transmissão de energia tornam-se essenciais. A presença dessas fontes apresenta escalas diferentes de impacto a depender do local. Por exemplo, em comunidades distantes de grandes centros, com pequeno uso de energia em comparação a esses locais, o atendimento, por justificativa de limitação econômica, muitas vezes não é realizado, entretanto o desenvolvimento dessa área é extremamente afetado e limitado. Nesse caso, geradores de energia com fonte primária adequada ao local podem atender às necessidades básicas, por outro lado, para desenvolver economicamente essa mesma área com outras atividades, uma quantidade maior de energia de diferentes origens pode ser necessária. Locais com grande disponibilidade e diversidade de fontes favorecem o desenvolvimento, como acontece nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Portanto, a disponibilidade de energia está fortemente relacionada ao desenvolvimento econômico, sendo necessário observar as necessidades locais, regionais e em escala nacional.

Na mesma linha, os professores Mauricio Salles e Renato Monaro, da Escola Politécnica da USP, destacam que o Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) é um dos maiores do mundo, principalmente pelas distâncias continentais do País. Existem quatro regiões operativas que se integram, trocando energia por meio de linhas de transmissão. A confiabilidade está ligada à operação em tempo real e de curto prazo, levando em conta as paradas para manutenção das linhas e da geração. A segurança energética depende do planejamento, responsabilidade da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, que analisa e contrata as reservas necessárias de energia para médio e longo prazo.

Um dos grandes desafios da operação é justamente manter o balanço entre oferta e demanda, de forma a garantir o menor custo de operação e ao mesmo tempo manter preços (aos consumidores) e remuneração (aos investidores) justos. O desbalanço entre a oferta e a demanda de energia pode causar desligamento do sistema elétrico (intencionalmente ou não), ou de parte dele, podendo ser uma questão da operação em tempo real ou uma questão de planejamento energético. Ambas trazem prejuízos aos consumidores, à economia, à educação e à segurança, sendo que os custos associados podem ser bilionários.

Energia nuclear

Esta questão é analisada pelo professor Claudio Schöen, da Escola Politécnica da USP, que destaca: há em operação no mundo pouco mais de 440 reatores de potência, que são responsáveis por fornecer cerca de 10% da matriz energética global (2.553 TWh em 2020), que são operados por 32 nações, incluindo o Brasil. Além destes, cerca de 50 países operam 220 reatores de pesquisa (no campus da USP no Butantã há dois) e a operação destes também afeta outras áreas de interesse, como na produção de fontes radioativas e insumos para radiofármacos. Enquanto o número de reatores em operação permanece estabilizado desde meados da década de 1980, a produção cresceu, indicando que reatores antigos são substituídos por reatores mais novos com maior potência.

A curva de crescimento não é contínua; alguns eventos interferem. Entre os mais notáveis, houve o acidente na usina de Fukushima-Daichii em 2011 e, mais recentemente, a incidência da pandemia de covid-19.

No Brasil as usinas em operação são responsáveis por cerca de 2,1% da grade energética nacional. Além dos reatores de pesquisa já em operação, há um grande projeto em desenvolvimento, o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), projetado para iniciar operação em 2030.

Várias comunidades reconhecem que energia nuclear é uma alternativa ao uso de fontes produtoras de gases de efeito estufa e ela foi recentemente agraciada com o rótulo de “verde” tanto pela Comunidade Europeia quanto pela própria ONU. A OECD prevê um cenário de crescimento, projetando um total de 4.714 TWh em 2050, tendo como horizonte fornecer 25% da energia global, contribuindo, portanto, para a sustentabilidade do planeta.

Desigualdades no acesso à energia elétrica

Segundo a professora Suani Coelho, do IEE/USP, as desigualdades no acesso à energia elétrica correspondem a um dos fatores que mais necessitam de políticas públicas para mitigar as diferenças existentes no seio de nosso povo.
Diferentemente do que ocorre na maior parte do País, atendida pelo Sistema Interligado, o conjunto de comunidades que compõem o Sistema Isolado ainda apresenta dificuldades significativas com relação ao acesso à energia e ao desenvolvimento sustentável.

Segundo a EPE (2022), são aproximadamente três milhões de consumidores em 251 comunidades atendidas por nove distribuidoras, principalmente a partir de geração a diesel. Esses consumidores correspondem a apenas 0,6% do consumo nacional, mas estão distribuídos em 40% do território brasileiro, particularmente na região amazônica. Esta oferta de energia se caracteriza por elevado índice de perdas e pela baixa qualidade da energia elétrica fornecida em sistemas de pequeno porte. Trata-se, em muitos casos, de geradores a diesel antigos e com dificuldades de manutenção.

Verifica-se que a grande maioria dos sistemas apresenta demanda máxima de até 10 MW, mas muitas comunidades têm demanda de apenas 100 kW, o que dificulta o atendimento.

Mais ainda, estes números não incluem a enorme quantidade de outras comunidades que não são atendidas e que atingem números expressivos. Segundo o IEMA (2021), são 212.791 moradores de assentamentos rurais, 78.388 indígenas, 59.106 habitantes de unidades de conservação e 2.555 quilombolas que não possuem nenhum acesso à energia elétrica pública na Amazônia Legal. No total, segundo o estudo, são 990.103 os excluídos elétricos na região, o que corresponde a 3,5% da população local da Amazônia Legal.

O mesmo estudo analisou a população sem acesso à energia elétrica para cada um dos municípios da Amazônia e comparou aqueles com a maior população sem acesso à energia com o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Médio) dos mesmos. Considerando os dez municípios com a maior população sem acesso à energia, todos têm IDHM considerado baixo (de 0,500 a 0,599) ou muito baixo (entre 0,000 e 0,499), com exceção de Sena Madureira (AC) e Guajará-Mirim (RO), que têm IDHM médio de 0,600 a 0,699. Esse pode ser considerado mais um indicativo da correlação entre acesso seguro e confiável à energia elétrica e qualidade de vida.

É importante ressaltar que o acesso igualitário à energia promove não apenas o desenvolvimento econômico das comunidades locais, mas também é responsável pela inclusão e bem-estar social de seus indivíduos. A população mais suscetível e vulnerável a esta situação, como os habitantes das regiões atendidas pelos sistemas isolados, tem sua situação agravada por vivenciar um precário abastecimento elétrico, com impactos na saúde, nas emissões de gases de efeito estufa, na exclusão social e no baixo desenvolvimento socioeconômico como um todo. Ou seja, a provisão de serviços seguros, adequados e eficientes de energia é essencial à organização social, econômica e ambiental dessas populações.

(*) José Roberto Cardoso, professor da Escola Politécnica da USP, e Suani Teixeira Coelho, professora da Instituto de Energia e Ambiente da USP.

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